Talvez nenhum conceito tenha sido mais utilizado para explicar os efeitos surpreendentes da pandemia de Covid-19 no mercado do que o de cisne negro, desenvolvido pelo líbano-americano Nassim Nicholas Taleb, economista, pesquisador, autor e ex-negociador de ativos de risco.

Artigos por todo o mundo equipararam a surpresa com o impacto disruptor de mercados pela disseminação do coronavírus com o conceito, que diz respeito um evento completamente inesperado que muda todas as condições.

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No entanto, o autor da teoria afirmou, em apresentação hoje na Expert XP, que ele não considera a analogia válida. “Como a pandemia pode ser considerada cisne negro, se já tivemos diversos exemplos como esse no passado?”, disse.

Taleb acredita que houve muita incompetência no combate à doença, com desperdício de dinheiro. “O comportamento das autoridades foi mais incompetente o quanto mais alto elas estão”, afirmou, citando o Centros para Controle e Prevenção de Doença (CDC), nos EUA, e a Organização Mundial de Saúde (OMS), em nível global.

Se o uso de máscaras diminui o risco de contágio em 76%, a prioridade no início deveria ser buscar a forma mais econômica de entregar elas para as pessoas, enquanto se aprendia mais sobre o vírus.

Como um dos maiores pensadores de risco do mundo, ele explicou que “estabilidade de receita em uma empresa por um longo período pode representar um grande risco para o negócio”, porque a organização não estará preparada para fazer as adaptações que um novo cenário pode trazer.

Usou como exemplo o caso hipotético de dois irmãos gêmeos. Um seria motorista de táxi com receita variável todo mês, e precisando se ajustar a cada queda de entradas, e o outro, um empregado no ramo de seguros, com salário garantido. “Um economista diria que o motorista de táxi está sujeito a mais volatilidade”, afirmou.

Mas, se depois de décadas o assalariado for demitido, os anos trabalhando em escritório mataram a sua habilidade de se adaptar, e ele perderá toda a receita. Seria o mesmo caso da empresa com receita garantida por contrato estatal, que certo dia perde todo o faturamento quando se troca de governo.

Vencedora do Nobel

Na noite anterior, a francesa Esther Duflo, a economista mais jovem vencedora do prêmio Nobel, mostrou como os seus estudos na criação de métodos empíricos para comprovar a efetividade de políticas públicas podem ajudar na crise atual.

Os avanços de Duflo podem ser aplicados tanto no desenvolvimento de medicamentos para a Covid-19 quanto em escolher que mais recursos vão proteger os mais pobres dos efeitos da pandemia.

“O nosso programa buscou encontrar as ações mais eficazes para melhorar a saúde infantil e o desempenho escolar. É um experimento muito simular a testes para desenvolvimento de novos medicamentos”, explicou a pesquisadora, que ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2019, junto com Michael Kremer e Abhijit Banerjee. “Implementa-se dois experimentos distintos em dois grupos de pessoas simulares. Cada grupo recebeu um programa diferente e foi possível entender os resultados na prática.”

Segundo ela, os avanços de diminuição de desigualdade de renda na América Latina estão sendo colocados em risco com a nova crise. “Algumas pessoas dizem que a pandemia é uma grande niveladora da sociedade, mas não é o caso. Nos EUA, os latinos e negros têm duas vezes mais chances de serem infectados do que os brancos”, disse. “As minorias econômicas têm mais chance de precisarem continuar trabalhando, de não poderem fazer distanciamento social adequado, além de não terem acesso à mesma qualidade no tratamento médico. E o mesmo pode ser visto em países menos desenvolvidos como o Brasil.”

Agora, programas de transferência de renda serão mais importantes, e métodos como o que ela desenvolveu serão cruciais para entender como conseguir mais impactos com recursos escassos. “Muitos dos sistemas de proteção social baseiam-se no medo de que as pessoas que precisam de ajuda, que de alguma maneira foram abusadas, vão se tornar preguiçosas quando começarem a utilizá-los. E de que, se elas começassem a receber alguma ajuda, não vão querer mais trabalhar”, disse. “Mas esses sistemas são criados com base apenas em uma intuição de como as pessoas vão se comportar, e nada garante que de fato isso vai acontecer. Temos de pegar a intuição e colocar à prova.”