12/02/2003 - 8:00
…aeronaves e um faturamento de mais de US$ 10 bilhões são o lado mais vistoso do império de Donald
“O Brasil deveria se preocupar mais com a situação da Venezuela, de Hugo Chávez”
DINHEIRO ? O mundo enfrentou crises de petróleo em 1973, 1979 e 1991. Agora, com a iminência da guerra, fala-se novamente em crise. Não se aprendeu nada com essas lições?
ALDO CASTELLI ? São duas coisas. Após as crises que você citou, o mundo aprendeu a lição e foi se preparando. Os países estudaram quais são os níveis ideais de estoques estratégicos, os projetos de investimentos, as alternativas energéticas e reduziram sua dependência de petróleo. Acho que o mundo aprendeu a lição e nunca mais vai ficar inteiramente na dependência do petróleo como acontecia décadas atrás. Não quer dizer que uma guerra no Oriente Médio não cause apreensão em relação ao petróleo.
DINHEIRO ? Isso aconteceu também no Brasil?
CASTELLI ? Sem dúvida. E nesse ponto devemos dar um crédito grande à Petrobras nos últimos anos. Hoje eu diria que estamos abaixo dos 25% de importação, ao passo que na década de 80 essa proporção era de 60%. E com a estratégia de investimento até 2010, a dependência vai diminuir.
DINHEIRO ? Então por que há tanta preocupação no Brasil e a guerra tem provocado impactos no dólar?
CASTELLI ? Não acredito que a volatilidade do dólar tenha sido provocada apenas pela crise no Oriente Médio. Acho que o principal fator é interno, é político, mais especulação. Uma coisa é a crise do petróleo e o preço internacional do produto, causada pela proximidade da guerra, e outra é a volatilidade da moeda. A combinação das duas coisas é que preocupa. Enquanto nos países desenvolvidos, a preocupação é com o preço internacional do barril, para os países emergentes, Brasil incluso, o problema é a combinação do preço com a moeda instável. Qualquer crise internacional provoca efeitos no dólar e o faz subir dentro do Brasil. A crise internacional da vez é relacionada à guerra e, como nas outras crises, atingiu o câmbio. Mas o problema de fundo é outro que não o petróleo. É a questão da balança comercial, das contas públicas, do nível de endividamento. Isso é que explica a volatilidade, embora o Brasil tenha feito sua lição de casa no que se refere à redução da dependência do petróleo.
DINHEIRO ? Isso garante que os preços internamente não sofrerão com a guerra?
CASTELLI ? Não. Isso minimiza, mas não garante. Porque um aumento de preço no barril tem efeito significativo nas contas públicas.
DINHEIRO ? Mas uma guerra numa região como o Oriente Médio sempre causa problemas para as importações de petróleo…
CASTELLI ? Nesse ponto o Brasil também fez a lição de casa. A participação do Oriente Médio nas importações brasileiras são muito menores do que eram anos atrás. Em 2001, nós importamos 56% da África, 23% da América do Sul, basicamente da Venezuela e da Argentina, e 18% do Oriente Médio. E no Oriente Médio, nosso grande fornecedor é a Arábia Saudita. As crises anteriores nos levaram a desenvolver fornecedores mais próximos, justamente para nos distanciarmos de uma região mais delicada politicamente como o Oriente Médio, onde a possibilidade de conflitos é maior do que em outros locais. Mas temos de tomar cuidado porque se o preço der um salto infernal, nós teremos de buscar outras medidas.
DINHEIRO ? No pior cenário, qual o pico que o preço do petróleo deve atingir?
CASTELLI ? Isso nem o pessoal da Morgan Stanley pode responder. Hoje ele está no patamar de US$ 32 e acho que está exageradamente alto. Se ele chegar a US$ 35 eu ficaria muito preocupado.
DINHEIRO ? Então, o preço do barril já está próximo do teto em sua opinião?
CASTELLI ? Está próximo do teto porque, nas últimas semanas, todo o mundo já se posicionou em termos de estoque e isso ajudou a puxar para cima o preço, além da instabilidade provocada pela proximidade da guerra. E há fatores que trazem novo alento para esse mercado.
DINHEIRO ? Quais são esses fatores?
CASTELLI ? A greve na Venezuela foi encerrada. Creio que no segundo trimestre a produção lá esteja normalizada. É verdade que a greve é uma coisa e a situação do país é outra. Mas a tendência é que a produção de petróleo lá seja retomada e o Hugo Chávez tem interesse em vender petróleo para aproveitar os preços altos e levar recursos financeiros para dentro do país e melhorar a complicada situação econômica local. A Opep havia aumentado a oferta para compensar a ausência da Venezuela no mercado nos últimos meses. Há sinais de que a oferta esteja se equilibrando com a demanda.
DINHEIRO ? O que o Brasil pode fazer para reduzir os possíveis efeitos negativos da guerra?
