Muito se fala de comissão, superfaturamento e pressão política nos fundos de pensão, mas pouco se revela como tudo realmente acontece. Na semana passada, DINHEIRO teve acesso a um conjunto de fitas, cujas gravações são uma aula prática de como se dá a corrupção nos gabinetes de Brasília. Nelas, os executivos da Funcef, o fundo dos funcionários da Caixa Econômica Federal (CEF), que no ranking nacional é o terceiro maior, com R$ 9 bilhões em caixa, acertam comissões pessoais para venda de edifícios inteiros, submetem-se ao jogo de pressões e beneficiam empresários em dificuldades. As fitas foram gravadas pela Kroll Associates (especializada em investigação corporativa), a pedido do atual presidente da Funcef, Edo de Freitas, para apurar denúncias na gestão de seu antecessor, o matemático José Fernando de Almeida, retirado do cargo no final de 1999 por ordem do presidente da CEF, Emílio Carazzai. A autenticidade das gravações foi atestada em laudo, concluído na madrugada da última sexta-feira 6, pelo perito Fernando Molina, da Unicamp. ?As gravações são autênticas, sem truncagens, edições ou mascaramentos?, garante Molina. Na verdade, elas somente foram possíveis porque se deram em absoluto sigilo. Entre os dias 7 e 23 de dezembro de 1999, agentes da Kroll, disfarçados de executivos de fundo de pensão americano, revezavam-se na gravação de conversas com o então diretor de assuntos internos da Funcef, Sérgio Nunes.

Escalado pelo gerente da área imobiliária, Tales de Souza, para uma conversa com imaginários investidores americanos (os agentes da Kroll), Nunes aceita receber uma comissão de 2%, no valor de R$ 380 mil, para reduzir o preço do Funcef Center, um sofisticado edifício empresarial na avenida Paulista, em São Paulo, de R$ 21,6 milhões para R$ 19 milhões. Entusiasmado, Nunes vai mais longe. Também por 2% de comissão, o diretor propõe a um agente da Kroll comprar imóveis para alugar para a Caixa por valores acima do mercado. Oferece, ainda, mais uma venda: a do Tiradentes Towers, em Belo Horizonte. Sobre o edifício Torre Norte, considerado o mais moderno de São Paulo e avaliado em cerca de US$ 200 milhões, Nunes disse que a diretoria da Funcef tinha receio em receber recursos obtidos por ?lavagem de dinheiro? num processo de venda que estava em curso. Em outra conversa, Nunes insinua que o ex-secretário da Presidência da República, Eduardo Jorge Caldas Pereira, fez pressão para acelerar o ingresso da Funcef no consórcio que arrematou em 1996 a Ferronorte do empresário Olacyr de Moraes ao preço de US$ 1,2 bilhão. Diz, ainda, que o então presidente da Funcef, José Almeida, superfaturou a compra de um terreno na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, cujo preço pulou de R$ 8,5 milhões, segundo avaliação de engenheiros da CEF, para R$ 14,5 milhões. No centro da teia de corrupção, Nunes nega as acusações, apesar das gravações apontarem o contrário. Procurado por DINHEIRO, ele afirmou que nunca pediu comissão para vender o Funcef Center mais barato e assegura que o preço de R$ 19 milhões era vantajoso, já que, na sua avaliação, o preço real era de R$ 17 milhões. Representante eleito dos filiados da Funcef, Nunes somente confirma as afirmações feitas em relação a Eduardo Jorge, embora ressalve que não tem como comprová-las. ?Houve pressão política e o comitê tinha indeferido a compra da Ferronorte?, lembra. As fitas e documentos do dossiê Funcef, também obtidos por DINHEIRO, foram encaminhados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), à Secretaria de Previdência Complementar e ao Ministério Público. Essas gravações vêm à tona no momento em que o governo anuncia um pacote de combate à corrupção, seguido de nomeação da procuradora Anadyr Rodrigues para o cargo de Corregedora Geral da União. A abertura de inquérito em torno das gravações poderia ser um bom começo.

