17/04/2014 - 12:12
Nas numeradas descobertas do Pacaembu, no meio da torcida do Santos, o ex-jogador pentacampeão mundial com a seleção e atual dirigente do Ituano, Juninho Paulista, assistia à final do Campeonato Paulista entre o time que dirige e o Santos. Depois de vencer a primeira partida da decisão por 1 a 0, o clube de Itu, cidade do interior de São Paulo, foi derrotado pelo mesmo placar no jogo de volta. O título, então, foi disputado nos pênaltis. Depois de oito cobranças, o goleiro Vagner defendeu a penalidade chutada pelo zagueiro santista Neto, encerrando a disputa em 7 a 6 e levando a taça do Paulistão pela segunda vez à cidade de Itu. “O Vagner até demorou para pegar o pênalti”, diz Juninho à DINHEIRO. “Sentia que ele ia defender antes.”
A confiança de Juninho não foi por acaso. Depois de lutar vários anos para não cair para a segunda divisão do Campeonato Paulista, gestor do clube viu seus investimentos em infraestrutura e nas categorias de base finalmente darem resultado. Em entrevista à DINHEIRO, concedida em sua sala na sede do Ituano, Juninho Paulista falou sobre como a boa gestão levou o pequeno time ao título mais importante de sua história. “Quero colocar em prática o que aprendi no futebol inglês”, afirma.
DINHEIRO – Em 2009, você passou a integrar a gestão do Ituano. Qual é o seu papel nela?
JUNINHO – Eu sou um administrador, um gestor. O clube continua tendo a sua diretoria, que tem o Ricardo Jordão como presidente. Eu arrendei o clube, fiz uma parceria com o Ituano para administrar o futebol até 2014, com opção de renovação por mais cinco anos, que já acertamos.
DINHEIRO – Essa sua decisão de trabalhar no Ituano foi devido à sua ligação com o clube? Afinal, foi o seu primeiro time quando iniciou a jogar.
JUNINHO – Foi coincidência. No ano de 2008 eu estava querendo parar de jogar, mas continuar no futebol. Não queria ser técnico, comentarista nem dirigente de clube grande. A minha vontade era ter um clube para eu administrar e fazer aquilo que achava certo no que vi durante meus 20 anos de carreira. Também demorei um pouco para assumir, pois queria descansar um pouco e ficar com a minha família.
DINHEIRO – Por que foi coincidência?
JUNINHO – Nesse meio-tempo de descanso, o Ituano tinha uma parceria como uma empresa, que foi desfeita. Nisso, o presidente dessa época (Fernando Francisco Vieira, o major Vieira), me ofereceu a possibilidade de parceria e que eu fosse o responsável pelo departamento de futebol. Analisei e aceitei o desafio.
DINHEIRO – E como funciona essa parceria?
JUNINHO – A minha empresa fica com 90% de toda a renda líquida e o Ituano com o restante. Eu fiquei com todos os direitos sobre o clube, como a própria marca Ituano. Em troca, invisto na estrutura do clube, divisões de base, entre outros. Eu, no entanto, não tenho nada a ver com o passado e nem com as dívidas anteriores, isso fica a cargo do clube. Do início da parceria para frente, a responsabilidade é toda a minha.
DINHEIRO – Como você encontrou o clube quando assumiu a gestão?
JUNINHO – Era como ter pegado o clube do zero, mas na primeira divisão do Paulista e na série D do Brasileiro. Peguei com três jogadores registrados e com a mesma estrutura de quando joguei no clube no meu início de carreira, há vinte anos. Outras parcerias acabaram levando o time para treinar em cidades diferentes, como Porto Feliz, então tudo aqui ficou desativado. Ninguém se preocupou com a estrutura do clube depois de tantos anos. Por isso, mudar essa realidade era a minha preocupação. A minha prioridade era ter as melhores condições de trabalho para, depois, ter uma equipe competitiva. Você tem que ter uma base para, consequentemente, ter um time sólido. Era a carroça na frente dos bois.
DINHEIRO – E o que mudou desde então?
JUNINHO – Hoje, nós temos alojamentos, uma cozinha industrial com mais de duzentas refeições por dia, reativamos todas as categorias de base, sala de fisioterapia e de musculação. Não tínhamos nem estrutura básica de material para jogo e treino, como roupas e bolas. Precisávamos de coisas básicas. Também tínhamos a intenção de já ter montado um centro de treinamento nesses cinco primeiro anos, mas não foi fácil. Tínhamos de manter os gastos com a infraestrutura básica do clube e ainda, se sobrasse, colocar dinheiro nesse CT.
DINHEIRO – Quanto foi investido nessa reestruturação do clube?
JUNINHO – Cerca de R$ 3 milhões.
DINHEIRO – Agora, o CT é um sonho distante?
JUNINHO – Não. Finalmente teremos um centro de treinamento, mas também graças a prefeitura de Itu. O órgão percebeu a importância e investiu em um centro de treinamento na cidade, que receberá a seleção da Rússia durante a preparação para a Copa do Mundo. Por meio de incentivos do Governo, foram colocados R$ 6,8 milhões na construção de um prédio com toda a estrutura necessária, além de um campo para treinamento e na reestruturação do estádio Novelli Júnior, que ficou um dos mais modernos do interior.
DINHEIRO – O que será feito após a Copa nesses centros de treinamentos?
JUNINHO – Já estamos conseguindo outros incentivos e complementaremos esse CT com mais três prédios e outros dois campos. Teremos sala de fisioterapia, piscina aquecida, entre outras estruturas.
