20/03/2017 - 12:48
O físico Marcelo Knobel, de 48 anos, venceu em primeiro turno a consulta à comunidade para escolher o novo reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Knobel teve 52,6% dos votos válidos e, agora, seu nome encabeçará a lista tríplice que será levada ao governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP).
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Knobel disse que a crise financeira pela qual a instituição atravessa continuará a ser o grande desafio da gestão. A Unicamp terminou o ano passado com um déficit de R$ 229,5 milhões, já que gastou mais com a folha de pagamento dos servidores do que os R$ 1,98 bilhão que recebeu do governo do Estado – principal fonte de receita da instituição.
Para Knobel, o momento exigirá uma gestão financeira moderna e eficiente. Ele também defendeu que será necessário um maior diálogo com o governo estadual.
Knobel é professor titular do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) e foi pró-reitor de Graduação da Unicamp entre 2009 e 2013. A química Tereza Atvars será sua vice-reitora. Ela foi pró-reitora de Pós-Graduação da instituição entre 2005 e 2009 e pró-reitora de Desenvolvimento Universitário de 2013 a 2016.
Quais são suas propostas para enfrentar a crise financeira da universidade?
Temos diversas ideias no nosso programa que se referem ao aumento das receitas, otimização dos recursos que recebemos do governo do Estado e da sociedade de uma maneira geral. A gente acredita que, em primeiro lugar, diálogo e transparência são fundamentais para estabelecer as bases da discussão. Em segundo lugar, naturalmente será buscar caminhos para melhorar a gestão de uma maneira geral e encontrar mecanismo efetivos para aproveitar melhor os recursos que a sociedade investe na Unicamp. Temos que enfrentar as dificuldades, não adianta tapar o sol com a peneira e fingir que não existem. Tem que diagnosticar adequadamente para poder enfrentá-las. Precisamos aprimorar muito os mecanismos de gestão, modernizar os processos, otimizar as despesas. São diversas ações que vão resultar em economia. Não estamos pensando e nem colocamos no nosso plano a perda de benefícios, demissões nem o fechamento de órgãos. É possível fazer esse ajuste simplesmente melhorando a gestão da universidade.
O senhor é favorável a mudar a cota de 9,57% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) recebida pelas três universidades? Quais são as outras possíveis fontes de financiamento?
A universidade sempre tem que buscar discutir com o governo do Estado um financiamento adequado. Em particular na Unicamp, e colocamos isso no nosso programa, tem que haver ainda uma discussão porque, quando houve a expansão e foi criado o câmpus de Limeira, foi feita uma promessa de um pequeno porcentual extra que até hoje não ocorreu. Isso precisa ser discutido. Também é preciso uma rediscussão sobre a área da saúde da Unicamp, que está subfinanciada em comparação até mesmo com as outras duas universidades públicas paulistas (Universidade de São Paulo – USP – e Universidade Estadual Paulista – Unesp). Nossa área de saúde atende toda a macrorregião de Campinas e boa parte do recurso provém do próprio orçamento da universidade. É preciso aumentar os aportes da Secretaria Estadual de Saúde e vamos discutir isso. (Sobre outras fontes de financiamento) é preciso, sempre com o cuidado de manter o caráter público e gratuito, que uma universidade atual e moderna se relacione com a sociedade em todas as suas formas. As parcerias público-privadas fazem parte desse leque de atuação.
Qual é sua posição sobre o recebimento de salários acima do teto (ele ganha R$ 26.689,55, mais do que o governador Geraldo Alckmin)? E a dupla matrícula? (Em dezembro, o Conselho Universitário da Unicamp rejeitou proposta para suspender o mecanismo que permite que professores que ocupam postos de direção recebam duas remunerações. O Tribunal de Contas do Estado considerou a medida “equivocada”)
A gente vai acabar com a dupla matrícula para a administração superior. Não chegou a ser um erro (a sua criação). O erro, na nossa visão, foi a maneira como ela foi discutida e comentada na universidade e que acabou se tornou um estigma. Nesse momento de crise a administração superior deve dar um exemplo e acabar com a dupla matrícula. (Sobre os salários acima do teto) É uma discussão que vamos ter que manter também com o governo do Estado porque, em nossa visão, o teto pelo subsídio do governador está prejudicando a carreira docente e dos funcionários. É preciso repensar isso, porque coloca em risco a própria universidade pública. Gostaríamos de discutir a possibilidade de um teto comum, brasileiro, para manter uma perspectiva de carreira compatível com uma universidade pública de excelência.
Como o senhor avalia a atuação do Conselho dos Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo (Cruesp)?
O Cruesp é fundamental para o sistema de educação publica e ele precisa ser constantemente reforçado e precisa ter um papel fundamental nas discussões, não só salariais, mas também nas questões de fundo da universidade pública, de sua relação com a sociedade. Sem dúvida alguma trabalharemos com os colegas da USP e da Unesp para o fortalecimento do Cruesp, porque ele é fundamental para o ensino superior público de São Paulo.
O senhor vai dar continuidade aos planos de expansão (aumento do número de cursos e de câmpus)? Quais foram os principais problemas da expansão feita pela universidade nos últimos anos?
Foi uma expansão pensada, bem planejada, mas naturalmente, como toda expansão requer ainda um aprimoramento. É um processo que ainda esta ocorrendo. Havia uma promessa (o aumento do porcentual de repasse) e precisamos reestabelecer o diálogo para que se efetive. É fundamental para universidade ter orçamento adequado para fazer mais e melhor. No momento, é difícil falar em expansão, pela dificuldade financeira que a gente está vivendo. Vamos ter que apertar os cintos, aproveitar o momento de crise para estabelecer uma gestão cuidadosa e responsável. E, num segundo momento, fazer planos de expansão de maneira sustentável.
O Programa de Ação Afirmativa para Inclusão Social (Paais) é suficiente para promover inclusão na universidade? É favorável ao ingresso pelo Sisu (Sistema de Seleção Unificada) ou uso da política de cotas?
Certamente, as políticas de acesso à universidade precisam estar em constante revisão e discussão. Neste momento, estamos discutindo nas unidades as questões das cotas étnico-raciais. No nosso plano, temos a rediscussão do Paais, a ampliação de um programa importante que é o Profis (Programa de Formação Interdisciplinar Superior, que seleciona os melhores alunos de escola pública para um curso de dois anos na instituição com aulas de várias áreas do conhecimento) É claro que todas essas ações precisam vir acompanhadas de uma forte política de permanência estudantil. Senão, chegamos ao extremo de permitir o acesso dessas pessoas e depois elas abandonarem o cursos por diversos motivos, financeiro ou desenvolvimento acadêmico. Sobre o Paais, ele precisa sempre estar sendo estudado, com dados e análises. Neste momento, minha visão preliminar é de que houve uma distorção muito grande do próprio sistema de vestibular, e a gente precisa recuperar isso. São ajustes que são normais e necessários e que precisam ser debatidos com critérios técnicos. Precisamos ver se outros critérios precisam ser colocados no programa, identificar como ele ocorre em cada curso, de onde vem esses alunos, que tipo de escola pública eles estudaram. (Sobre a adesão da Unicamp ao Sisu) vamos fazer estudos, simulações. Colocamos em nosso programa como uma possibilidade. É uma questão que deve ser discutida e poderemos buscar essa alternativa. O Sisu pode complementar nosso vestibular e nos dar a possibilidade de ampliar nosso espectro de estudantes e abrangência no país inteiro. Naturalmente, teremos que ter estudos, ver de qual maneira podemos fazer isso. Tudo será muito debatido e acordado com toda a universidade, garantindo a autonomia das unidades.