24/11/2014 - 15:21
Em meados de novembro, os brasileiros assistiram estupefatos à sétima fase da Operação Lava Jato, que prendeu personagens graúdos de empreiteiras com o objetivo de jogar mais luzes em um gigantesco esquema de pagamento de propinas na Petrobras. Presidentes, diretores e altos executivos de empresas do porte de Camargo Corrêa, OAS, UTC, Mendes Júnior, Engevix e Queiroz Galvão foram parar atrás das grades juntamente com Renato Duque, ex-diretor da Petrobras. Suas prisões levam a comparar a ação da Polícia Federal à Operação Mãos Limpas, que desbaratou uma gigantesca rede de corrupção que dominava a vida pública e econômica da Itália, na década de 1990.
Conhecida como Mani Pulite, a Operação Mãos Limpas desvendou sofisticados esquemas envolvendo pagamento de propinas por empresas privadas interessadas em garantir contratos com órgãos públicos italianos. No decorrer das investigações promovidas pela Justiça, descobriu-se o desvio de recursos para o financiamento de campanhas políticas. A devassa, que começou em 1992, expediu quase três mil mandados de prisão, seis mil figurões tiveram as contas e os patrimônios dissecados, o que incluiu 872 empresários, 438 parlamentares e quatro ex-primeiros-ministros. Na pátria da pizza, a apuração não terminou em pizza. Cerca de 1,3 mil réus foram condenados. Não faltaram assassinatos e suicídios, como o do multimilionário Raul Gardini, então um dos empresários mais admirados da Itália. Cinco partidos, entre eles a Democracia Cristã , o Partido Socialista e o Partido Comunista, não sobreviveram ao escândalo. Chafurdada na lama, chegou a um melancólico fim a chamada Primeira República Italiana.
E o que surgiu depois dessa devassa? A despeito do duro golpe aplicado no submundo comandado pela Máfia e sua rede de negócios ilícitos, não foi exatamente uma república virtuosa que emergiu. Desiludidos com a política – e com os políticos –, os italianos levaram ao poder o bilionário empresário Silvio Berlusconi, uma liderança bufa, que ficou mais conhecido por suas animadas festas com beldades, batizadas hilariamente de bunga bunga. De 1994 a 2011, Berlusconi foi eleito premiê por três vezes, ficando no poder durante nove anos, mais do que qualquer outro político desde 1945. Em 20 anos, a Itália acostumou-se a assistir à novela de Berlusconi nos tribunais. Afinal, “Il Cavalieri”, como é tratado jocosamente pela imprensa, esteve envolvido em mais de duas dezenas de casos de corrupção. Ele sempre alegou inocência, mais foi condenado em última instância em um deles, em 2013, por fraude fiscal. Em vários outros processos, o dono do Milan, um dos mais populares clubes italianos, recorre.
No carcomido sistema político nacional, não há dúvida de que a Operação Lava Jato é a chance de que o Brasil seja passado a limpo, como disse a própria presidenta Dilma Rousseff. As prisões de políticos e empresários podem ser pedagógicas. Mas qual será o próximo passo? O discurso moralista e do mar de lama, que está na gênese da ditadura militar, parece tentador. Mas ele apenas confunde os eleitores, que tendem a considerar todos os políticos como farinha do mesmo saco. Essa retórica udenista nos legou caçadores de marajás ou aventureiros sem compromissos, tais quais Berlusconis redivivos. Nada mais apropriado, portanto, que lembrar de trechos do texto O Analfabeto Político, do dramaturgo alemão Bertolt Brecht: “Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais”.