07/06/2000 - 7:00
DINHEIRO ? O Brasil corre o risco de ficar no escuro?
JOSÉ MÁRIO ABDO ? O Brasil vive uma situação de normalidade na área de energia. Não há riscos de desabastecimento. Nossa capacidade instalada é de 65 mil megawatts. O Brasil cresceu 3,6 mil megawatts novos e fez frente à exigência do mercado. Ou seja, crescemos três Bolívias em termos de energia. Em países como EUA, a expansão é de 0,2% ao ano. No ano passado, plantamos 4 mil megawatts ? por meio de outorgas de concessão ? que serão usados este ano. Com um detalhe: uma outorga não é mais uma ação entre amigos, é um processo público.
DINHEIRO ? O sr. quer dizer que tudo estará sob controle mesmo que o País cresça a taxas de 7% ao ano?
ABDO ? Não há riscos, mas é preciso suar muito a camisa, é muito trabalho. Com energia, não se dorme em berço esplêndido em momento algum. Todo ano tem de investir, tem de expandir. O desafio não é só aumentar oferta, mas atender o consumidor em um ambiente de transição. É importante que entrem muitas usinas hidrelétricas e a Aneel está licitando 29 delas.
DINHEIRO ? Então podemos ficar tranqüilos?
ABDO ? Há um processo de mudança que faz com que tenhamos confiança. Toda semana autorizamos novas usinas térmicas. Vamos leiloar no próximo dia 27 de julho, na Bolsa do Rio, três mil quilômetros de linhas de transmissão. Mesmo com todo esse esforço, não dá para dormir. Além disso, é preciso entender que os processos de energia elétrica são de longa maturação. Esses projetos não são para especuladores. Quem vem para a energia elétrica assina um contrato de 35 anos. Não adianta vir como especulador achando que haverá retorno em um curtíssimo espaço de tempo. Não terá. Por isso, o investidor deve vir com a visão de que aqui as tarifas ao consumidor são reguladas. Os investidores aplicam no setor porque é um negócio estável, com receita garantida. No caso da transmissão, é um contrato de transmissão de 30 anos. Do dia para noite, ninguém fica rico nesse negócio.
DINHEIRO ? O que a Aneel está fazendo para evitar problemas como o dos apagões. O blecaute ocorrido em março do ano passado gerou prejuízo para milhares de consumidores.
ABDO ? Está havendo ampliação das linhas de transmissão, programa para construção de termelétricas e investimentos em sistemas inteligentes na rede. Na outra frente, existem as penalizações. A Aneel puniu com multas Furnas e CPTE três meses depois do apagão de março. E, pela primeira vez, o consumidor foi ressarcido. Cerca de nove mil consumidores, domésticos e industriais, receberam R$ 1,5 milhão.
DINHEIRO ? Quando o governo vendeu as empresas de energia, vendeu a idéia de que a privatização iria melhorar muito as empresas do setor. Casos como o da Coelce mostram que a situação não é bem essa. Qual é a sua avaliação sobre o setor depois das privatizações?
ABDO ? A Coelce não é a regra. O saldo é indiscutivelmente positivo. Os indicadores de interrupção de energia elétrica e da duração dessas interrupções de 1996 e 1999 fora reduzidos em 25%, em média. Ou seja, o número de horas de desligamento e de quantidade de vezes que a energia era desligada teve uma redução dessa ordem. É claro que há exceções. Mas a tendência é positiva. A melhoria está sendo baseada em uma mudança estrutural, que teve a ajuda das privatizações.
DINHEIRO ? A Coelce era uma empresa enxuta e bem administrada antes da privatização. Como isso pôde acontecer?
ABDO ? Realmente, a Coelce era uma empresa que tinha uma situação melhor do que a de agora. Antes da venda, o consumidor estava satisfeito em relação ao trabalho da empresa. Hoje, há níveis acentuados de insatisfação. A Aneel detectou a situação no primeiro ano de privatização da empresa, no início de 1998. Naquele ano, a fiscalização identificou alguns retrocessos e exigiu diversas medidas. Essas recomendações não foram cumpridas. Depois, endurecemos e aplicamos autos de infração. Uma agência descentralizada da Aneel foi criada no Ceará, aplicou uma multa de R$ 6,9 milhões, a mais pesada já infringida a um distribuidor. A empresa está recorrendo. O fato é que a Aneel entendeu que não estava havendo um comprometimento na solução dos problemas pelos novos controladores. Agora, foi iniciado um processo de cassação da concessão. A empresa tem 90 dias para mudar a situação. Outra medida foi aplicada: ela tem cinco dias para se defender de uma penalidade que prevê a suspensão da participação em qualquer outro processo de licitação da Aneel.