DIRETOR PEDE COMISSÃO DE R$ 380 MIL NA VENDA DE PRÉDIO DE R$ 20 MILHÕES

 

A Funcef possui imóveis nas regiões mais valorizadas do País. Um deles, o Funcef Center, fica na avenida Paulista, em São Paulo, tem 15 andares e rende cerca R$ 2,5 milhões anuais em aluguéis. É a compra deste imóvel que começa a ser negociada com o diretor Sérgio Nunes na gravação a seguir. O diretor Nunes pede comissão por fora para fazer a transação.

Sérgio Nunes ? Eu lhe asseguro que vai passar (a proposta). Dezenove milhões
Agente da Kroll ? Dezenove, 25% em janeiro (de entrada) corrigido pelo IGP mais?
Nunes
? IGPM mais 12% (de juros)
Agente ? Certo
Nunes ?
Aí eu? tem uma comissão de corretagem de 2%?
Agente ? Boa!
Nunes ? ?Isso ? vamos trabalhar com dois por cento
Agente ?
Nunes ?? Dois por cento nós vamos ? vamos rachar esse
Agente ? Tá. Dois por cento vai dar quanto? Quatro? não, dois?
Nunes ? Trezentos e oitenta mil (reais)? esse vai estar acertado com eles lá? taxa de comissão de 2%
Agente ? Certo? E como a gente faz para te dar isso?
Nunes ? Depois nós conversamos, ou deposita lá fora
Agente ? Tá todo mundo falando a mesma língua? O que eu posso chegar é 19 (milhões de reais), entende? Se você está me dizendo que consegue esse facilitador para eu brigar por esse meu preço, você fica com esses 2%

ESQUEMA DE SUPERFATURAMENTO NOS ALUGUÉIS DE AGÊNCIAS DA CAIXA

Existem agências da Caixa Econômica Federal que funcionam em imóveis de terceiros, mediante pagamento de aluguéis. O agente da Kroll conduz a conversa para o terreno pessoal, diz que tem dinheiro guardado e quer comprar imóveis para obter renda. Pergunta qual pode ser um bom negócio. Nunes levanta, então, uma possibilidade de alugar para agências da Caixa os supostos imóveis, aplicando um superfaturamento no valor dos aluguéis. Em lugar de seguir o padrão de remuneração do mercado, de aluguel de 0.6% a 1.0% sobre o preço final do imóvel, ele teria contatos para obter até 1.4%. A seguir, o diálogo:

Nunes ? Quer comprar uma agência da Caixa?
Agente ? Agência da Caixa?
Nunes ? Adquire um imóvel aí. Eu vou te dar 1.3 (por cento de rentabilidade) nesse aluguel, por um contrato de 5 anos. Te interessa?
Agente ? Da Caixa então também tem jeito?
Nunes ? 1.2, 1.3 (por cento)
Agente ? Você conseguiu para você isso?
Nunes ? Consigo o melhor negócio que é esse
Agente ? Contrato fechado, né?
Nunes ? Aluguel todo dia 30? Tem interesse nisso? Em agências de shopping ou outro local?
Agente ? Qualquer uma que dê para investir?
Nunes ? Você faz a proposta. Você vai ser o corretor e alguém, tua esposa, faz o contrato? Eu quero 2% de corretagem
Agente ? Tá. E a corretagem, eu deixo com você?
Nunes ? Isso. Te garante 1.3%, 1.4%
Agente ? Isso para você é mancada, né?
Nunes ? Mas eu não estou aparecendo? Eu tô fora, eu não existo

TERRENO NA BARRA, NO RIO, FOI COMPRADO POR 50% ACIMA DO VALOR DE MERCADO

Na série de diálogos entre o diretor Sérgio Nunes e os agentes da Kroll houve espaço para comentários do diretor sobre seus parceiros na chefia da instituição. Nunes se mostra particularmente impressionado com o ex-presidente José Fernando de Almeida, a quem considera ?muito vivo? e ligado ao ex-secretário Eduardo Jorge. Afastado da Funcef pelo presidente da Caixa, Emílio Carrazai, Almeida ficou famoso por tem ampliado espetacularmente seu patrimônio pessoal depois de comandar os negócios do fundo de pensão de seus colegas funcionários. Neste trecho, Nunes conta como Almeida coordenou a compra pela Funcef de um terreno avaliado em R$ 8,5 milhões por um preço 50% maior.