CASTELLI ? Eu começaria a importar mais da Venezuela. Por quê? O custo de frete é menor e o tempo de transporte também é mais reduzido. Agora, acho que o governo terá de se preocupar principalmente com o gás de cozinha, pois isso atinge a parcela mais carente da população. Para isso, ele pode reduzir a Cide visando baratear o produto. Também pode dar algum subsídio temporário ao gás de cozinha para segurar os preços até que as coisas se equilibrem. Talvez, dependendo de onde o preço bater, o governo tenha de lançar mão de outros instrumentos.
DINHEIRO ? O que ele pode fazer no caso dos combustíveis, cujo impacto sobre a inflação é muito forte?
CASTELLI ? A grande preocupação nesse caso é o diesel, pois isso mexe com os custos dos transportes e, por tabela, com os preços ao consumidor. O problema é que o governo não tem grande folga para administrar esses preços. Ele pode segurar por um tempo, mas em algum momento terá de repassar para o preço da gasolina. Outro ponto que ele terá de levar em conta é a saúde financeira da Petrobras. A questão é: como ele pode segurar os preços sem comprometer a situação financeira da estatal. A resposta para isso ainda não existe, pois só poderá ser formulada no decorrer dos fatos.
DINHEIRO ? Então a greve na Venezuela deveria preocupar o Brasil mais do que a guerra no Golfo?
CASTELLI ? Lógico. Não é bom para ninguém ter um vizinho enfrentando uma situação dessas. Mas o Brasil foi inteligente em diversificar suas importações e, de acordo com nosso atual mapa de fornecimento, temos condições de passar o momento de mais aperto sem entrar em pânico. Mais uma vez: desde que a guerra não seja longa e a situação na Venezuela não volte a se tornar complicada.
DINHEIRO ? Se o mundo se preparou para uma crise do
petróleo, é justificável que o barril de petróleo chegue a preços superiores a US$ 30?
CASTELLI ? O barril está em torno de US$ 32. Mas sempre há preocupação, pois a região onde a guerra acontecerá é uma grande produtora de petróleo. Eu acho que não devemos minimizar a preocupação, mas também não temos que entrar em pânico. Não sou especialista no assunto, mas tudo indica que a guerra deverá ser curta. É verdade que é fácil entrar em guerra. Difícil é sair dela. Os Estados Unidos entraram na Guerra do Vietnã e você sabe o quanto demorou para sair dela. A lógica no entanto no Golfo é que seja relativamente rápida.
DINHEIRO ? No caso de uma guerra mais longa, o barril pode subir mais de US$ 35?
CASTELLI ? Pode. Mas a Opep tem condições de compensar a quebra na produção de petróleo no Iraque. Tudo vai depender da vontade política de seus membros. É bom lembrar que o Iraque já tem uma produção comprometida desde a Guerra do Golfo no início da década de 90. Ele contrabandeava petróleo para os países vizinhos, mas mesmo assim esteve longe de ser um participante ativo no mercado mundial nos últimos anos.
DINHEIRO ? O senhor falou que o Brasil já produz a grande parte do petróleo que consome. Há quem fale que isso é um erro, pois não deveríamos utilizar tanto nossas reservas estratégicas…
CASTELLI ? Olha, para alguns países sem problemas em seu balanço de pagamentos, isso pode ser verdade. Mas no caso do Brasil não concordo. A lógica desse raciocínio é irrespondível, mas a situação do Brasil não permite.
DINHEIRO ? Os especialistas acreditam em uma guerra curta, no fim da qual Saddam Hussein seria afastado do poder, substituído por um governo mais amigável em relação aos Estados Unidos. O que aconteceria com o setor de petróleo no mundo caso esse cenário se confirme?
CASTELLI ? Não sabemos exatamente o que pode acontecer no final da guerra. E se Saddam colocar fogo nos poços de petróleo como fez ao deixar o Kuwait na Guerra do Golfo em 1991? Mas não esqueça que o mundo já conviveu com a quebra na produção do Iraque por muito tempo. Então, com a volta da Venezuela ao mercado e a Opep mantendo seu nível de produção, os preços vão cair. O fim da guerra, por si só, já produzirá um efeito positivo nos preços. O preço internacional alto não é bom para ninguém. É ruim para a economia mundial. Falam que as grandes empresas petrolíferas ganham com isso. Por quê? Quem quer sufocar seu consumidor?
DINHEIRO ? Como fica a Opep, se um de seus membros, o Iraque, tiver um governo mais ligado aos Estados Unidos?
CASTELLI ? Não tenha dúvida que a presença dos Estados Unidos na região crescerá e isso acontecerá sob o argumento da segurança ? que aliás é o que os Estados Unidos estão alegando para levar adiante essa guerra. Mas conhecendo a cultura do Oriente Médio esse domínio não será aceito facilmente. Realmente não acredito que os Estados Unidos dominarão o petróleo do mundo, mas certamente terão uma presença maior do que têm hoje.
DINHEIRO ? O sr. concorda que os Estados Unidos estão indo para essa guerra com a pretensão de controlar um setor estratégico como o petróleo?
CASTELLI ? Hoje há ainda muito emocionalismo em relação a esse assunto. Mas acho simplista dizer que tudo se resume a isso. Há uma série de fatores e entre eles existe o interesse econômico e também a preocupação com a ascensão do terrorismo. É um conjunto de fatores complexos.