DINHEIRO ? Mas os investidores que compraram empresas são supostamente capitalizados, têm dinheiro para investir e se adequar às regras da Agência…
ABDO ? Ninguém nunca foi fiscalizado no passado. Então quem nunca foi fiscalizado, quando passa a ser, é natural que apareça esse elevado número de itens de descumprimento. São anos de adequação. Mas é importante lembrar que hoje se investe muito mais no setor. Em 1994, as distribuidoras estatais investiram R$ 950 milhões. Em 1999, esse número será de R$ 2,5 bilhões.
DINHEIRO ? Quais são as outras empresas que estão deixando de prestar bons serviços aos clientes?
ABDO ? A Cerj, do Rio de Janeiro, que é recordista de multas, vai receber mais uma, de R$ 2,9 milhões, por descumprimento da qualidade de serviço, fechamento de postos de atendimento e problemas nos controles de tensão. Tivemos um aumento de reclamações em Roraima e no Amapá. As duas concessionárias apresentam problemas econômico-financeiros que estão comprometendo os serviços. Nesses casos, a Aneel já aplicou penalidades. Acabamos de fazer uma ação junto ao controlador acionário, o governo do Estado. Fizemos um contato formal com os governadores para colocar o problema grave do atendimento ao consumidor desses dois Estados. Deixamos claro que é necessário tomar medidas urgentes para a melhoria dos serviços. Mas volto a dizer: na média, o serviço melhorou.
DINHEIRO ? E se os governadores de Roraima e do Amapá não cumprirem as regras?
ABDO ? A Aneel pode declarar um processo de caducidade da concessão, no mesmo molde do Coelce. No caso de Roraima, o governo deu uma sinalização positiva na busca de uma opção de federalização da concessionária.
DINHEIRO ? Como é que a Aneel pode comprovar que as empresas estão realmente investindo o que dizem em expansão da capacidade?
ABDO ? Não há nos contratos de concessão metas de investimento. O que há no contrato de concessão é um compromisso com os resultados, com o atendimento. No verão de 1998, com aqueles problemas dos apagões, a Light e Cerj também diziam que estavam investindo três vezes mais do que na época em que as empresas eram estatais. A despeito disso, elas foram multadas porque investiram mas não mostraram o resultado da eficiência na vida do consumidor. É claro que com mais investimentos e uma fiscalização mais dura por parte da Aneel, os benefícios vão aparecer no curto prazo para o consumidor.
DINHEIRO ? E nos contratos de concessões das grandes geradoras que serão vendidas, como Furnas e Chesf, a Aneel pretende mudar algo a partir da experiência dos últimos anos?
ABDO ? Sim, vamos aprimorar algumas pontos nos contratos. A exigência dos investimentos em desenvolvimento e em pesquisa será aumentada de 0,25% para 1% da receita. Também haverá uma exigência do investidor de expandir em geração.
DINHEIRO ? Quando os consumidores, grandes e pequenos, vão sentir os efeitos da competição entre as empresas?
ABDO ? Hoje, já temos o mercado atacadista de energia (uma bolsa de compra e venda de energia usada atualmente por grandes consumidores), que está funcionando com regras de transição que serão debatidas permanentemente. Todos os contratos de energia são registrados nesse mercado e as sobras de cada concessionária são comercializadas lá. A liberação do mercado já começou. O cliente industrial e o comercial pode comprar de quem quiser. A partir de julho, uma empresa que quiser comprar a partir de 3 megawatts, suficiente para um pequena indústria, poderá comprar de quem quiser. A Volkswagen, por exemplo, já mudou de fornecedor ? de uma concessionária de São Paulo para outra, do Paraná. A White Martins fez recentemente um leilão para compra de energia. Essa é a tendência daqui para frente.