17/06/2022 - 16:02
Pescador confessou assassinato de jornalista e indigenista. Univaja contesta conclusão da polícia e diz que repassou informações que apontam para possíveis organizações criminosas ligadas às mortes. A Polícia Federal (PF) informou nesta sexta-feira (17/06) que a investigação sobre os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips não trouxe indícios de ter havido um mandante ou organização criminosa por trás das mortes.
Em nota, a PF disse que as diligências continuam e que, apesar de não haver um mandante, outras pessoas podem estar envolvidas no crime e novas prisões podem ocorrer nos próximos dias.
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A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) disse que discorda da conclusão da PF. Segundo a entidade, foram repassadas à polícia informações sobre organizações criminosas que estariam atuando na região e que poderiam estar ligadas às mortes. No documento, a Univaja solicita que as investigações continuem e que nenhuma hipótese seja descartada.
“Exigimos a continuidade e o aprofundamento das investigações. Exigimos que a PF considere as informações qualificadas que já repassamos a eles em nossos ofícios. Só assim teremos a oportunidade de viver em paz novamente em nosso território, o Vale do Javari.”
Bruno Pereira fazia parte da Univaja e, segundo a entidade, era alvo de ameaças constantes de madeireiros, garimpeiros e pescadores da região.
Remanescentes humanos chegam para perícia
Na quinta-feira, o avião que transportou os remanescentes humanos encontrados durante as buscas pela dupla pousou, por volta das 18h30, no Aeroporto de Brasília. O material foi levado ao Instituto Nacional de Criminalística, onde será periciado para confirmação das identidades.
Os restos mortais foram encontrados durante buscas na quarta-feira, após um dos presos supeito pelo desaparecimento, o pescador Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como “Pelado”, ter confessado o crime na noite anterior. Ele acompanhou agentes até o local onde teria enterrado os corpos, uma área de mata fechada e difícil acesso, a cerca de três quilômetros da calha do rio Itaquaí, afluente do rio Javari.
Univaja auxiliou nas buscas
Embora ignorados pela PF na coletiva de imprensa em Manaus que detalhou as conclusões das investigações, a Univaja, povos indígenas e riberirinhos atuaram diretamente nas buscas.
O delegado que participava da coletiva somente abordou o papel dos indígenas após ser questionado sobre a ausência da menção por uma jornalista estrangeira.
A Univaja deu início às buscas pela dupla no mesmo dia em que Phillips e Pereira foram vistos com vida pela última vez, em 5 de junho.
No dia 11 de junho, voluntários indígenas foram responsáveis por encontrar pertences da dupla numa lona em uma área de igapó, numa região de difícil acesso. Segundo a Univaja, a descoberta foi comunicada às autoridades, que isolaram o local no dia seguinte. Imagens divulgadas pelo canal de TV britânico Channel 4 mostram o momento em que os objetos foram localizados.
Indígenas também foram responsáveis por encontrar o barco de Amarildo da Costa Oliveira. Além disso, eles ajudaram a guiar membros das forças de segurança nas matas.
Em nota divulgada na noite de quarta-feira, a Univaja, organização que representa as etnias Marubo, Matis, Matsés, Kanamari, Korubo, Tsohom-dyapa e povos isolados do Vale do Javari, detalhou seu papel nas buscas.
“Nós, Univaja, participamos ativamente das buscas desde o dia 05/06/22 através da Equipe de Vigilância da Univaja (EVU). Fomos os primeiros a percorrer o rio Itaquaí atrás de Pereira e Phillips ainda no domingo, primeiro dia do desaparecimento dos dois. Desde então, a única instância que esteve ao nosso lado como parceira nas buscas foram os policiais militares do 8º Batalhão em Tabatinga (AM).”
“Fomos nós, indígenas, através da EVU, que encontramos a área que, posteriormente, passou a ser alvo das investigações por parte de outras instâncias, como a Polícia Federal, o Exército, a Marinha, o Corpo de Bombeiros etc. Foi a equipe de vigilância da Univaja que entrou na floresta em busca de Pereira e Phillips para dar uma satisfação aos seus familiares. Foi a equipe de vigilância da Univaja, a EVU, que indicou para as autoridades o perímetro a ser vasculhado em profundidade pelos órgãos estatais”, continua a nota.
“Para isso, nós contamos com a colaboração e proteção constante dos policiais militares do 8º Batalhão em Tabatinga (AM): os únicos a nos tratarem como verdadeiros parceiros na busca, valorizando o nosso conhecimento e a nossa sabedoria enquanto povos indígenas, conhecedores do nosso território.”
Ainda no texto, a Univaja agradeceu ao comandante da PM local e a imprensa nacional e internacional. “Viemos a público prestar agradecimentos ao Coronel Cavalcante, aos policiais militares do 8º Batalhão em Tabatinga (AM) que nos acompanharam nas buscas, e também à imprensa nacional e internacional que foi nossa parceira, nos ajudando a levar para o mundo inteiro, ouvir a nossa voz e conhecer o que está acontecendo em nossa região.”
O desaparecimento
Dom Phillips e Bruno Pereira foram vistos pela última vez em 5 de junho, enquanto viajavam pelo Vale do Javari, uma região remota do estado do Amazonas palco de conflitos entre indígenas e invasores de terras.
Amarildo da Costa Oliveira foi preso em 7 de junho por suspeita de envolvimento no desaparecimento. A polícia chegou ao nome de Amarildo ainda no início das investigações. Testemunhas ouvidas pelas autoridades policiais disseram que viram Amarildo ameaçando Pereira. Uma testemunha também relatou que Amarildo foi visto em uma lancha, navegando logo atrás da embarcação de Pereira e Phillips.
Em 14 de junho, a PF informou que prendeu mais um suspeito. Ele foi identificado como Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como “Dos Santos”, de 41 anos. Ele é irmão do pescador Amarildo da Costa Oliveira.
De acordo com a agência Pública, o delegado Alex Peres afirmou que “testemunhas” colocaram “os dois no local, supostamente, onde ocorreu o crime”.
Phillips e Pereira
Jornalista veterano e colaborador do The Guardian, Phillips tinha 57 anos e vivia no Brasil há 15 anos. Ao longo da sua carreira, ele também escreveu para vários outros veículos internacionais, incluindo Financial Times, New York Times e Washington Post, além de ter produzido reportagens para o serviço em inglês da Deutsche Welle (DW).
Antes de desaparecer, Phillips trabalhava num livro sobre preservação da Amazônia, com apoio da Fundação Alicia Patterson, que lhe concedeu uma bolsa de um ano para reportagens ambientais, que durou até janeiro. Phillips deixa uma viúva, Alessandra, que nos últimos dias divulgou diversos apelos para que as autoridades se empenhassem mais pela busca dos desaparecidos.
Bruno Araújo Pereira era considerado por organizações ambientais e indígenas um dos funcionários mais experientes da Fundação Nacional do Índio (Funai) que atuava na região do Vale do Javari. Em 2018, ele se tornou o coordenador-geral de Índios Isolados e de Recém Contatados da Funai, mas acabou exonerado do cargo em outubro de 2019, após pressão de setores ruralistas.
le/ek (Agência Brasil, DW, ots)