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“O presidente FHC perdeu popularidade, mas mostrou poder de reação”

 

 

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“O Abdo deve buscar o equilíbrio entre consumidores e empresas”

 

 

DINHEIRO ? O sr. está satisfeito com os resultados do racionamento?
PEDRO PARENTE ? O apagão do dia 21 deu a idéia exatamente do que a gente dizia quando iniciou o racionamento: apagão é o caos. Mas isso não aconteceu. E o mérito é da sociedade brasileira, que aderiu com toda força ao programa, algo inédito no mundo. O engajamento foi tanto que as pessoas me paravam na rua para dizer que haviam cumprido a meta, que diminuíram o consumo sem problemas. Aliás, jamais fui parado para reclamação.

DINHEIRO ? O risco de apagão daqui por diante então é zero?
PARENTE ? Zero nunca será porque depende da natureza. Mas, com certeza, estamos adotando medidas que aumentam muito a segurança do sistema. É o caso da curva de segurança, baseada no nível de reservatórios que é válida por dois anos. Estabelecemos hoje qual é o nível de segurança para que em 2004 o suprimento de energia seja garantido mesmo na pior situação hidrológica.

DINHEIRO ? E o racionamento este ano, vai continuar?
PARENTE ? Eu acho quase impossível haver racionamento este ano. Para isso, 2002 teria que ser um ano pior que o pior que já tivemos. Mas, pelo bom início do ano, e por termos desenhado uma série de mecanismos de garantia, acho que é quase impossível haver qualquer problema depois de março.

DINHEIRO ? Qual é o conselho que o sr. dá às empresas que suspenderam planos de expansão em 2001 por conta da crise?
PARENTE ? Podem acelerar os investimentos que energia não vai faltar. Energia não será restrição para nenhum investimento ou retomada da produção. Isso eu digo com muita confiança, amparado nos dados de que disponho. Só não acabamos com o racionamento agora porque precisamos confirmar a disponibilização da energia emergencial. Se já tivéssemos com os equipamentos instalados a decisão poderia já até ser outra, com a liberalização e o fim do racionamento.

DINHEIRO ? Os empresários, então, podem tirar o pé do freio?
PARENTE ? Com toda a certeza. Já começamos a liberar alguns setores do racionamento exatamente com esse objetivo.

DINHEIRO ? Quando o alarme do apagão soou, previu-se queda de 2% no ritmo do crescimento da economia…
PARENTE ? Houve um impacto inicial muito mais por problema de demanda do que de oferta. Foi mais porque os consumidores e as empresas se retraíram, do que pela impossibilidade de as empresas atenderem o consumo por falta de energia. À medida que se conquistou confiança no processo e nós aliviamos o racionamento, a redução do crescimento se deu mais por causa de outros fatores, como a crise da Argentina.

DINHEIRO ? Quem é o bandido e quem é o mocinho do apagão?
PARENTE ? Acho que não dá para fazer essa avaliação. Em todas categorias do racionamento ? de consumidores residenciais até industriais ? 78% a 80% cumpriram a meta.

DINHEIRO ? E o grande culpado?
PARENTE ? O governo reconheceu sua responsabilidade no processo desde o início. O presidente Fernando Henrique Cardoso pagou um preço alto em termos de popularidade. Mas demonstrou grande capacidade de reação e essa percepção logo mudou. A gestão da crise também contribuiu para passarmos por esse período ruim e equacionar o problema para que não volte no futuro.

DINHEIRO ? Como as mudanças no modelo do sistema elétrico vão melhorar o setor?
PARENTE ? Não mudamos o pilar básico, que é o setor privado ficar como o encarregado da expansão do sistema. A diferença é que não haverá só setor privado daqui por diante. O setor público vai entrar quando o privado não for capaz de assumir determinado investimento. Ficou patente para nós que era indispensável um aumento da intervenção do Estado na regulação. Caso contrário, não teríamos o mercado funcionando direito no futuro.

DINHEIRO ? E como fica a privatização, uma vez que as estatais continuam com 80% da geração e 20% da distribuição?
PARENTE ? Por enquanto, só decidimos o futuro da Chesf, que foi transformada na Companhia de Energia e Desenvolvimento Hídrico do Nordeste, e decidimos que não será privatizada. Cerca de 47% da geração do País ainda está na mão do governo federal. Deste total, 16% é da Itaipu, que é binacional e não pode ser privatizada. Neste momento, aliás, não queremos falar em privatização, mas sim em desverticalização. Será um passo fundamental para o setor.

DINHEIRO ? O atual modelo de regulação é suficiente para dar segurança aos investidores?
PARENTE ? O ministro de Minas e Energia, José Jorge, tem sido procurado quase que diariamente por investidores interessados em projetos para o setor elétrico brasileiro. Mas é preciso ficar claro que em nenhum lugar do mundo a transição do modelo do setor elétrico foi feita sem adaptações. Os investimentos demoram para amadurecer. No caso das térmicas, precisam de 18 a 24 meses, das hidrelétricas, 5 a 7 anos. O Brasil ainda é mais complexo porque depende de 90% da hidreletricidade.

