DINHEIRO ? O presidente da Resorts Brasil, Rubens Régis, disse que os navios de cruzeiros são resorts ambulantes à margem da legalidade. O que o senhor tem a dizer?
RENÊ HERMANN ?
Não estaríamos ilegais no País desde 1995 sem o governo notar. A navegação de cabotagem foi liberada em agosto daquele ano, portanto praticamos uma atividade legal. Pagamos todos os nossos impostos e talvez até mais que os resorts. Eles (os resorts) dizem que nós vimos aqui só no verão, no filé mignon. Ora, essa é a natureza do negócio. Não dá para fazer cruzeiro no norte da Europa no inverno de lá, quando não há condições de navegar em mares semicongelados. Por isso os navios vêm para cá. É assim que o setor trabalha.

DINHEIRO ? O governo brasileiro atua em duas frentes em relação ao turismo: geração de emprego e atração de dólares. Os cruzeiros atendem essas demandas?
HERMANN ?
A legislação diz que 25% da tripulação deve ser brasileira a partir do 91º dia de operação de cabotagem no País. Isso é respeitado. No caso da Costa Cruzeiros, temos ainda cerca de 90 tripulantes brasileiros que nos acompanham quando partimos para o Caribe e para a Europa. São brasileiros que trabalham como garçons, camareiras e atendentes de bar e ganham perto de US$ 2 mil por mês. Você não encontra esse salário em hotéis ou restaurantes em terra. Além disso, quando passageiros de um navio descem nas escalas eles gastam com táxis, restaurantes, lojas, ônibus fretados, guias, excursões. O governo fica preocupado em criar 100 ou 200 empregos a bordo, mas ele precisa ver que esse movimento gerado nas paradas ajuda a criar postos de trabalho do lado de fora. Mais uma coisa: a cada temporada, as quatro empresas de cruzeiros que operam no Brasil pagam, juntas, US$ 15 milhões de comissões para os agentes de viagem locais. Isso seria suficiente para empregar 1270 pessoas ganhando R$ 2 mil mensais cada.

DINHEIRO ? E a questão da atração de dólares?
HERMANN ?
Primeiro, essa tripulação de brasileiros é como os dekasseguis (descendentes de japoneses que vão trabalhar no Japão): ela manda dinheiro para cá. Segundo, teremos cerca de 200 mil passageiros brasileiros na próxima temporada de verão. Se não houvesse cruzeiros, quantos desses não viajariam para o exterior? Os dólares deles, portanto, ficam aqui. E terceiro, recebemos 15 mil estrangeiros no ano passado e receberemos 35 mil nos nove navios que estarão aqui este ano. Estimamos que cada um deles gaste, em média, US$ 60 em terra a cada parada. Os gastos de passageiros e tripulantes chegarão a US$ 96 milhões na próxima temporada, que são apenas três meses: janeiro, fevereiro e março.

DINHEIRO ? Esses tripulantes brasileiros são contratados de acordo com a legislação trabalhista brasileira?
HERMANN ?
Na verdade, existem leis internacionais para isso. Temos de 35 a 40 nacionalidades na tripulação de um navio. Como eu faço para seguir a legislação do país de cada um? É impossível. Por isso, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) determinou que o trabalhador marítimo pode trabalhar oito horas mais três. Para os brasileiros que trabalham conosco, mesmo que apenas nos três meses da temporada, garantimos todos os benefícios da lei local: fundo de garantia, férias, etc.

DINHEIRO ? Os empresários de resorts dizem também que os navios abrem seus cassinos assim que deixam os portos, o que seria ilegal, pois o jogo é proibido no Brasil.
HERMANN ?
Desconhecimento deles. Os cassinos são abertos somente a 12 milhas da costa, quando, portanto, já se encontram em águas internacionais. E tem mais: ninguém viaja de navio para jogar. Podemos viver muito bem sem jogo a bordo. O cassino é só mais uma opção de entretenimento, não gera uma receita interessante para nós. Os resorts nos acusam também de vendermos produtos duty free (livre de impostos) a bordo. Não é nada duty free. Fazemos a importação e recolhemos impostos sobre tudo, como qualquer empresa. Os produtos são mais caros do que nos Free Shops dos aeroportos. O problema é que chamar as lojas do navio de duty free virou algo institucionalizado, embora nós, da Costa Cruzeiros, não utilizemos essa expressão jamais.

