O ex-presidente Jair Bolsonaro teria recebido em mãos um terceiro conjunto de presentes durante uma viagem à Arábia Saudita em 2019 e guardado durante seu mandato em uma propriedade do ex-piloto e correligionário Nelson Piquet, no Lago Sul, em Brasília.

Para a Fazenda Piquet foi encaminhado um terceiro estojo de joias que ficou em posse de Bolsonaro após o fim do mandato, conforme revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo nesta terça-feira (27). O estojo inclui um relógio, uma caneta, abotoaduras, pingentes e um anel. O valor dos bens ultrapassa R$500 mil.

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Segundo o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), o caso pode configurar crime de peculato (apropriação de bens públicos) ou tributário pela entrada de bens privados sem a devida declaração e pagamento de impostos.

O papel de Piquet em possíveis crimes

Poderia o ex-piloto, caso sejam comprovadas ações criminosas por parte do ex-presidente, responder criminalmente perante a Justiça? Para o advogado e professor de direito penal do Mackenzie, Humberto Fabretti, essa resposta depende de uma série de fatores, principalmente se Nelson Piquet tinha conhecimento de que entre os objetos guardados estava o estojo de joias e se tinha conhecimento da ilegalidade do fato do ex-presidente ter ficado com essas joias. “Em caso positivo, isto é, de que Nelson Piquet tinha conhecimento da existência das joias e de sua ilegalidade, poderia incorrer sim em crime, eventualmente Peculato, Favorecimento Pessoal ou Favorecimento Real”, afirma o professor.

“Entendo que é possível que a postura do Nelson Piquet se comprovada ao permitir que Bolsonaro guardasse em seu sítio as joias não declaradas, seja enquadrada como uma conduta criminosa. Todo aquele que concorre para que um delito seja cometido, ao se comprovar o dolo (intenção), responderá pelo mesmo delito, em coautoria”, diz Jorge Luis Conforto, especialista em Direito Criminal, Processual e Penal.

Porém, segundo Conforto, o coautor, embora tenha o mesmo grau de envolvimento do autor, pode ter pena distinta, de acordo com o grau de participação e gravidade de seus atos para o crime. “Portanto, em caso de condenação, o ex-piloto deverá ter uma pena menor daquela que seria aplicada ao ex-presidente”, defende. “No meu entendimento, Piquet responderia pelos crimes de peculato e descaminho”, analisa.

O Advogado criminalista Davi Pereira Remedio acrescenta que, na eventual hipótese de que Bolsonaro tenha praticado um crime do qual Nelson Piquet não tenha participado, ainda assim o ex-piloto poderá ter praticado o crime de receptação, uma vez que tal delito se configura, entre outras hipóteses, pela ocultação, em proveito alheio, de coisa que sabe ser produto de crime.

“Por fim, na hipótese de, sendo considerada criminosa a conduta de Jair Messias Bolsonaro e não tendo Nelson Piquet participado da empreitada criminosa ou ‘ocultado’ as joias e demais bens, seria possível que sua conduta configurasse o crime de favorecimento real, o qual estabelece como conduta delituosa ‘prestar a criminoso, fora dos casos de coautoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime’”, defende Remedio.

Para Fabretti, não é possível nesse estágio de informações dizer se houve ou não irregularidade por parte de Piquet, mas é possível afirmar que as informações são suficientes para instauração de inquéritos policiais, cuja finalidade seria investigar profundamente os fatos para se poder atribuir ou não responsabilidade administrativa ou criminal.

Busca e apreensão

No entendimento dos advogados, a propriedade de Piquet, onde Bolsonaro escondia joias, pode ser alvo de busca e apreensão. Para o professor do Mackenzie, há a possibilidade de se determinar uma busca e apreensão pela autoridade que estiver investigando a eventual ilegalidade, pois a função dela seria a preservação do próprio objeto.

“Para que haja uma busca e apreensão na propriedade de Piquet, a Justiça deve fundamentar os motivos que ensejam a expedição de referido mandado. Somente uma decisão judicial é que autorizaria uma busca e apreensão na propriedade. No campo das hipóteses, com o intuito de obter provas para esclarecer os fatos investigados, ou até para localizar outros indícios de crime, entendo que é possível que seja deferida ordem de Busca e Apreensão na propriedade do ex-piloto”, complementa Conforto.

Presentes apreendidos e devolvidos

O governo Jair Bolsonaro já havia contrariado uma decisão de 2016 do Tribunal de Contas da União (TCU) quando buscou reaver um conjunto de joias dados de presente à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro pelo regime saudita avaliado em R$16,5 milhões. O pacote foi apreendido na Alfândega quando a comitiva do almirante Bento Albuquerque, ex-ministro das Minas e Energia, tentou entrar com elas no Brasil em 2021.

De acordo com o entendimento do Tribunal, todos os presentes recebidos em audiências oficiais com chefes de Estado são de propriedade da União. Na mesma decisão, a corte determinou que não cabe à Presidência da República interpretar a lei para definir o que é público ou privado. Outro presente, da marca Chopard e avaliados em R$ 800 mil, foram devolvidos pela defesa de Bolsonaro ao poder público por ordem do TCU.