DINHEIRO ? Em 1992 o sr. esteve pela primeira vez na Índia comandando uma rodada comercial. Agora volta para lá com a missão de chefiar a embaixada brasileira. Dezesseis anos se passaram, quais diferenças espera encontrar?
CARLOS ANTÔNIO BRANDÃO ? Durante muitos anos, Brasil e Índia não tiveram muito entendimento. Eram dois grandes países, cada um para o seu lado. No fundo, o que mudou essa perspectiva foi uma visita que o então presidente Fernando Henrique Cardoso fez ao país em 1995. Depois, os indianos explodiram a bomba atômica e nós colocamos as relações em banho-maria. Em 2004, a visita do presidente Lula à Índia am- Entrevista / Carlos Antônio Brandão pliou e consolidou as relações, colocando os entendimentos num trilho de grande velocidade. O que aconteceu nesses últimos quatro anos foi um imenso desenvolvimento da área comercial com um enorme salto qualitativo no campo das possibilidades de investimento. O indiano Lakshmi Mittal, dono da Mittal Steel, investiu maciçamente na Belgo-Mineira, o grupo Tata está em negociação para trazer os produtos para cá e há várias empresas de informática investindo no Brasil e no Mercosul.

DINHEIRO ? A Índia tornou-se uma prioridade para o Brasil?
BRANDÃO ? Não há país no mundo que não esteja focado na Índia, visto o crescimento extraordinário que eles estão apresentando. O Brasil não é diferente. Logo no primeiro discurso sobre política externa, o presidente Lula fez questão de ressaltar que a Índia é prioridade. A partir dali, um grande arcabouço políticelulaco de entendimentos começou a facilitar a aproximação dos dois países.

DINHEIRO ? Ainda assim, as oportunidades são pouco exploradas. Hoje a Índia ocupa a 28ª posição no ranking das exportações brasileiras.
BRANDÃO ? Realmente estamos muito aquém das reais possibilidades de negócio. Os dois países concordaram em perseguir uma meta de volume comercializado de US$ 10 bilhões até 2010. O Brasil não pode perder o vôo indiano.

DINHEIRO ? Hoje o fluxo está em US$ 1,2 bilhão. Essa meta é factível?
BRANDÃO ? Um conselho empresarial com a presença de empresas de peso, como a Vale, está trabalhando para criar as condições para que a meta de fato aconteça. O governo ajuda na parte da promoção comercial, mas deixa os empresários conversarem.

DINHEIRO ? À primeira vista parece que a Índia assedia mais o Brasil do que o contrário. A indústria automotiva é um exemplo. Isso acontece de fato?
BRANDÃO ? A indústria automotiva indiana é bastante diferente da nossa. Apesar da presença das grandes montadoras americanas, japonesas e européias no país, existe uma indústria local muito forte. Um grande exemplo é o grupo Tata, que acaba de lançar o menor carro do mundo. Um veículo genuinamente indiano que vai custar cerca de US$ 2 mil. A capacidade que eles têm de fornecer tecnologia é enorme e bastante importante para nós.

DINHEIRO ? O sr. acredita que os carros indianos, como este da Tata, têm condições de ser vendidos ao Brasil?
BRANDÃO ? Eventualmente, sim. Não digo que isso vá acontecer no curto prazo, mas este é o tipo de produto que pode ser um grande sucesso no Brasil. E os indianos estão confiantes que isso vai acontecer. Agora é importante lembrar que as condições brasileiras e indianas são muito semelhantes e isso pode facilitar o lançamento de produtos conjuntos, com tecnologia compartilhada e veículos comuns.

DINHEIRO ? Mas e o Brasil na Índia?
BRANDÃO ? Hoje existem grandes investimentos de empresas brasileiras por lá. Além da Vale, tem a Gerdau, que no ano passado tornou-se sócia de uma usina indiana, com investimento de US$ 71 milhões. Tem a MWM International, que vai produzir motores e a Marcopolo que está prestes a inaugurar sua maior fábrica do mundo no sul da Índia, uma unidade para produzir 25 mil veículos por ano. Isso demonstra o potencial do mercado indiano. Afinal, são 1,2 bilhão de pessoas.

DINHEIRO ? Fala-se que a classe média indiana consome US$ 200 bilhões e aumenta em 40 mil pessoas por ano. O Brasil aproveita pouco esse mercado?
BRANDÃO ? Extremamente pouco. É preciso tornar o potencial indiano mais conhecido e fazer com que os empresários se voltem mais para lá. Este é um dos desafios que vou enfrentar como embaixador. É claro que as indústrias de ponta estão mais presentes. A Embraer montou um escritório no país para explorar este potencial de consumo da nova classe média indiana, que é composta por mais de 350 milhões de pessoas. O consumo de celulares, de bens de consumo vai explodir e abrirá muito espaço para o Brasil. E há também grandes oportunidades em bens de capital. O Brasil é um grande produtor de máquinas e equipamentos e, como o PIB indiano cresce a taxas de 9%, a Índia precisa de bons fornecedores. Eis mais um espaço para as nossas empresas. Eu diria que a Índia é hoje o que a China foi há 15 anos. O futuro é promissor.

