29/05/2002 - 7:00
DINHEIRO ? As elevadas taxas de juros no País ajudaram o setor financeiro a realizar lucros fabulosos. O setor de cartões de crédito também se beneficia com elas?
RICARDO GRIBEL ? Nós não nos beneficiamos diretamente da taxa de juros. Nosso rendimento provém de uma comissão, que pode ser um valor fixo ou porcentual de cada operação. Ganhamos sempre a mesma coisa, independentemente de a operação incluir um crédito ou não. Aqui, se você usa o cartão de crédito e não atrasa o pagamento, não paga juros. O que existe no Brasil não é cartão de crédito, é um cartão de débito, com prazo de pagamento. É um tipo de pré-datado de plástico. Em outros países, funciona de uma maneira diferente. Nos Estados Unidos, a cada dia que você usa o cartão, paga juros. Os juros são diários.
DINHEIRO ? Mas o sr. concorda que os juros são altos?
GRIBEL ? A cultura de crédito no Brasil é muito atrelada ao problema inflacionário. Quem trabalha em banco viveu num momento de inflação exacerbada em que o crédito virou uma função secundária. Demanda tempo mudar essa cultura. Como a cultura de crédito está só começando no Brasil, é difícil avaliar se as taxas são altas. Com certeza, as taxas primárias, básicas da economia, são elevadas. São altas porque há necessidade de conter o consumo e atrair capitais para o País. Mas há uma tendência de queda.
DINHEIRO ? Nossos juros reais,
acima da taxa básica, também
são elevadas…
GRIBEL ? Eles são elevados, mas a história é a seguinte: você cobra juros altos porque a inadimplência também é alta. Mas, se baixar os juros, não há segurança que a inadimplência vai cair.
É um dilema extremamente complicado
que os banqueiros têm ao lidar com a questão do crédito.
DINHEIRO ? O que muda para as empresas de cartão de crédito com o novo Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB)?
GRIBEL ? A mudança influencia de duas maneiras. Do ponto-de-vista concreto, o custo para o usuário do cheque será mais alto. Alguns bancos já cobram R$ 0,20 a partir do sexto cheque do cliente. Com o novo SPB, esse custo deve subir, inclusive para os comerciantes. Também vai haver um impacto psicológico. Os novos meios eletrônicos de pagamento causam boa impressão nas pessoas. Psicologicamente, as pessoas devem mudar sua atitude em relação ao uso de cartões.
DINHEIRO ? O novo SPB conseguirá desestimular o uso do cheque e popularizar os cartões?
GRIBEL ? Sem dúvida. As pessoas acabam sendo induzidas para o uso do cartão, mais moderno e, além de tudo, mais barato do que o cheque. Essa vantagem de custo permite que até pessoas de baixa renda mantenham um vínculo bancário, por meio de cartões pré-pagos e cartões de débito. Somente a introdução do novo sistema de pagamentos deve gerar um aumento de 12% no mercado de cartões em 2002, além do crescimento normal, que já era previsto.
DINHEIRO ? Que impacto isso terá sobre os bancos?
GRIBEL ? O crescimento do cartão de débito e a introdução do novo SPB vão colocar na cabeça dos bancos a necessidade de ampliar o número de clientes. No Brasil, temos pouco mais de 30 milhões de pessoas com conta bancária, para uma população de 170 milhões. Na Argentina, 90% da população economicamente ativa tem conta bancária. Nos Estados Unidos, praticamente 100% da população é bancarizada.
DINHEIRO ? Como isso seria feito?
GRIBEL ? Com os novos instrumentos, há um espaço muito
grande para os bancos baixarem seus custos e, assim, conseguir tornar os clientes de renda baixa um negócio rentável. Os bancos dizem que um cheque custa hoje por volta de US$ 1,00, da impressão até a remessa e a compensação e o depósito. Como nós temos no Brasil cerca de 230 milhões de cheques de pessoas físicas compensados por mês, os gastos somam US$ 230 milhões. É uma maluquice. Com o sistema de pagamentos esse gasto pode cair muito. É uma fonte de economia para o banco que pode ajudar a aumentar a base de clientes.
DINHEIRO ? Nesse esforço de aumentar o número de clientes, os bancos estão procurando carteiros e comerciantes no interior para serem correspondentes bancários. Como a indústria de cartões pode se beneficiar desse movimento?
GRIBEL ? Temos tomado algumas atitudes em conjunto com os bancos. A rigor, a Visanet, empresa que administra os cartões da bandeira Visa, já funciona como um gigantesco correspondente bancário. Cada terminal eletrônico da empresa instalado num estabelecimento comercial pode realizar vários serviços bancários, como verificar saldos e transferir fundos. O sistema de cartões de crédito está todo interligado. Se cada comerciante fizesse o serviço bancário com os equipamentos de cartão de crédito, seja da bandeira Visa ou de outra qualquer, haveria uma brutal economia para os bancos. Nós já estamos lá, os investimentos já foram feitos, não precisa gastar mais dinheiro. Estamos conversando com os bancos sobre essa possibilidade. Temos 250 mil terminais que poderiam ser usados para serviços bancários.
