26/06/2002 - 7:00
Esqueleto dentro do armário? é uma expressão que faz parte do dicionário dos especialistas em fusões e aquisições. Seu significado: problemas que aparecem em uma empresa apenas depois de sua venda. Desde 1997, quando arremataram o controle da maior mineradora de ferro do mundo, os acionistas da Vale do Rio Doce, capitaneados pela Previ e Bradespar, volta e meia deparam-se com algum defunto insepulto. Na semana passada, eles deram o primeiro passo para se livrar de um punhado desses ossos encontrados nos arquivos da companhia logo após a privatização. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo concedeu uma liminar para que a empresa deixasse de pagar R$ 62 milhões, cobrados a título de indenização pela ocupação indevida de um terreno em Serra (ES). O valor já é suficiente para fazer cair o queixo de qualquer um dos 13 mil funcionários da empresa, do mais humilde faxineiro ao presidente Roger Agnelli. Mas o detalhe mais surpreendente é outro: a Vale não ocupa, e nunca ocupou, o terreno em questão.
Em 1990, os herdeiros de Orzina Ribeiro Araújo e Malvino Coutinho Araújo entraram na Justiça contra a Vale reivindicando um terreno em Carapina, região de Serra, que, segundo eles, fora ocupado pela mineradora. A Vale era dona, na verdade, de outra área em um bairro chamado Carapebus. ?Há uma cidade entre os dois terrenos?, diz o advogado Sérgio Bermudes, dono de uma das mais conceituadas bancas do País e defensor da Vale. A semelhança de nomes (e sabe-se lá o que mais) levaram o setor jurídico da Vale, então uma estatal, a não perceber o engano. Resultado: derrota nos tribunais. A Vale deveria pagar cerca de R$ 62 milhões ao chamado ?espólio de Orzina?. Segundo a defesa de Bermudes, um tortuoso caminho contábil foi seguido para se chegar ao valor astronômico: corrigiu-se ?monetariamente, a partir de 1990, um valor que já havia sido atualizado em 1999, procedendo-se a uma dupla correção?. O valor do sítio de 580 hectares equivale, ainda de acordo com a defesa, a 30 apartamentos na 5ª Avenida, em Nova York, ou a 60 apartamentos na Av. Vieira Souto, uma das mais valorizadas do Rio. O dinheiro só não saiu da conta da Vale porque Bermudes, contratado depois da privatização da companhia, obteve uma liminar no Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Em outra frente de batalha, conseguiu anular, em primeira instância, a sentença que considerava a Vale culpada pela ocupação do terreno, provando que se tratavam de duas áreas distintas. Em ambos os casos, há possibilidade de recurso. ?A anulação da sentença tira o sentido da cobrança da indenização?, diz Bermudes.