DINHEIRO ? Os californianos aprenderam que em se tratando de energia não dá para privatizar tudo. O sr. concorda?
PARENTE ? Claro. O Estado não pode ficar insensível ou inerte num setor tão fundamental quanto o elétrico, principalmente quando o setor privado não é capaz de assegurar o aumento da oferta. Nós damos prioridade, estimulamos e precisamos do investimento privado, mas o País não pode ficar na dependência dele.

DINHEIRO ? Se o sr. fosse um investidor e tivesse a opção de investir no Brasil, EUA ou Alemanha, onde colocaria seu dinheiro?
PARENTE ? No Brasil, sem nenhuma dúvida. É só avaliar o tamanho do mercado e a oferta existente. As medidas que adotamos até agora são para melhorar a previsibilidade do mercado e de assegurar que investimentos nessa área terão retorno. E os investidores já estão enxergando isso. Além das térmicas, todos os leilões hidrelétricos feitos pela Aneel tiveram grande procura.

DINHEIRO ? Se voltar a chover, quem investiu em térmicas não vai amargar prejuízos?
PARENTE ? Estabelecemos mecanismos que não vão permitir que isso ocorra. Antes, uma simples mudança em um único mês da hidrologia derrubava os preços. Era o que acontecia com os preço do MAE. Agora, se o reservatório ficar abaixo de um determinado nível, o preço da energia vai corresponder ao da térmica mais cara. Isso vai garantir preço melhor no futuro.

DINHEIRO ? Qual o grande gargalo do setor elétrico?
PARENTE ? Não é somente um. A formação dos preços da energia é um deles. Nesse sentido, a crise foi importante porque caso contrário o País não teria condições de se debruçar sobre o tema como fez. E o assunto continuaria, de forma equivocada, a ser tratado de forma setorial.

DINHEIRO ? Na privatização, os contratos de concessão criaram uma fórmula para calcular os preços da energia sempre acima da inflação. Não dá para mudar isso?
PARENTE ? Os contratos prevêem sua revisão extraordinária. Quando houve a privatização, se determinou que os ganhos de produtividade de um determinado período seriam todos das empresas. Era uma fórmula de estimular a vinda dos investidores. Mas depois de um determinado período, ficou estabelecido que esse ganho iria para os consumidores.

DINHEIRO ? Mas essa transferência nunca aconteceu…
PARENTE ? Aconteceram variações de custos não-gerenciáveis e as distribuidoras entraram com pedidos de revisão. Alguns foram concedidos, mas em um determinado momento, por pressão da área econômica, os demais não foram concedidos com a alegação de que poderia observar a anualidade por força da lei do Plano Real. A postura da Aneel deveria ter sido a de dizer: se isto é a regra do jogo e reequilibra a relação entre consumidor e distribuidor, é o que vamos fazer.

DINHEIRO ? Como assim?
PARENTE ? Se a Aneel tivesse convicta de que aquilo era importante para reequilibrar o relacionamento entre consumidores e distribuidores, ainda que não devesse peitar a opinião da área econômica, poderia apresentar uma posição jurídica divergente e pedir que o Ministério de Minas e Energia levasse isso para a Advocacia Geral da União dirimir. Estou apenas exemplificando o que acho deve ser a cultura e a atitude da agência. A agência tem de entender onde está o equilíbrio adequado das relações entre consumidor e distribuidor, independentemente de quem vai se incomodar com a decisão.

DINHEIRO ? As mudanças para o modelo energético afastam o risco de os preços dispararem com a liberalização do setor?
PARENTE ? Depende do tipo do consumidor. Se for consumidor residencial, o conjunto de medidas tomadas vai atenuar o choque tarifário. Se for o industrial, vai depender dos fatores. Isso porque, hoje o preço da energia do industrial está abaixo do custo. Então, pode haver um efeito adicional nesses preços, na eliminação dos subsídios cruzados, o que vai ser negativo para o industrial e positivo para o residencial.

DINHEIRO ? Quanto o País conseguiu crescer na geração, distribuição e transmissão de energia desde o início da crise?
PARENTE ? Da nossa meta de geração de energia, tanto
hidrelétrica quanto térmica para 2001, cumprimos praticamente
tudo. Na térmica não cumpriu tudo por questão de dias, e
várias questões foram resolvidas.

DINHEIRO ? Qual o segredo para se manter forte no governo, depois de ter sido incumbido das missões mais espinhosas?
PARENTE ? Não tenho fórmula mágica. Tenho uma visão de funcionário público. Acho que não me compete discutir a missão que meu chefe me dá. Se ele me chama e diz que precisa de mim, eu vou. Visto a camisa e saio para resolver.

DINHEIRO ? O sr. fez algum pedido especial na virada do Ano Novo?
PARENTE ? Muita chuva (risos). Sem dúvida nenhuma passei o ano pensando que uma chuvinha adicional não seria nada mal. E veio. E espero que continue a vir.