DINHEIRO – E o que mudou em cinco anos para um time pequeno vencer os grandes no Campeonato Paulista?
JUNINHO – Além da estrutura, buscar jogadores que se encaixavam na nossa filosofia. Tive de criar esse conhecimento de jogadores para procurar as melhores peças que se encaixavam no orçamento e nas metas do Ituano. Nos últimos anos, fomos adquirindo experiência, apanhando, brigando contra o rebaixamento. Mesmo com todos os problemas, mantivemos o time na primeira divisão do Paulista e a cota que a Federação Paulista de Futebol (FPF) dá aos clubes. Vários jogadores e treinadores passaram, mas sempre tivemos boas categorias de base para que eles pudessem compor o elenco, evitando que nós precisássemos contratar tantos jogadores.
DINHEIRO – Nesse título, quantos eram da base do Ituano?
JUNINHO – Seis jogadores. Nenhum era titular, mas costumavam entrar bem durante os jogos.
DINHEIRO – Como foi a sua busca por patrocínios?
JUNINHO – Fomos atrás, além de patrocínios, de parceiros que acreditassem no clube. Logo no início, fizemos contratos com a Brasil Kirin e com a Kanxa, de material esportivos. Também, mais atualmente, foi a construtora Açovia e da Mongeral Aegon, de seguros e previdência. Na final, tivemos apoios pontuais da Gocil, empresa de segurança, e da De Nigris, revendedora da Mercedes-Benz. Nessa reestruturação, no entanto, também fizemos parceria com duas empresas: a Apolospuma, que forneceu colchões para os nossos alojamentos, e a Lual, com os alimentos do refeitório.
DINHEIRO – Com todas essas empresas, quanto o Ituano arrecada por ano?
JUNINHO – Cerca de R$ 700 mil. Mas acho que agora aumenta por causa da exposição do Ituano com o título.
DINHEIRO – Dos 26 jogadores, muitos saírão para os clubes grandes por causa dessa mesma exposição. Como será o planejamento para o restante do ano?
JUNINHO – Até agora só vieram sondagens, nada de concreto. Porém, sabemos do assédio e que isso é inevitável. Queremos manter, pelo menos, 60% do elenco. O restante será completado com jogadores da nossa base que estão emprestados para outros clubes e também, claro, contratando outros jogadores.
DINHEIRO – Já tem alguma expectativa de quanto o Ituano vai ganhar com a venda dos jogadores?
JUNINHO – São muitos contratos de empréstimo, então não tem como pensar num valor agora e estamos recusando boa parte. Os clubes sabem que nós precisamos lucrar, pois não somos autossuficientes. O clube ainda não se paga.
DINHEIRO – Quando essa autossuficiência vai chegar?
JUNINHO – Estamos brigando para que esse ano já aconteça, mas prejuízo é rotina da grande maioria dos clubes brasileiros. Este ano, com a série D e a valorização do elenco e da comissão técnica, vou gastar ainda mais, mas estamos confiantes com as arrecadações.
DINHEIRO – Você, sinceramente, esperava esse título?
JUNINHO – Sempre começamos com metas, mas nunca querendo escapar do rebaixamento. Nos anos anteriores fizemos planejamentos parecidos, mas tivemos surpresas negativas com o Ituano nas últimas posições. Nesta ano, tivemos jogadores mais qualificados e uma comissão técnica com mais tempo de trabalho. Depois da estreia no campeonato em que viramos contra a Ponte-Preta, em Campinas (a partida terminou 3 a 1 para o Ituano) percebi que iríamos longe. Na fase final, quando tiramos o Botafogo de Ribeirão Preto, também nos pênaltis, os jogadores e eu percebemos que o título era muito possível.
DINHEIRO – Qual é o plano do Ituano em longo prazo? Voltar para a segunda divisão do brasileiro?
JUNINHO – Sim. É o nível do Ituano. É a primeira divisão do Paulista e a segunda do Brasileiro. Aqui trabalhamos com os pés no chão e objetivos palpáveis. Precisamos ter um planejamento anual, com disputas o ano inteiro para conseguirmos fechar contratos mais longos, tanto de jogadores quanto de patrocínios. Para isso, está no planejamento disputar a série D desse ano e já subir à C.
DINHEIRO – A torcida é uma parte importante também na arrecadação. O título vai ajudar na aproximação deles? Afinal, o clube teve uma média de pouco mais de mil torcedores por jogo.
JUNINHO – Percebi um distanciamento maior do torcedor em comparação a época que joguei pela primeira vez aqui. Tentei fazer ações como um carnê que vendia todos os ingressos do time no Paulista por R$ 20 cada, e ainda ganhava uma camisa oficial do clube. Vendi menos do que no ano passado. Enfim, quando assumi, pensei que conseguiria o apoio deles mais rápido, mas acho que vou recuperar o tempo perdido com o título.
DINHEIRO – O que te diferencia dos outros cartolas?
JUNINHO – Não sou cartola, sou um administrador. Acredito que os dirigentes têm pouco tempo para trabalhar e tanto torcedores quanto a própria imprensa fazem muita pressão por resultados imediatos. Eles precisam dar resultados imediatos e não é assim que funciona. Com essa responsabilidade, não se pensa num crescimento sustentável na estrutura do clube. Também quero colocar em prática o que aprendi no futebol inglês: cada um cuida da parte que tem especialidade. Eu mexo com futebol, mas não dou palpite em escalação, que é com o técnico, e nem na comunicação, que é com a nossa assessoria, por exemplo. É algo simples.