Disclaimer: escrevo este artigo antes da divulgação do CPI (Índice de Preços ao Consumidor, dos EUA), na quinta-feira (11). Desde o começo do ano tenho escutado analistas, especialmente os especializados no mercado de ações, duvidando fortemente do que o mercado de renda fixa americano estima em relação à curva de juros. Os players do mercado de Treasuries têm indicado, já há algumas semanas, uma probabilidade não trivial de que o Federal Reserve inicie cortes de juros a partir da sua reunião do dia 20 de março.

Apesar de a maioria dos analistas concordarem que o próximo movimento do Banco Central americano será uma redução na taxa dos Fed Funds, o senso comum, entretanto, prevê que isso aconteça somente a partir de junho.

Com a economia ainda em expansão e desemprego nas mínimas históricas, é bastante lógico dizer que não há motivo para uma redução na taxa de referência no curto prazo. Por que os banqueiros centrais se arriscariam a começar um ciclo de cortes sendo que a inflação ainda não convergiu para a meta de 2%? A regra da prudência os levaria a manter uma posição conservadora diante de uma guerra contra a inflação que ainda não teve vitória declarada. Além disso, eles têm sido unânimes em afirmar que não desistirão da briga de maneira precoce, arriscando repetir a péssima experiência dos anos 1970.

Ao apressar cortes em março, no entanto, os participantes do mercado de renda fixa estão declarando, em alto e bom som, que existe a probabilidade — e ela não é pequena — de que a guerra contra a inflação tenha sido vencida. Apostam que os próximos indicadores mostrarão uma inflação fraca, baixa e em franca desaceleração.

Boa parte dos componentes dos índices indica isso. Alguns, entretanto, ainda seguem em patamares relativamente elevados. Entre eles, destacam-se os serviços relacionados à moradia e, em especial, uma linha intitulada ‘owners equivalent rent of primary residence’, ou, em tradução livre, a taxa de aluguel equivalente da residência principal.

Essa linha não é observada nos preços. Seu resultado é calculado a partir de uma pergunta feita a uma amostra da população que possui residência própria, ou seja, que não mora de aluguel. Os pesquisadores perguntam: “Se alguém fosse alugar a sua residência hoje, por quanto você acha que ela seria alugada?” Tentam, assim, estimar o preço que uma pessoa que não mora de aluguel pagaria caso alugasse, em vez de ser o proprietário. Soa confuso? Sem dúvida.

Essa estimativa, que é parte relevante do cálculo da inflação ao consumidor, tem se mostrado menos reativa à desaceleração nos preços observada em outras linhas, inclusive à linha de preços de aluguéis diretamente observada no mercado. Considerando que é um dado que depende de uma estimativa produzida pela pessoa pesquisada, é altamente influenciado por expectativas.

Nesta semana o FED de Nova York divulgou um dado de expectativa de inflação do consumidor bastante abaixo do esperado. Será possível que o cidadão comum já esteja mais habituado aos níveis de preço atuais e passe, daqui para frente, a estimar cada vez menores aumentos de preços, inclusive do aluguel que teria de pagar caso alugasse sua casa?

Parece um pulo muito grande sair de uma observação de uma pesquisa em Nova York para uma conclusão tão abrangente e, apesar de economista, estou muito longe de ser um especialista em inflação. O mercado de juros americano, entretanto, é. E ele está dizendo que existe uma chance não trivial de que isso aconteça.

Algo que aprendi em mais de 30 anos de mercado: nunca subestime o que diz o mercado de juros americano, mesmo que, a princípio, ele não pareça tão lógico — muito pelo contrário, aliás: ele é extremamente sábio.

Norberto Zaiet é economista, ex-CEO do Banco Pine e fundador da Picea Value Investors, em Nova York
E-mail: zaiet@piceavalue.com