21/06/2000 - 7:00
DINHEIRO ? Na semana passada o governo responsabilizou a intransigência das lideranças empresariais pelo impasse que impediu a votação da reforma tributária. O sr. aceita a acusação?
JORGE GERDAU ? Os empresários não foram intransigentes. Se estivéssemos intransigentes não estaríamos tentando seguir no diálogo com o governo. Não estaríamos tentando construir uma cláusula em que não se coloque a palavra cumulatividade na Constituição, mas na qual se constrói uma solução técnica que leve a isso. É um problema de natureza técnica. A acusação de intransigência é falsa porque continuamos a dialogar e negociar.
DINHEIRO ? De qualquer forma, o sr. ficou surpreso com a acusação de intransigência feita pelo ministro Pedro Malan?
GERDAU ? Não. Como nós temos dialogado com os ministros sobre esse tema, não houve surpresas. O conflito estava latente há muitas semanas. Aflorou por causa do processo negocial. Estamos no meio de uma negociação e cada uma das partes coloca a sua posição.
DINHEIRO ? Muitos acreditam que a negociação acabou e a reforma foi enterrada.
GERDAU ? Eu não me posiciono assim. É impossível enterrar a reforma tributária. O País precisa dela. Eu não me acho no direito de jogar a toalha e desistir. Todo esforço que se faça é pouco em relação ao interesse desse assunto para o País. A reforma talvez seja o tema mais importante hoje para a economia do Brasil. Podemos levar tombos, mas temos de chegar lá.
DINHEIRO ? Mas o prazo legislativo foi perdido, não foi?
GERDAU ? O único problema é que ninguém acredita que possamos legislar a reforma tributária no segundo semestre, por causa das eleições. Está terminando o primeiro semestre legislativo e no segundo semestre os políticos estão no processo eleitoral. Acho que a tendência é essa, mas, mesmo assim, a causa não pode ser abandonada. A negociação tem de seguir. Temos de nos preparar de forma estrutural para competir em igualdade de condições com economias maiores. É por isso que a reforma tributária não vai morrer: ela é uma demanda do processo econômico integrado à globalização. É uma exigência lógica.
DINHEIRO ? O sr. parece muito animado em comparação aos empresários que têm falado conosco.
GERDAU ? Deve ser um pouco de temperamento, a minha cota quixotesca nesse processo. Se a gente olhar para trás, no Brasil as coisas acontecem de forma lenta, devagar, mas acontecem. Se a gente pensar no Brasil de 10 anos atrás, ouve evoluções importantes. Elas foram lentas e vieram atrasadas, mas vieram. Ainda estamos 10 anos atrasados no processo de modernização, em vários campos, mas isso é inerente ao tamanho do País. Os gigantes se movem de forma mais lenta.
DINHEIRO ? Qual é a sua impressão sobre o envolvimento pessoal do presidente nessa discussão?
GERDAU ? O presidente é uma pessoa tremendamente lúcida e enxerga o quadro mundial melhor do que a maioria dos brasileiros. Ele tem a visão absolutamente clara, mas tem também a responsabilidade da condução financeira do País, e o ônus da condução política do processo. Já nós, empresários, temos obrigação de levar nossa mensagem ao governo, aos políticos e à população.
DINHEIRO ? E qual é a proposta?
GERDAU ? A preocupação do empresariado, agora, é a de construir um sistema que assegure que não vá se tributar a exportação. Toda política de investimento exige que isso fique caracterizado de forma clara e definitiva. No Brasil existem divergências conceituais, ideológicas, sobre a tributação das exportações. Eu acho que por princípio não deve se exportar impostos. Quando as pessoas compram seu uísque no free shop elas estariam dispostas a pagar pelas escolas e estradas construídas na Escócia?
DINHEIRO ? Toda essa discussão com o governo se resume aos impostos sobre a exportação?
GERDAU ? Queremos que não haja impostos da cumulatividade, que se acabe com os impostos cascata. Estou falando das exportações, mas o problema é também sobre as importações. Hoje, o produtor brasileiro paga o PIS-Cofins em todas as etapas do processo produtivo. Quando ele chega no fim da cadeia enfrenta um concorrente que importa o produto e não paga imposto em cascata. A soma de impostos em uma cascata longa é de 15% do produto, muito mais do que o lucro. A falta de isonomia em relação ao produto importado é muito grande. Se considerarmos o custo do capital de giro, é tremendamente difícil para o produtor brasileiro competir. Há também a incidência de impostos sobre os bens de capital. O Brasil é talvez o único país que onera o produtor com impostos sobre as suas máquinas. No resto do mundo isso não acontece. É preciso construir um sistema dentro dos padrões internacionais. Todos os países com que importamos e exportamos trabalham assim.
