30/06/2015 - 8:15
Em mais de 30 anos de vida pública, o gaúcho João Augusto Nardes talvez esteja passando pelo momento de maior exposição. Como relator do processo de auditoria das contas federais de 2014, o ministro do TCU ganhou protagonismo ao indicar uma possível reprovação do balanço do último ano do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, por indícios de irregularidades. Administrador e ex-deputado federal pelo Partido Progressista (PP), Nardes admite que já havia se decidido por um parecer negativo, mas resolveu conceder um prazo de 30 dias ao Planalto para garantir o contraditório e evitar questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF). Em palestra sobre governança a empresários, em São Paulo, na quinta-feira 25, Nardes condenou a existência de orçamentos paralelos na contabilidade pública e mostrou preocupação com os sinais de continuidade das pedaladas fiscais neste ano. Em seguida, conversou com a DINHEIRO sobre os principais pontos do processo.
DINHEIRO – O TCU deu 30 dias para a Presidência explicar os indícios de irregularidades nas contas de 2014. O que pode mudar?
AUGUSTO NARDES – Vai depender da justificativa apresentada. O que nós caracterizamos foram as pedaladas, o que eu entendo que é bastante grave. No entanto, o governo está com recurso no Tribunal nessa questão e haverá ainda uma discussão. Depois da análise final, teremos uma decisão. Espero que ocorra antes do prazo que o governo tem para nos responder. A partir daí, tomaremos uma posição definitiva em relação às pedaladas e sobre a questão do contingenciamento, que é a grande novidade. No nosso entendimento, caberia à presidente fazer o contingenciamento de R$ 28,5 bilhões no ano passado. Ela não o fez e, além disso, condicionou a liberação de R$ 10 bilhões para aprovar suas contas. Acho que aí a responsabilidade da presidente é mais acentuada. Claro que isso depende da defesa que será feita. Eu não posso adiantar qual será o posicionamento e nem o voto, porque foi dado o direito de contraditório.
DINHEIRO – Por que o TCU decidiu dar um prazo adicional de 30 dias para as explicações do governo?
NARDES – Esse prazo é importante para evitar que haja insegurança jurídica na decisão. Já existia uma situação do ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes, numa decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, que na mesma situação, na proposta do Tribunal de Contas do Estado de não aprovar as contas, deu a decisão para que houvesse o contraditório. Então, baseado na decisão do Supremo é que eu tive a precaução de dar o direito ao contraditório, concedendo o prazo de 30 dias à presidente, para evitar uma contestação. Todo o trabalho feito por nós poderia ir por terra pelo fato de que não tinha sido feito o contraditório. Consegui unanimidade dos votos para tomar uma decisão mais à frente sobre essa questão.
DINHEIRO – O governo chama de prestação de serviço os pagamentos de programas sociais feitos pelos bancos públicos, enquanto o TCU entende como operações de crédito. Por que é possível afirmar que foi crédito?
NARDES – Porque a Lei de Responsabilidade Fiscal é clara. Se não há autorização do Legislativo, o detentor do banco público não pode utilizar o dinheiro sem conhecimento do Congresso. É um desprestígio ao Congresso Nacional e uma desconsideração com a sociedade brasileira, porque a sociedade não teve conhecimento. É uma questão de transparência. O dinheiro pertence a todos e o povo brasileiro precisa saber para onde ele está indo. Nós não podemos jogar pela janela a Lei de Responsabilidade Fiscal, que foi uma conquista de todos.
DINHEIRO – Houve irresponsabilidade nas previsões e nos parâmetros usados no Orçamento?
NARDES – Essa é uma questão importante, que eu levantei no voto: o fato de não termos uma previsão adequada. É claro que isso depende da situação econômica que existe interna e externamente, mas as previsões do governo não têm sido feitas de forma adequada e a consequência disso é que nós estamos sempre no limite da inflação e dos juros. Isso dificulta a previsão dos investidores. O mercado tem se comportado de forma mais adequada nas previsões do que o próprio governo. O TCU também está avaliando isso. Não que seja uma irregularidade grave, mas o fato de não fazer uma previsão correta cria dúvidas entre os investidores. O governo tem de ser mais realista.
DINHEIRO – O Congresso Nacional não aprecia as contas do governo federal desde 2002. Que impacto isso tem agora?
