04/04/2014 - 21:00
Histórias de estrangeiros que trocaram as terras gélidas nos extremos do Hemisfério Norte pelo calor do Brasil e de seus países vizinhos da América Latina são recorrentes. Atraídos pela promessa de dias ensolarados, alguns até largam o terno e a gravata para fugir da chuva e do frio típicos na maior parte do ano nesses lugares, mesmo que o escolhido tenha sido um país mais conhecido entre nós por seu clima temperado. Essa é a história de Dan Odfjell, o megaempresário norueguês que, aos 76 anos, tomou coragem para se mudar de vez para o Chile – o que fará em breve.
No Brasil: o executivo conta que, ao lado da China, dos Estados Unidos, da Alemanha
e da Noruega, o País é um dos mais importantes para seus negócios
Em 2010, ele transferiu o comando do centenário grupo familiar, especializado em transporte marítimo de produtos químicos, para o filho Laurence, que hoje comanda os negócios, com uma receita anual superior a US$ 1 bilhão. “Meu pai só fala em morar no Chile há três anos”, afirma o empresário. “A paixão dele pelo país é antiga.” A opção não se deu por acaso. Se calor fosse a principal motivação, o patriarca dos Odfjell certamente teria outras alternativas mais ensolaradas. Há 30 anos, a família começou a investir no setor de infraestrutura marítima nos países sul-americanos.
Ao mesmo tempo, em 1984, Odfjell adquiriu uma área de 207 hectares, em Maipo, no Chile, na região da capital Santiago, onde desenvolveu o plantio de vinhas como cabernet sauvignon, merlot, carmenère, syrah, cabernet franc e malbec, utilizadas na produção da vinícola que leva o nome familiar. O que teve início como hobby tomou corpo e ganhou sucesso internacional, principalmente com o lançamento do Orzada Carignan (R$ 82,30), um dos mais famosos no portfólio de 20 rótulos da marca. O faturamento de US$ 4 milhões é irrisório perto da receita do grupo e muitas vezes não é suficiente para cobrir as despesas com inovação, produção e logística.
Charme: a vinícola da família também recebe turistas interessados na crescente tradição dos famosos vinhos chilenos
“Não consigo nem chamar de hobby algo que envolve tanto dinheiro assim”, diz o filho Laurence, que esteve no Brasil para supervisionar os negócios no mercado nacional. “É paixão mesmo.” Formado em arquitetura pela Universidade de Yale, em New Haven, no Estado americano de Connecticut, Laurence, hoje com 49 anos de idade, recebeu do pai a incumbência de construir a adega da vinícola já pensando na possibilidade de ganhar dinheiro com a visitação de turistas. “Fomos um dos primeiros a investir na aliança entre vitivinicultura e turismo”, afirma ele.
Depois da vinícola Odfjell, Laurence foi contratado para erguer outras estruturas semelhantes, até que recebeu um convite da gigante californiana de vinhos Kendall-Jackson. “Na mesma época, fui chamado pelo meu pai para me dedicar exclusivamente aos negócios da família, mas preferi seguir minha carreira solo.” O norueguês conta com orgulho sobre a oferta feita pelo exigente Dan, que não esperava que os filhos continuassem os negócios da família se eles não fossem bons o suficiente para isso. Não demorou muito para Laurence repensar sua decisão e, assim, retornar ao grupo, em 2000.
Paixão de pai para filho: Laurence chegou a trabalhar em outras vinícolas, mas decidiu aceitar
o convite do pai (à dir.) e se juntar aos negócios da família
A atitude não fez apenas com que o executivo se tornasse um especialista em vinhos, como também o aproximou de seu pai. “Eu não conhecia meu pai antes, ele quase nunca tinha tempo para me dar atenção porque vivia trabalhando”, diz Laurence, pai de uma filha brasileira de 7 anos, com uma ex-namorada que ele conheceu quando viveu no Brasil, na década passada, a serviço da empresa de navegação. É com ela, inclusive, que o empresário aperfeiçoa seu português. Além dos três anos em que viveu no Brasil, Laurence morou no Chile por sete anos, onde cuidava das atividades da companhia de navegação e da vinícola.
“O País é fundamental para nós, tanto para o consumo dos vinhos, já que está entre os cinco mais importantes, ao lado da Noruega, dos Estados Unidos, da Alemanha e da China, quanto para os serviços logísticos.” Ao contrário do pai, Dan, que finalmente vai realizar o sonho de morar na América do Sul em definitivo, o empresário, quando não está viajando, reside em Cingapura, por conta do crescimento do grupo na Ásia. Neste ano, a Odfjell completa 100 anos. Adivinha qual é a marca de vinho usada em todas as comemorações que a companhia fará pelo mundo?
Variedade e alto padrão: a estratégia é investir no plantio de diversos tipos de uvas
e na produção de vinhos com qualidade cada vez maior
“Só não vale usar o nosso vinho na Arábia Saudita, onde eles não bebem álcool, então brindamos com suco de framboesa”, diz Laurence com seu português carregado de sotaque. Para Marcos Bedendo, professor de gestão de marcas da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), embora a vinícola não chegue a trazer prestígio para a companhia, uma vez que são de setores distintos, ela serve como um “assunto a mais” na hora de se relacionar com clientes em potencial. “As pessoas entendem aquilo como um hobby interessante e isso pode ajudar a quebrar o gelo no relacionamento comercial”, afirma o especialista.
A vinícola, com uma produção anual superior a um milhão de garrafas, não é a primeira investida do grupo de Dan Odfjell fora do setor logístico. Ele também já apostou em cruzeiros marítimos pela Noruega e até mesmo em uma cervejaria. “Meu pai é o tipo de empreendedor que adora inventar, mas não gosta de administrar depois.” Após assumir a presidência há quatro anos, Laurence tratou de reorganizar o grupo, que faturou US$ 1,2 bilhão em 2013, um aumento de 5% em relação ao ano anterior. Ainda assim, ele encontra tempo para palpitar no mercado de vinhos. “O nosso diferencial é fazer vinhos mais refrescantes, com boa acidez”, diz o executivo.