DINHEIRO ? É comum ouvir que os empresários reclamam muito da carga tributária teórica, que na verdade eles não pagam. Há isenções, elisão, anistias…
GERDAU ? É um círculo vicioso. Quando o sistema tributário é complexo e inviabiliza a competitividade, começa a surgir a sonegação. O problema existe. Lembra da curva de Lafer? Quanto mais sobe o imposto, maior a sonegação.
DINHEIRO ? Isso não enfraquece a posição do empresariado frente ao governo? Se todo mundo pagasse não se estaria em uma posição mais forte para se discutir?
GERDAU ? Esse problema existe, mas insisto que é um círculo vicioso. O que nós estamos discutindo hoje é criar um sistema tributário moderno, semelhante ao que existe nos países concorrentes, sem mudar a carga tributária total.
DINHEIRO ? Mas em outros países a carga tributária é menor.
GERDAU ? Mas nós nem estamos discutindo a carga tributária. É uma segunda discussão, em um outro momento. No primeiro momento temos de discutir um sistema tributário que dê condições ao produtor brasileiro de competir, seja ao produtor de arroz ou de tecidos, de aço ou de automóvel. Dentro disso, o conceito de não-cumulatividade na cadeia produtiva, e a não incidência de impostos sobre os bens de produção, são regras básicas de qualquer sistema que obedeça aos padrões de globalização.
DINHEIRO ? Vista de fora, essa discussão sugere que o governo conversa para não mexer nada. Vista de dentro é o mesmo?
GERDAU ? Eu tenho depoimentos muito claros dos ministros e do presidente de que eles querem fazer a reforma tributária. O grande dilema é a transição. O governo federal está correto em ter essa preocupação. Se analisarmos o que aconteceu em 1999, na saída da maxidesvalorização, o desempenho do Brasil foi melhor do que se esperava. Mexer no sistema tributário para correr risco é algo que ninguém quer. Eu diria o seguinte: o ajuste fiscal do País a curto prazo é mais importante do que a carga tributária. No cenário mundial está muito claro que a primeira coisa é não ter inflação.
DINHEIRO ? Então a reforma não virá, porque não se pode diminuir a arrecadação…
GERDAU ? Mas a reforma não vai diminuir a arrecadação. Não estamos propondo isso. Isso está claro na discussão feita no Congresso. Não vai haver diminuição da carga tributária. Estamos propondo uma nova sistemática de arrecadação.
DINHEIRO ? Mas na verdade o empresariado não quer pagar o que está pagando e nem o governo quer mexer no que está recebendo. Não é uma discussão estranha?
GERDAU ? Não tenho dúvida de que cada um enxerga a reforma a seu modo. Cada um quer a sua. Mas nós, da Ação Empresarial, neste momento não estamos discutindo a carga tributária. Aceitamos que a carga tributária permaneça no mesmo nível, embora ela seja absolutamente elevada.
DINHEIRO ? Quem são os adversários da reforma tributária dentro do governo?
GERDAU ? Não sei se há adversários da reforma. Todo mundo sabe que ela tem de ser feita.
DINHEIRO ? O secretário da Receita Federal sabe?
GERDAU ? Ele sabe, embora existam com Everardo Maciel pontos de divergência conceitual. Qualquer economista sabe que é preciso limpar as cadeias produtivas. A discussão não está em fazer ou não, mas como fazer a reforma.
DINHEIRO ? O que acontece se a reforma for protelada por um ou dois anos, como parece estar próximo de acontecer?
GERDAU ? Vai atrasar o processo de desenvolvimento do País. Acredito que uma boa reforma tributária pode fazer o PIB do País crescer 2%, ampliando as exportações de forma impressionante. Isso é muito importante. Não existem no Brasil fábricas voltadas para exportação. Ela é sempre um percentual pequeno da produção, 15% ou 20%. Nunca se exporta 50% ou 80%. O empresário, nacional ou estrangeiro, sabe que terá de exportar impostos.