DINHEIRO ? A Índia é a economia com o maior potencial de crescimento no mundo?
BRANDÃO ? Com certeza. E digo isso levando em conta o tamanho de sua população, a sua longa estabilidade democrática, a capacidade empregada em pesquisa e desenvolvimento, a língua ? lembre-se que o inglês é usado na comunicação entre os indianos, e, além disso tudo, há também a estabilidade jurídica. A Índia já tem uma malha jurídica que é muito segura e isso é fundamental para o investidor.

DINHEIRO ? Mas o protecionismo do governo indiano não atrapalha uma relação comercial mais estruturada e investimentos mais robustos? BRANDÃO ? Há, de fato, problemas nas estruturas burocráticas, mas as leis indianas têm sido modernizadas com uma velocidade considerável. A liberalização econômica está invadindo o país e o protecionismo vem perdendo espaço. Um exemplo: as leis locais só permitiam a existência de pequenos comércios, supermercados eram proibidos. Isso mudou. O governo está empenhado em realizar uma reforma econômica realmente profunda.

DINHEIRO ? Mas, e no campo? Os subsídios agrícolas não atrapalham? BRANDÃO ? As realidades agrícolas são muito diferentes na Índia e no Brasil. A Índia é uma região de pequenos produtores. Lá não existe agronegócio. Eles são voltados para o consumo interno. O nível de subsídio é diferente e estes subsídios estão sendo estudados em um nível de exploração mútua. Não acho que vamos enfrentar grandes problemas nessas áreas. Ao contrário, vejo oportunidades.

DINHEIRO ? Quais?
BRANDÃO ? Pesquisas genéticas conjuntas podem ser um caminho interessante para o desenvolvimento das relações dos países. O zebu é um animal indiano e eles têm muito a ajudar no desenvolvimento desta raça no Brasil.

DINHEIRO ? Os dois governos assinaram um acordo para o treinamento conjunto de técnicos agropecuários. Quais os avanços nesta área?
BRANDÃO ? Recentemente, a Universidade Federal de Minas Gerais criou, em cooperação com o Itamaraty, uma unidade de estudos indianos, com o objetivo de selecionar uma universidade de lá que possa ser parceira na área de tecnologia de informação. Mas o interesse de sociedade não se restringe à informática. O setor agropecuário tem muitas possibilidades neste sentido. Esse tipo de convênio entre entidades brasileiras e indianas poderia ser desenvolvido com muito sucesso.

DINHEIRO ? A Índia tem um grande foco na produção de software, espaço que o Brasil também quer ocupar. O caminho é competir ou complementar? BRANDÃO ? Minha função é essa. Vamos identificar setores e caminhos para que, em vez de haver competição, haja cooperação. É esse o tom da nova embaixada do Brasil na Índia.

DINHEIRO ? Além de tecnologia de informação, quais outras oportunidades para o Brasil?
BRANDÃO ? A de produtos militares, por exemplo. A Índia é um grande mercado consumidor. Por que o Brasil não pode participar desse esforço? Por que não fazer projetos comuns para desenvolvimento de veículos militares?

DINHEIRO ? A falta de rota aérea direta não atrapalha a aproximação? BRANDÃO ? Minha mudança, por exemplo, sai daqui, passa por Cingapura e chega à Índia em 40 dias. Não é muito. As linhas existentes são condizentes com o fluxo de comércio que existem hoje. À medida que o fluxo aumente, isso vai ser resolvido. Inclusive há um estudo, ainda não divulgado, para a criação de uma linha de ligação direta São Paulo-Bombaim, capital econômica do país, sem escala. Ainda não há detalhes do projeto.

DINHEIRO ? A política externa do governo Lula tem como um dos principais alicerces o etanol. Há espaço para o álcool brasileiro na Índia? BRANDÃO ? Recentemente, o governo indiano ordenou a adição de 5% de etanol à gasolina, aumentando sensivelmente a importação do produto. Mas duas tecnologias chamam a atenção deles: o biodiesel e os motores flexíveis. Essas sim, são grandes oportunidades de entendimento das indústrias automotivas. O importante é lembrar que Índia, Brasil, Rússia, China e África do Sul vão crescer muito nos próximos anos. É um novo cenário mundial, do qual não podemos ficar de fora. São relações complexas, que exigem esforços, mas está dando certo.