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Agente ? Esse tal de José Fernando (Almeida) é ex-diretor?
Nunes ? Não, o José Fernando era presidente, né? Foi presidente da Caixa e…
Agente ? Da Caixa também?
Nunes ? Foi diretor de habitação da Caixa, foi presidente da Caixa … José Fernando era muito ligado ao … Eduardo Jorge…
Agente ? Reza a lenda, né?
Nunes ? Inclusive, dizem aí que são sócios… eu já ouvi isso várias vezes… o José Fernando é muito vivo, né? … ele jogava sempre a responsabilidade nos outros, ele que encomendava e jogava a responsabilidade nos outros… uma vez teve um lance pitoresco… foi fazer uma operação na Barra, lá de um terreno
Agente ? Barra, no Rio?
Nunes ? É, aí eu.. eu olhei e eu vi que entrou em pauta, fui olhar o terreno, eu tinha saído da área imobiliária, sabia todos os valores do terreno, tudo.. mais caro que o (valor de mercado)… aí fui olhar, conversei com uns amigos meus do mercado, da engenharia da Caixa e me deram os valores, eram 14,5 milhões (de reais) que eles queriam pagar e o mercado sinalizava em oito e meio
Agente ? Cinquënta por cento a mais, 60% a mais?
Nunes ? É, aí eu fui pedir… fui pedir uma outra avaliação, eu disse que era caro, que era um absurdo… coisa e tal, o José Fernando levanta e diz assim: realmente, acho que isso nem foi negociado ainda… nem foi negociado, aí voltou, duas semanas depois estava doze milhões.

AS PRESSÕES DE EDUARDO JORGE SOBRE A FUNCEF PARA A COMPRA DA FERRONORTE

O diretor Eduardo Nunes se encontrou com pelo menos três agentes da Kroll nas negociações para a venda do Funcef Center. Durante essas conversas, discutiu vários assuntos ligados à administração do fundo, entre os quais a aquisição de 20% da ações da Ferronorte, do empresário Olacyr de Moraes. A compra aconteceu em julho de 1996. Na mesma ocasião, outros 40% da Ferronorte foram adquiridos pela Previ (fundo dos funcionários Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Sistel (Telebras). Os quatro fundos pagaram R$ 354 milhões pelas ações. Na gravação, Nunes insinua que o ex-secretário da Presidência, Eduardo Jorge, teria feito pressões sobre a Funcef para entrar no negócio.

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Agente ? ?E as relações políticas por trás disso (compras de participações da Funcef em empresas)? No tempo do Collor, os fundos de pensão eram loteados. PC (Paulo César Farias) tomava conta da metade e o PP (Pedro Paulo Leoni Ramos, ex-secretário de Assuntos Estratégicos) da outra metade
Nunes ? ?e depois passou pro Eduardo Jorge, que é o cara?
Agente ? Isso, Chefe da Casa Civil, né?
Nunes ? Estava no Palácio do Planalto e esse cara é que ditava?
Agente ? Mas ele tinha contato direto com o diretor financeiro, aí?
Nunes ? ?Alguma coisa tem? tem pressão de fazer, né? tem o interesse governamental de fazer o negócio?
Agente ? Por que essa história, enfim, do Eduardo Jorge sempre se comentou em outras situações, né?
Nunes ? Dizem que o Eduardo Jorge tinha indicado o presidente da Sasse (seguradora da Caixa), que era ele também que dominava o mercado imobiliário? às vezes tu cheira que é governo? Ferronorte por exemplo
Agente ? Quem foi a Ferronorte? Essa história eu não conheço … Você tem participação lá também, na Ferronorte?
Nunes ? Tenho (a Funcef tem) 20% (das ações)? do Olacyr, né?
Agente ? Ia dar na fazenda dele?
Nunes ? Isso, isso? inclusive, deputados do meu partido nos procuraram pra? num primeiro momento me falaram que o diretor financeiro (Luís Carlos Cazetta) brecava, porque não tinha acertado? depois o projeto saiu do patamar? houve uma pressão e houve? é? uma rapidez na tramitação do processo ? quando começa a andar muito rápido?
Agente ? Tem erro (risos)
Nunes ? Tem? pelo menos tu leva um processo um ano, oito meses
Agente ? Disso nosso processo não pode ser acusado, porque já tem três meses
Nunes ? Pô, três mesmo