DINHEIRO ? Nos últimos tempos, a indústria de cartões de crédito tem tido quedas-de-braço com postos de gasolina, comerciantes ou supermercados por causa das taxas de administração. As taxas são realmente altas?
GRIBEL ? O cartão de crédito cria uma vantagem para o comércio. No Brasil, ele é uma forma de adiar os pagamentos. É um benefício que o comerciante pode oferecer para atrair os clientes, já que as pessoas vêem vantagem em usar o cartão porque se pode comprar hoje e pagar em 20 dias. Esse serviço custa caro para a administradora de cartões, desde a infra-estrutura para troca de informações à transferência de fundos. Ainda assim, a taxa que cobramos no Brasil é menor do que a de determinados países. Poderíamos baixar mais se tivéssemos maior escala. Acontece que o uso de cartões ainda é incipiente no Brasil. A Visa no Brasil, por exemplo, responde por 4% de todos os pagamentos feitos no setor privado, incluindo empresas e pessoas físicas. No Canadá, o índice chega a 30%. Com maior escala, os custos se diluem e você pode cobrar uma tarifa mais baixa.
DINHEIRO ? Como ficou a negociação com os supermercados?
GRIBEL ? O resultado foi favorável. No início, as grandes redes avisavam que deixariam de aceitar os cartões de débito. Hoje, eles estão aceitando os cartões normalmente e há muito espaço para negociação. Do nosso ponto de vista, concluímos que precisamos segmentar mais o nosso negócio.
DINHEIRO ? As operadoras de cartões são muito dependentes dos grandes grupos varejistas?
GRIBEL ? Atualmente, nossa atividade está muita concentrada em poucos setores e em poucas cidades. A cidade de São Paulo, por exemplo, representa entre 13% e 14% do PIB brasileiro e responde por 26% do nosso negócio. É desproporcional. Precisamos interiorizar o uso do cartão e que seja usado também em segmentos não convencionais.
DINHEIRO ? Que segmentos são esses?
GRIBEL ? Hoje, já se percebe que se pode usar os cartões não só para atividades típicas de varejo, mas também entre corporações e em várias áreas dentro dos bancos. Grandes empresas de distribuição que vendem produtos de valor baixo para um número enorme de estabelecimentos começaram a perceber que podem se beneficiar dos custos baixos do uso de cartões. Isso é só o começo. Estamos crescendo em ritmo próprio, acima da própria economia.
DINHEIRO ? O cartão com chip, anunciado como a nova onda dos meios de pagamento eletrônico, não se popularizou como o esperado. O que ocorreu?
GRIBEL ? O uso do cartão com chip está, de fato, abaixo da expectativa que nós tínhamos. Já temos um milhão de cartões com chip. Esperávamos ter dez vezes mais. Boa parte desse atraso se deve a problemas técnicos, mas essas dificuldades já foram superadas. O que ocorre é que o Brasil foi um país pioneiro no uso da nova tecnologia e pagou o preço por isso.
DINHEIRO ? Como o chip pode ajudar no combate às fraudes nas compras com cartões?
GRIBEL ? Hoje, o Brasil é um dos países com maior incidência de fraudes no uso de cartões. Enquanto no Brasil o índice de fraudes está por volta de 0,20%, no mundo é menos da metade, por volta de 0,09%. Em alguns países o índice é baixíssimo, perto de zero. O chip permite eliminar praticamente 100% das fraudes porque não se consegue mais clonar os cartões. Atualmente, a maior parte das fraudes é de clonagem da tarja magnética. Com o chip, é praticamente impossível.
DINHEIRO ? Em que outras áreas o uso de cartões vai crescer?
GRIBEL ? Os negócios B2B (de empresa a empresa) são muito importantes e também os serviços públicos e de governo. Por que em vez de recebermos três folhas com contas telefônicas, não podemos pagar tarifas e impostos com cartão? As contas de telefone, do jeito que estão, são pouco racionais e representam um custo brutal. Quantos usuários de telefone existem no Brasil? Se tivermos 20 milhões, e a preparação e o envio de cada conta custar mais de US$ 1,00, então gasta-se mais de US$ 20 milhões por mês com o serviço. Por que não incluir as contas dentro da fatura dos cartões de crédito, com detalhamento de informações pela internet?
DINHEIRO ? O mesmo valeria para o pagamento de impostos?
GRIBEL ? O Everardo Maciel, da Receita, poderia aceitar cartão. O porcentual de pessoas que declaram o Imposto de Renda por internet é impressionante, ainda mais num país pobre como o nosso. Acredito que o imposto poderia ser descontado ou creditado no cartão. Seria um sistema semelhante ao dos tax refunds, de crédito de vantagens para os turistas, que existem em vários países. Sairia muito mais barato.
DINHEIRO ? Por que o governo não adota os cartões?
GRIBEL ? É uma questão de inércia. Na Visa, ainda não temos um departamento no Brasil de relacionamento com o governo. Estou querendo criar. Não é uma medida importante apenas do ponto de vista estratégico, para acompanhar as mudanças promovidas pelo governo no sistema de pagamentos do País. Mas também o próprio governo pode ser um grande cliente.