Do Pacífico à Costa Leste dos Estados Unidos, o negacionismo eleitoral se espalhou no país – das Assembleias Legislativas estaduais às prefeituras, bares e famílias -, levando o corpo político ao adoecimento e ameaçando a democracia.

A duas semanas das eleições de meio de mandato (“midterms”), os republicanos de vários matizes aderem à afirmação falsa defendida e propagandeada pelo ex-presidente Donald Trump (2017-2021) de que a eleição de 2020 foi-lhe roubada e que a fraude eleitoral está amplamente disseminada.

O “think tank” Brookings Institution, com sede em Washington, D.C., identificou 249 desses chamados “negacionistas eleitorais”, todos republicanos, nas 567 corridas eleitorais para candidatos à Câmara de Representantes (Deputados), Senado e importantes cargos no níveis estadual.

O presidente da Bayer Strategic Consulting e ex-chefe de pessoal do Senado americano, Mark Bayer, disse à AFP que a democracia no país corre o “maior risco de desmoronar” desde a Segunda Guerra Mundial.

“A fidelidade à ‘Grande Mentira’ foi o maior tema de campanha para muitos dos negacionistas que disputam as eleições. Como esses candidatos poderiam responder, ao perder suas próprias eleições de forma justa em novembro?”, questiona Bayer.

Ninguém apresentou provas de uma fraude significativa nas eleições de 2020, mas a enxurrada de desinformação divulgada por Trump e por seus aliados convenceu parte do país de que o democrata Joe Biden não é o presidente legítimo.

Muitos dos seguidores de Trump, como Terri Privett, um republicano entrevistado pela AFP em um recente ato político em Vero Beach, no estado da Flórida (sudeste), deixaram-se convencer pela falácia de que as grandes multidões que continuam a seguir Trump, se comparadas às de Biden, provam que houve fraude.

– Todos os alarmes –

Trump, que apoiou mais de 200 republicanos em suas candidaturas às eleições de novembro, fez da crença em sua “Grande Mentira” uma condição para endossá-los.

“As análises políticas indicam que a maioria das democracias não termina com uma revolução, ou com um golpe militar, mas é erodida por dentro”, afirma Barbara Wejnert, socióloga política de renome internacional e professora da Universidade de Buffalo, em Nova York.

“E esse pode ser o caso da democracia americana, se os negacionistas eleitorais forem eleitos, assim como se Trump se tornar presidente de novo”, acrescenta.

Nada disso importaria se os candidatos polêmicos fossem ignorados, mas seu protagonismo no “mainstream” do partido levanta todos os alarmes, de acordo com ativistas.

A Brookings estima que 145 dos 249 negacionistas eleitorais, ou seja, 58% do total, parecem ter grandes chances de vencer em suas respectivas disputas. Alegando temerem pela democracia, quase metade deles são membros da Câmara que votaram para impedir a certificação do resultado das urnas em 2020 – apesar da ausência de provas de fraude.

Em relação à luta pela democracia, as disputas mais importantes acontecem em 39 estados para eleger governadores, procuradores-gerais, ou secretários de estado. Esses funcionários administram as eleições, supervisionam a contagem de votos e certificam os resultados, o que faz deles a primeira linha de defesa da democracia.

O grupo de lobby States United Action estima que 58% da população, que vive em 29 estados, tem um negacionista eleitoral, concorrendo para ser o supervisor de suas próximas eleições.

– ‘A democracia é frágil’ –

A professora Ann Crigler, da Universidade do Sul da Califórnia, que escreveu extensivamente sobre política e meios de comunicação, ecoa temores de que, diante de um eventual fracasso eleitoral, os negacionistas possam tentar questionar os resultados.

Para ela, são os vencedores que representam um problema maior, pois estariam em posições de poder para mudar regras eleitorais e dar vantagem a seus candidatos preferidos.

“A democracia é frágil e vulnerável à corrupção, se não contar com participantes honestos e vigilantes no processo de votação e de governo”, explicou Crigler à AFP.

Além disso, o maior número de candidatos negacionistas está na Pensilvânia, Arizona, Michigan, Flórida, Texas, Wisconsin e Geórgia, todos estados-chave que, invariavelmente, decidem quem controla o Congresso e a Casa Branca.

“Inventar as coisas, ou negar os fatos, é fundamentalmente antidemocrático. Em resumo, ao negar o que as evidências dizem, os próprios fundamentos da nossa democracia são postos em risco”, disse o reitor da Faculdade de Artes e Ciências da Universidade Vanderbilt, John Geer.