Ao entrar no site da Voepass para comprar uma passagem entre Cascavel (PR) e Guarulhos (SP), o trecho que fazia o voo 2283 que caiu em Vinhedo (SP) na última sexta-feira, 9, o consumidor não vai encontrar essa opção. Isso porque esse trecho é vendido pela Latam Linhas Aéreas, pois ela possui um contrato comercial, chamado de codeshare, com a Voepass.

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Procuradas, Latam e Voepass não confirmaram quantos dos 58 passageiros do voo 2283 fizeram a compra das passagens pelo site da Latam. Também foi questionado se a venda do trecho Cascavel-Guarulhos (CAC-GRU) já era feita somente pelo site Latam antes do acidente.

Sobre a parceria, a Latam esclareceu que mantém acordos de codeshare com empresas aéreas de todo o mundo. E que a empresa operadora do voo é quem responde por toda a gestão técnica e operacional, incluindo o atendimento aos passageiros nos aeroportos, o próprio voo e as suas eventuais contingências. “Não se trata, portanto, de ‘transferência’ ou ‘terceirização’ de operações”, diz a companhia.

Na sexta-feira após o acidente, alguns familiares dos passageiros disseram à imprensa que nem eles, nem seus familiares vitimados no acidente, sabiam que o voo seria operado pela Voepass e não pela Latam. Três consumidores perderam o voo, pois estavam aguardando uma aeronave Latam e não embarcaram no ATR da Voepass.

Nas redes sociais, internautas criticam o modelo e a comunicação sobre a parceria, e pedem até que ela seja descontinuada.

Latam pode ser responsabilizada?

Roberta Andreoli, presidente da Comissão Especial de Direito Aeronáutico da OAB-SP, ressalta que o acordo de codeshare é um contrato comercial comum e que não tem relação com o passageiro.

Contudo, quando há a venda de assento, a empresa firma um contrato de transporte com o passageiro. Esse acordo ele será regrado tanto pelo código brasileiro de aeronáutica, nos termos de assistência que deve ser oferecida durante a prestação de serviço de transporte aéreo, que é regulada o Brasil pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), e também, no caso brasileiro, pelo Código de Defesa do Consumidor.

Com o acidente, a empresa que vendeu o bilhete, no caso a Latam, pode ser responsabilizada por conta dessa parceria. A decisão caberá ao entendimento da Justiça sobre o caso. “Após a investigação do acidente, se houver implicações na operação, pode o juiz entender que a empresa que vendeu o ticket será solidária, pois ela celebrou esse contrato”.

De acordo com a Latam, antes de selecionar no site e comprar a sua passagem, o cliente é informado sobre qual é a companhia responsável por aquele voo e o modelo de aeronave. “Estas informações são prestadas pela Latam em seu site já no momento da busca pela passagem, antes mesmo do cliente decidir pela compra.” Veja na simulação abaixo:

Como funciona o codeshare

Esse tipo de parceria codeshare é comum em todo o mundo e existe desde a década de 1970. Entre a Latam e a Voepass, o acordo foi firmado em 2014 e envolve 18 trechos.

“Esses voos regionais não são economicamente viáveis para as grandes companhias aéreas em todo o mundo. Todas as grandes fazem acordos com empresas regionais”, explica o especialista em economia e negócios do transporte aéreo, Adalberto Febeliano. Os voos regionais são mais custosos, pois têm menor demanda, encarecendo o custo por assento e por quilômetro quando se coloca o avião para operar.

O especialista explica que, o acordo entre duas ou mais companhias pode envolver apenas a venda das passagens. Em geral, explica ele, essas parcerias podem ocorrer em três formas.

1- A empresa maior disponibiliza os voos de empresa regional no seu sistema de reserva. Então uma parte desses assentos vai ser vendida dentro do sistema da maior.

2- No modelo codeshare, como da Latam-Voepass, em que a maior garante a compra/venda de uma quantidade X ou a totalidade de assentos nos voos acordados entre as partes. Isso reduz uma parte do risco econômico da empresa menor.

3- Outra forma, comum nos Estados Unidos, é a chamada “venda de capacidade”. O contrato CPA – Capacity Purchase Agreement, quando o principal negócio daquela empresa aérea é vender sua capacidade para outras. Ela nem possui um sistema de reserva, apenas vende sua capacidade operacional para outras.

Febeliano dá o exemplo da americana Skywest, que compra aviões (ela usa modelos da Embraer, inclusive), treina tripulação e fica pronta para voar. E ela vai transportar os passageiros da AmericanAirlines, por exemplo. Mas a Skywest não vendeu uma passagem sequer.

Vantagens do codeshare

Uma das vantagens, diz, é que a empresa menor não precisa ter o sistema de reservas e todos os custos envolvidos nesse tipo de serviço, como com tecnologia e segurança. No jargão da aviação, a empresa que vende a capacidade, oferece o “metal”.

Já para a empresa maior, outra vantagem é que, a cada cidade atendida, dobra-se a possibilidade de novo produto, ou seja, novo trecho.

“Comercialmente é bem interessante. A companhia consegue incluir mais cidades em sua malha, oferecer mais trechos, e dentro da mesma estrutura comercial, de vendas, sem precisar de mais aviões ou equipe.”

Ou seja, no acordo de codeshare, cada parte envolvida foca em um processo, um na comercialização e outro na operação.

“Para a empresa pequena, isso significa que vai ter receita mais constante, menos sujeita a variações, não precisa se preocupar com essa parte de comercialização. É uma estrutura popular [codeshare] e tem se ampliado. Há um ganho de eficiência”

Parceria em aviação regional

Febeliano afirma que as parcerias entre as companhias aéreas maiores e menores são positivas para os consumidores, já que ajudam a ampliar as cidades atendidas pela aviação. As grandes também usam as menores para testar rotas ou atender cidades com menos capacidade. “São acordos extremamente comuns no mundo inteiro.”

O especialista destaca que no Brasil, com mais 5.600 municípios, em 150 deles chega a aviação comercial. Nos Estados Unidos, onde a malha regional é mais ampla, são entre 500 e 600 cidades atendidas pelo transporte aéreo.

Veja a íntegra da nota da Latam:

A LATAM Airlines Brasil reitera novamente o seu profundo pesar e respeito aos familiares e amigos dos passageiros e tripulantes do voo 2283 da Voepass.

A companhia também esclarece que acordos comerciais de codeshare (código compartilhado) são frequentes na aviação brasileira e mundial. Atualmente, a LATAM mantém acordos de codeshare com empresas aéreas de todo o mundo, inclusive com a Voepass, a companhia aérea responsável pelo voo 2283.

Em um codeshare, uma empresa vende passagens aéreas de um voo, enquanto a outra empresa é a responsável por toda a operação do voo.

A empresa operadora do voo é quem responde por toda a gestão técnica e operacional, incluindo o atendimento aos passageiros nos aeroportos, o próprio voo e as suas eventuais contingências. Não se trata, portanto, de “transferência” ou “terceirização” de operações.

Antes de selecionar no site e comprar a sua passagem, o cliente é informado sobre qual é a companhia responsável por aquele voo e o modelo de aeronave. Estas informações são prestadas pela LATAM em seu site já no momento da busca pela passagem, antes mesmo do cliente decidir pela compra.