O RISCO DA LAVAGEM DE DINHEIRO NUM PRÉDIO DE US$ 200 MILHÕES

O edifício Torre Norte, na zona sul, é um dos mais vistosos e modernos de São Paulo. Vale US$ 200 milhões. Seus 34 andares e 5 subsolos, repletos de equipamentos de segurança e inteligência, pertencem à Funcef. Tem sido alvo freqüente de ofertas reais de compra por parte de fundos de pensão americanos. O diretor Sérgio Nunes, numa das conversas com os agentes da Kroll, demonstra detalhado conhecimento do edifício e diz que havia na diretoria da instituição o receio de que acontecesse lavagem de dinheiro na hora do pagamento.

 

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Nunes ? Nós estamos com o nosso prédio (o Torre Norte) lá em São Paulo
Agente ? Parece que é o mais alto de São Paulo?
Nunes ? É o mais moderno. O mais alto parece que continua sendo o Palácio Itália?
Agente ? São 40 andares (o Torre Norte), né?
Nunes ? Trinta e quatro … Quarenta no total, mas são trinta e quatro de locação, cinco subsolos e um andar de máquinas e equipamentos … Então, tá 85% locado e o resto tá tudo em pré-contrato
Agente ? O preço do metro quadrado lá é …
Nunes ? Tá dando uma média de R$ 53 o metro
Agente ? R$ 53?
Nunes ? É
Agente ? Então tá com uma rentabilidade fantástica para vocês
Nunes ? E nós estamos vendendo … tem uma proposta para vender o prédio todo, 360 milhões, uma coisa assim
Agente ? De reais?
Nunes ? É. São 185, vamos calcular US$ 200 milhões para não fazer muito cálculo. São US$ 200 milhões. Ele custou para nós a metade
Agente ? Mas ainda existe espaço para negociação ou já tá fechado com alguém?
Nunes ? Não, não tá fechado… é complicado. Os bancos têm de fazer a custódia, tem toda aquela tramitação… Então, nós estamos preocupados, começa a lavagem de dinheiro, né?
Agente ? Com certeza… Existem situações no Brasil, né?
Nunes ? É?

PROMESSA DE LUCRO FABULOSOS NO TIRADENTES TOWERS, EM BELO HORIZONTE

Na gravação onde se encontra maior dificuldade de audição, o diretor Sérgio Nunes trata com os agentes da Kroll da venda do edifício Tiradentes Towers, em Belo Horizonte. Para vendê-lo, diz que o preço iria aumentar cerca de 2% ou 3%, sugerindo mais uma vez a cobrança de propina para intermediários e valor de avaliação 98% maior que o valor de aluguel de mercado.

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Nunes ? Aí é simples. É mandar a documentação? registra a escritura? por causa dos pagamentos
Agente ? Quem são os inquilinos, o senhor lembra algum de cabeça?
Nunes ? A Caixa tem três ou quatro andares?
Agente ? Pagam bem?
Nunes ? Pagam? Lá tão pagando alto, tá dando a rentabilidade, pelo valor da avaliação, tá dando 0.98 por mês
Agente ?? Ok
Nunes ? Sendo o que vocês pagarem é o valor de venda do prédio, né?? seiscentos (mil reais) que é o valor contábil, né?
Agente ? Valor de caixa?
Nunes ? Vai aumentar aí para 2%, três, mais ou menos
Agente ? A gente conta 98 (%) ao mês?
Nunes ? O cara põe 98 (%) sobre o valor da avaliação
Agente ? Certo, então isso acumulado, acho que vai dar um pouco mais
Nunes ? Capitaliza e dá 2.24? (por mês)
Agente ? Exatamente, então vai chegar a uma coisa em torno de 500%
Nunes ? É
Agente ? Excelente negócio