17/05/2000 - 7:00
DINHEIRO ? Nestes dias no Rio o sr. não teve a impressão de que o clima de negociação comercial entre o seu país e o Mercosul está se deteriorando? O ministro da Agricultura brasileiro, por exemplo, disse que o Brasil só comprará trigo dos EUA se os EUA comprarem mais carne do Brasil…
KENNETH MACKAY ? Veja, as vendas agrícolas do Brasil para os Estados Unidos são de US$ 2 bilhões ao ano, enquanto as vendas americanas para o Brasil são de US$ 200 milhões. Acho que não estamos sendo tão maus assim. Quanto ao clima de negociação, só posso dizer que estamos avançando rapidamente na agenda de reuniões da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Não temos tido qualquer problema.
DINHEIRO ? Não parece estranho aos americanos que os países do Mercosul estejam resistindo a ingressar na Alca enquanto a maioria dos países do hemisfério está louca pela área de livre comércio?
MACKAY ? Não ouvi nada que me leve a acreditar que os governos do Brasil e da Argentina estejam resistindo à Alca. Acredito que eles estejam dizendo que querem tratamento igual e tratamento sério. Nós esperávamos por isso. Esperávamos por uma negociação dura. Do nosso ponto de vista está tudo bem.
DINHEIRO ? Os Estados Unidos estão preparados para fazer alguma concessão às demandas do governo brasileiro por maior acesso ao mercado americano e pelo fim das barreiras não-tarifárias aos produtos do Brasil?
MACKAY ? Eu não vim aqui para fazer concessões. Vim para dizer que estamos profundamente comprometidos com a criação da Alca e que achamos que essa é a melhor maneira de aumentar e melhorar o comércio em todo o hemisfério. O governo americano é limitado nessas questões de comércio pelas leis do país. E posso lhe dizer que há muita gente nos Estados Unidos que pensa que nós deveríamos ser mais agressivos ao negociar. Nós todos devemos estar preparados para ver a comunidade de negócios, que é muito competitiva, reclamar dos acordos comerciais em termos muito emocionais.
DINHEIRO ? O sr. disse que o déficit comercial do Brasil com os EUA será revertido nos próximos meses. Em que se baseia essa previsão?
MACKAY ? Tenho dito que a tendência em nossas relações comerciais, que colocava os EUA em superávit e o Brasil em déficit, está sendo alterada por causa da desvalorização do real. Este ano, em 2000, os EUA vai voltar a ter déficit com o Brasil e com o restante da América Latina. É uma projeção do Departamento de Comércio. Nós consideramos isso perfeitamente normal. Em relações comerciais normais sempre haverá superávit em algum dos lados.
DINHEIRO ? A América Latina é a única região do mundo com a qual os EUA mantinham superávit comercial. Como o sr. recebe essa mudança?
MACKAY ? De fato, a AL é a única área com que temos um superávit. Mas acho que isso estava mais relacionado à desvalorização cambial do que ao próprio comércio. Agora o nosso relacionamento comercial com a América Latina vai ficar mais parecido com o que temos com o resto do mundo. Acho importante que as pessoas pensem no fato de que os Estados Unidos têm um déficit comercial de US$ 300 bilhões por ano e ainda são acusados de não terem um mercado aberto. Ninguém tem um mercado mais aberto do que o nosso. Nosso déficit comercial não deixa dúvida sobre isso.
DINHEIRO ? Mas os homens de negócio brasileiros reclamam de que em cada setor em que a nossa indústria ou agricultura é particularmente competitiva seu país coloca algum tipo de restrição comercial ? como no aço, laranja, sapatos…
MACKAY ? Existem áreas de stress. No caso da agricultura, elas existem há muito tempo e as negociações são muito difíceis. Mas se você viesse aos EUA descobriria que os nossos homens de negócio também se queixam de que não estão sendo tratados com justiça no Brasil. Meu ponto é o seguinte: como governos que estão comprometidos com a idéia do livre comércio, nós temos que prover um conjunto de regras que permita tratar os competidores no mundo dos negócios de forma justa. E eles não querem necessariamente ser tratados com justiça. Eles querem vencer. É por isso que sempre haverá insatisfação. No caso do Nafta, que une meu país, o Canadá e o México, tem havido muito desacordo entre empresas e eles estão sendo tratados de acordo com os mecanismos de solução de conflitos. Mesmo assim os perdedores sempre dizem que estão sendo injustiçados. Ninguém admite estar errado.
