26/11/2021 - 12:49
“Um filme de terror”. Karl Maquinghen, o pescador que alertou na quarta-feira sobre a pior tragédia de migrantes no Canal da Mancha, continua chocado com um drama nunca visto em seus 21 anos no mar e que não consegue esquecer.
“Ver tantos mortos assim ao nosso lado é realmente um filme de terror”, confessa o pescador a alguns jornalistas, após desembarcar da traineira onde trabalha no porto de Boulogne-sur-Mer (norte da França), na manhã desta sexta-feira.
Barbudo, de macacão de trabalho azul, quer agora apenas “abraçar seus filhos”, comovido com o drama, que custou a vida a 27 pessoas, incluindo três menores, segundo o procurador de Lille.
Na quarta-feira, foi Maquinghen quem viu o primeiro corpo sem vida flutuando no mar, da ponte do barco Saint-Jacques II. Ele então afirma que viu “uma quinzena”, “pessoas mortas, crianças”.
“Os que não usavam colete salva-vidas, nós não vimos”, explica o pescador, com exceção de um “vestido de preto” com “camisa xadrez”. “Eu vi porque ele passou a dois metros do barco, nem mesmo um metro”, conta à beira do choro.
– “Medo de levantar as redes” –
Os pescadores alertaram imediatamente o Cross Griz-Nez, o centro regional que monitora o Canal da Mancha e organiza resgates diários de migrantes em perigo, e comunica sua posição.
A Guarda Costeira “chegou imediatamente”, lembra.
“Se tivéssemos chegado cinco minutos antes, talvez pudéssemos tê-los salvado”, lamenta Karl Maquinghen, assombrado pelas imagens que viu no mar. “Não durmo. Quando fecho os olhos, vejo os corpos novamente”.
“Tivemos até medo de levantar as redes, caso houvesse algum dentro”, explica o experiente pescador, que admite ter sido “a primeira vez” que isso lhe aconteceu, apesar de ter passado 21 anos pescando no mar.
No entanto, os migrantes que tentam chegar às costas da Inglaterra em barcos precários fazem parte de suas vidas diárias há meses.
E principalmente desde o verão boreal: “Todos os dias, a cada meia hora, você os vê passar”.
O centro regional disse-lhes que “enquanto não pedirem ajuda e o motor continuar a funcionar”, não podem colocá-los a bordo do seu barco de pesca. “Não os embarcamos. Avisamos a Cross”, explica.
Este drama “é o primeiro, mas não será o último”, garante. Se as autoridades “não fizerem algo, haverá todos os dias, principalmente neste período”, com a chegada do mau tempo, à medida que o inverno se aproxima na Europa.
“Na minha opinião, vão morrer rapidamente” em um mar entre 10 e 12 graus.
Em anos anteriores, as travessias caíam com a chegada do frio e da chuva, mas neste ano continuam em bom ritmo, e com recordes diários como o de 11 de novembro, quando 1.185 migrantes chegaram ao litoral inglês.
Maquinghen diz que não sente raiva, e sim desamparo: “Com quem você quer que eu fique com raiva? Não podemos fazer nada. A menos que abram o túnel” sob o Canal da Mancha, por onde muitos migrantes passavam antes do reforço dos controles.
Apesar do trauma, planeja voltar ao mar nos próximos dias. “É o nosso trabalho. Somos forçados a voltar a bordo. Temos que alimentar a família.”