DINHEIRO ? Um resort famoso da região Nordeste estaria criando um museu do lixo com dois propósitos: recolher os dejetos lançados ao mar pelos navios de cruzeiro e mostrar que esse descarte seria uma artimanha dos navios para driblar a fiscalização e pagar menos impostos. Isso acontece?
HERMANN ?
É a primeira vez que ouço esse tipo de bobagem. Isso é coisa suja. A Costa Cruzeiros faz parte de um grupo, a Carnival Corporation, que é dono de mais seis empresas e cerca de 70 navios. Uma companhia desse porte não pode ser pirata, agir dessa maneira. Nossos navios operam aqui da mesmíssima maneira que operam nos Estados Unidos e na Europa. A Costa é a primeira empresa do mundo premiada pelo RINA (Registro Italiano Navale) com a Green Star. Isso significa que todos os nossos navios operam de modo responsável em relação ao meio-ambiente e ajudam a proteger o mar por onde passam. Também temos o ISO 14001, certificado com a mesma finalidade. E acabamos de firmar um acordo para apoiar o WWF (ONG ambientalista) na proteção das três mais preciosas eco-regiões do mundo: Mar Mediterrâneo, Antilhas e Nordeste do Brasil. Vamos recolher doações e distribuir 40 mil kits educativos a bordo. Isso vai me custar dinheiro em benefício do País.

DINHEIRO ? E em relação à suposta sonegação de impostos?
HERMANN ?
O que eles querem dizer com isso? Que jogamos latinhas de cerveja no mar porque assim a Receita Federal não teria como calcular o imposto a ser pago? Outra bobagem. Pelo menos nos navios não é assim que a coisa funciona. Quando um navio entra em Recife (PE), vindo da Europa, somos obrigados a preparar uma relação de todos os itens para consumo a bordo. São cerca de 5 mil. A Receita recebe essa lista detalhada, produto por produto, quantidade por quantidade. A cada parada é feita uma nova relação dessas, que é entregue à Receita, cujos fiscais checam tudo. Aí pagamos os impostos sobre o que foi vendido dentro no navio. Na temporada 2004/2005 recolhemos US$ 2,5 milhões em impostos de consumo de bordo. Na próxima, serão US$ 4 milhões.

DINHEIRO ? O governo vive reclamando que não há agentes suficientes nem para fiscalizar a fronteira com o Paraguai. Como é possível fazer uma fiscalização em cada escala dos navios?
HERMANN ?
Para os navios tem gente. E é uma fiscalização rigorosa. Eles contam tudo: uísque, perfumes, cigarros. Só nas miudezas, como bijuterias, a checagem é feita por amostragem. E não é só a Receita. A cada final de cruzeiro, ou seja, a cada três ou sete dias, recebemos fiscais da Policia Federal, da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e agora teremos do Ministério do Trabalho, para ver se estamos cumprindo a questão dos 25% de funcionários locais. Qual o resort que tem uma fiscalização tão presente a cada fechamento de caixa?

DINHEIRO ? Há 15 anos, as empresas de cruzeiros enfrentaram esse mesmo tipo de resistência dos resorts do Caribe, não? Como o impasse foi solucionado lá?
HERMANN ?
Sim, isso aconteceu mesmo. Os hotéis e resorts da região começaram a colocar tantas dificuldades para a chegada dos navios que eles fugiram para outros destinos. Depois de dois anos, os empresários locais notaram a falta que os navios faziam e relaxaram. Hoje, é fácil ver no Caribe uma ilhota com cinco navios em volta, despejando 15 mil passageiros em um único dia. Cerca de 10% desses passageiros acaba voltando para ficar uma semana numa nova oportunidade.

DINHEIRO ? O senhor está dizendo que os cruzeiros podem fazer bem para os resorts?
HERMANN ?
Mas é claro. Temos até exemplos locais disso. Búzios, no Rio de Janeiro, era ignorada pelos paulistas. Foi só os navios de cruzeiro começarem a passar por lá que, hoje, 27% dos leitos da cidade são ocupados por gente de São Paulo. Em Ilhéus, na Bahia, fazemos uma parceria com o Cana Brava Resort: os passageiros compram uma excursão que dá direito a almoço, piscina, bar e chuveiros. Além dos gastos feitos no próprio resort, com bebidas por exemplo, nós ainda repassamos a eles um valor da venda da excursão.

DINHEIRO ? Então, em vez de ficar se digladiando, não seria melhor uma integração entre cruzeiros e resorts?
HERMANN ?
Sem dúvida. O perfil do passageiro de navio é o mesmo do turista de resort, de Paris, de Disney, de Nova York. É um perfil de gente com muitos destinos na cabeça. É uma questão de cada um trabalhar direito o mercado para fisgar esse turista. Destino de viagem é moda, e neste momento os cruzeiros é que estão na moda. Cabe a cada um permanecer na moda para atender os desejos dos turistas. Fora da temporada, eu não fico de braços cruzados. Já fico imaginando coisas para ir trabalhando a minha próxima temporada. Os eventos fechados, como os shows do (cantor) Roberto Carlos, nasceram desse trabalho.

DINHEIRO ? Como vai acabar essa guerra?
HERMANN ?
Acredito que a palavra adequada não seja guerra. É desconhecimento da parte deles. Estimamos que o Brasil tem potencial para 10 milhões de passageiros de cruzeiros por temporada. Hoje, temos apenas 200 mil, porque o brasileiro ainda está engatinhando em cruzeiros. A hora que os empresários de resorts perceberem que podemos ajudá-los a promover o seu produto acho que vamos sentar, tomar um uísque e dar bastante risada disso tudo.