DINHEIRO ? O governo brasileiro tem dito com muita insistência que não vai negociar a Alca se não receber, antes, alguma espécie de concessão que demonstre a disposição dos americanos em dar mais acesso aos produtos brasileiros. Como o sr. vê isso?
MACKAY ? Nós queremos entrar em uma negociação ampla pela Alca. Queremos ver todos os problemas discutidos de forma abrangente e acreditamos que tudo pode estar concluído até 2005. Uma boa razão para que todos prossigam com as negociações da Alca é que nós firmamos um acordo dizendo que faríamos isso. Nós tencionamos honrar esse acordo e assumimos que o governo do Brasil fará o mesmo. Nós sabemos que isso será bom para nós, e sabemos que será vantajoso para os meus filhos e os filhos dos brasileiros e argentinos. Acreditamos que esse hemisfério forma uma enorme comunidade cujas partes já estão se integrando. Mesmo que nós não consigamos nos pôr de acordo, a integração já está ocorrendo.
DINHEIRO ? Funcionários do governo brasileiro como o ministro Pedro Malan acusam países desenvolvidos como o seu de pregarem o livre comércio nas reuniões internacionais mas praticarem um feroz protecionismo no resto do tempo.
MACKAY ? Talvez eu não tenha me explicado com a clareza necessária. Nós assinamos um tratado na Organização Mundial do Comércio que estabelece as leis do comércio internacional. Quando alguém nos acusa de desobedecer essas regras, existe uma corte de justiça internacional que pode decidir isso. Quando os países se sentem prejudicados eles nos acionam na OMC. Nós achamos que é assim que se resolvem as coisas. Eu assumo que qualquer país que se sinta injustiçado deve fazer isso.
DINHEIRO ? Muitos empresários brasileiros temem ir contra os EUA na OMC porque isso poderia provocar retaliações ainda piores do seu país…
MACKAY ? Ninguém mais parece se sentir assim, e eu não acho que deveriam. A obrigação de nosso governo para com as empresas americanas é a de garantir que elas tenham um tratamento justo, não que ganhem todas as disputas.
DINHEIRO ? O sr. disse que o presidente Bill Clinton e o sr. mesmo esperam que os temas de Trabalho e Meio Ambiente sejam incluídos nas negociações da Alca. Mas o sr. sabe que os países do Mercosul consideram esses temas apenas uma desculpa para criar restrições protecionistas ao comércio.
MACKAY ? Considero essa uma questão muito importante. O presidente Clinton de fato quer que haja um grupo de trabalho na Alca que estude padrões de trabalho e meio ambiente. Isso porque o Mercosul já tem isso. No subgrupo 10 das negociações do Bloco. Nós propomos apenas que se tenha o mesmo subgrupo 10 nas negociações da Alca e da OMC. Se já existe no Mercosul, não vejo por que não possa existir um grupo semelhante na Alca.
DINHEIRO ? Os governos do Mercosul dizem que esse grupo de discussão não pretende discutir padrões de trabalho ligados ao comércio, mas sim estabelecer regras para a movimentação dos trabalhadores no interior do Bloco. O senhor tem intenção de regular a entrada de trabalhadores brasileiros nos Estados Unidos?
MACKAY ? Nós não estamos tentando regular nada. Dizemos apenas que todos nós participamos da Organização Mundial do Trabalho, todos concordamos com seus padrões e assinamos seus documentos, mas ninguém cuida da aplicação das regras. Talvez devêssemos tomar a sério algumas das coisas que nós mesmos já decidimos implementar.
DINHEIRO ? É possível se chegar a um acordo de comércio com os Estados Unidos sem que os temas de Trabalho e Meio Ambiente sejam discutidos?
MACKAY ? Não sei a resposta para isso.
DINHEIRO ? O sr. sabe quando a administração americana terá uma autorização do Congresso ? o fast track ? para negociar o acordo comercial da Alca?
MACKAY ? É sabido que os dois principais candidatos à eleição no meu país ? Al Gore, do partido Democrata, e George Bush, o filho, do partido Republicano ? apóiam o livre comércio e a criação da Alca. A expectativa é de que logo depois da eleição um deles obtenha o fast track do Congresso.