NARDES – Conversei com o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, e com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, pedindo que julgassem as contas. De certa forma, essa nossa proposta de recusar as contas fez com que o Congresso colocasse o tema como prioridade e isso é uma vitória da sociedade brasileira. O fato de o TCU sair da situação conservadora ou da mesmice de aprovar, sem ressalvas e sem questionamentos, fez com que o Congresso tomasse a decisão de votar, que foi a promessa feita pelo presidente do Senado e pelo presidente da Câmara. Considero essa a principal função do Congresso: fiscalizar o governo. Fui legislador por muito tempo e sempre trabalhei muito na questão da fiscalização dos recursos públicos, que têm de ser avaliados todos os anos. No entanto, estão desde 2002 sem votar as contas, apesar de o TCU ter cumprido todas as etapas dentro do prazo e ter apontado as ressalvas.
DINHEIRO – Havia algo que o TCU pudesse fazer para pressionar o Congresso Nacional a apreciar as contas públicas?
NARDES – O que podia fazer era essa proposta de rejeitar. Eu tinha a proposta e acabei evoluindo para a ideia de que as contas não estavam em condições de serem apreciadas, por indícios de irregularidades e para dar a oportunidade de defesa. Acho que isso fez com que houvesse um sobressalto positivo no Congresso.
DINHEIRO – Como o senhor avalia a tentativa de colocar o ex-secretário do Tesouro Arno Augustin como responsável pelas práticas reprovadas pelo TCU?
NARDES – No meu ponto de vista, isso não isenta a responsabilidade da presidente. A lei é muito clara: as contas são da presidente Dilma Rousseff e não somente do Arno Augustin. Ele terá de responder também perante o TCU, mas a questão é clara na Constituição Federal, de que cabe ao Presidente da República fazer o decreto, e na questão do contingenciamento, ela não fez. Aí está o pecado maior. Além das pedaladas, acho que esse é o pecado mais grave cometido, especialmente pelo fato de que a lei é clara de que no período eleitoral não poderia ter acontecido isso.
DINHEIRO – A Lei de Responsabilidade Fiscal procurou inibir o uso das contas públicas para fins eleitorais. Está falhando? Há necessidade de ser aprimorada?
NARDES – Poderá até ser aprimorada, mas o que está aí temos de fazer cumprir.
DINHEIRO – O senhor condenou a cultura do “jeitinho brasileiro”. O que entende por isso? As pedaladas fiscais foram um “jeitinho brasileiro”?
NARDES – De certa forma, sim. É o “jeitinho brasileiro” de ser condescendente com questões extremamente graves e sérias, de fazer improvisações e arranjos, e de não pensar a médio e longo prazo. É não ter projeto básico para os projetos a serem construídos no País, como rodovias, ferrovias. É lançar programas que depois nós sabemos que não serão cumpridos, como recentemente eu relatei o Programa de Investimento e Logística (PIL), na área de ferrovias. Em 2012, foram lançados projetos de cento e poucos bilhões de reais para serem assinados em 2013. Até hoje nenhum foi assinado. E o que detectamos também é que os projetos de ferrovias não estão relacionados com outros modais. Agora foram lançados novos programas e também não há projetos.
DINHEIRO – A prática de acúmulo dos restos a pagar, que o senhor chamou de orçamento paralelo, é comum nas finanças públicas, em todas as instâncias da administração. Como é possível evitar abusos?
NARDES – A transparência é que precisa ser implantada. E a Lei de Acesso à Informação facilitará isso. São pontos em que a sociedade brasileira está evoluindo e esperamos que isso faça o Brasil agir de forma diferente.
DINHEIRO – Caso haja, de fato, a reprovação das contas, por que o Congresso deveria seguir a recomendação do TCU?
NARDES – Porque é uma posição técnica, feita por auditores concursados, não há envolvimento político. A decisão de rejeitar as contas pela primeira vez foi minha, pessoal. Mas eu acabei evoluindo para dar o direito ao contraditório, para não ser incoerente com o fato de eu estar cobrando a Lei de Responsabilidade Fiscal e não dar o direito ao contraditório que a Constituição estabelece. Cabe ao Congresso Nacional tomar a decisão final.
DINHEIRO – O senhor disse esperar que o governo apresente as explicações antes do prazo de 30 dias. Acha que isso será possível?
NARDES – A presidente Dilma pode também pedir mais prazo. Vai depender da situação. O Luis Inácio Adams, advogado Geral da União, disse que eles vão cumprir o prazo. Pela gravidade da situação, acho que ela deveria responder nos 30 dias, até porque o País espera uma decisão.