20/09/2025 - 10:00
Em 2020, a Natura (NTCO3) concretizou a compra da Avon Internacional, um negócio que a posicionou como a quarta maior companhia de beleza do mundo. Na época, a gigante brasileira desembolsou US$ 2 bilhões para adquirir o controle de 72,3% da empresa norte-americana.
Cinco anos depois, o investimento bilionário virou um prejuízo. A Natura vendeu as operações da Avon na América Central, a Avon Card por US$ 1, e as operações da Europa, Ásia e Oceania, a Natura &Co UK Holdings, holding dos negócios da Avon Internacional, por 1 libra esterlina. Somados, os valores foram de R$ 12,48.
Apesar do prejuízo evidente, as ações da empresa subiram mais de 16% na B3 na quinta-feira, 18 de setembro, dia em que a venda das operações da holding para o fundo norte-americano Regent foi sacramentada. A valorização representou um ganho de mais de R$ 2 bilhões no valuation da empresa.
Aceitar a derrota
Especialistas consultados por IstoÉ Dinheiro afirmam que o mercado reagiu positivamente à venda por valores tão baixos, pois a companhia aceitou a derrota e se desfez de uma operação que drenava seu caixa nos últimos anos.
Somente no último semestre, a operação da Avon havia consumido mais de US$ 1 bilhão dos cofres da Natura. A manutenção do negócio era mais custosa do que se desfazer dele, mesmo por um preço simbólico.
“Era um ativo estruturalmente deficitário, que queimava muito caixa e vinha atrapalhando muito a performance da Natura no consolidado. No fim das contas, esses movimentos têm em comum essa tentativa de limpar o balanço”, disse Caroline Sanchez, analista da Levante Inside Corp.
O mercado também viu a venda com otimismo, pois o negócio vai permitir que a Natura foque no mercado da América Latina, onde a companhia tem uma presença mais madura.
“O grande ganho é tirar esse ‘ralo de caixa’ do balanço, simplificar a estrutura e focar na América Latina, onde a marca Avon já está integrada e gera sinergia com a própria Natura”, explicou Daniel Nogueira, Sales de Renda Variável da InvestSmart XP. “No fim, não se trata do preço de venda, mas de se livrar de um problema e recuperar a confiança”.
“Reconhecer que deu errado e deixar de gastar dinheiro é melhor do que você ficar morrendo com esse negócio abraçado para sempre. Por isso, o mercado reagiu bem a essa venda”, disse David Kallas, professor do Insper e consultor de gestão empresarial estratégica.
‘Earnout’ pode chegar a cifras milionárias
A venda da Avon International por um preço tão baixo evidencia a urgência da Natura em se livrar de um ativo que gerava prejuízo. No entanto, o negócio pode render mais dinheiro para a empresa no futuro.
A venda foi fechada com uma cláusula de ‘earnout’ milionária. Se a Avon apresentar resultados positivos dentro de um período não especificado, o fundo Regent terá que pagar mais US$ 60 milhões. No caso da Avon Card, o valor é de US$ 22 milhões. Esse é um mecanismo comum em transações dessa natureza.
“Esse mecanismo é frequentemente aplicado quando o ativo já se tornou um peso no balanço e o comprador, no caso a Regent, assume o risco de um negócio considerado complexo ou ‘difícil’, mas enxerga uma oportunidade de reestruturar e reposicionar a marca. Em vez de pagar caro na largada, o comprador paga um valor simbólico inicialmente e só paga o earnout se o ativo for transformado em algo mais lucrativo”, explicou Sanchez.
Caso Pan-Americano: venda por R$ 1
O caso mais conhecido no Brasil de uma companhia vendida por um preço simbólico foi o do antigo Banco Pan-Americano. Criada por Silvio Santos, a instituição se envolveu em um escândalo em 2010, quando o Banco Central (BC) detectou uma fraude contábil bilionária.
A irregularidade principal consistia na dupla contabilização de ativos: o banco vendia carteiras de crédito para outras instituições, mas continuava a registrá-las em seu próprio balanço, o que inflava seus ativos e mascarava uma situação de prejuízo.
O rombo, inicialmente estimado em R$ 2,5 bilhões, foi corrigido para R$ 4,3 bilhões após auditorias detalhadas. Em janeiro de 2011, o BTG comprou o Pan-Americano por R$ 1.
Apesar da similaridade, as vendas ocorreram por motivos distintos. Enquanto a Avon International era um ativo estruturalmente deficitário e com alta queima de caixa, o caso do Pan-Americano teve um componente extra de fraude.