DINHEIRO ? Para os jovens da geração Y é difícil entender como alguém pode dedicar tantos anos a uma só companhia. O que fez o sr. permanecer mais de 30 anos na Coca-Cola?

NEVILLE ISDELL ? Simplesmente, eu gostava do que fazia. Nunca foi meu plano ficar numa só companhia toda a minha vida. Aconteceu. Eu estava numa empresa onde realmente amava o que fazia e recebi contínuas oportunidades. Durante os anos, recebi propostas para fazer outras coisas em outras empresas. Mas, quando avaliava essas ofertas contra as oportunidades que tinha dentro da Coca-Cola, dizia não. 

 

DINHEIRO ? Na década de 1980, o diretor financeiro John Collins avaliou que a empresa estava exposta demais a mercados internacionais e deveria crescer mais nos Estados Unidos. Hoje, os mercados emergentes são os que mais puxam o crescimento da empresa. O que mudou nesse tempo?

ISDELL ? Fundamentalmente, ele estava errado. Essa afirmação foi feita num momento em que o dólar americano estava extremamente forte. Portanto, os ganhos vindos de países estrangeiros estavam em queda. Ele não achava que os investimentos eram bons. Collins estava muito errado. E isso mudou muito rapidamente. A força da Coca-Cola hoje está baseada numa estratégia completamente diferente da de voltar para os EUA. O foco está nos emergentes. 

 

DINHEIRO ? O sr. diz acreditar que, ?quando o Bom Deus criou o mundo, Ele fez a Coca-Cola em primeiro lugar e, em segundo lugar, a Pepsi?. Essa visão mística da Coca não é exagerada?

ISDELL ? Não, não é. Nossa marca é, fundamentalmente, importante para a força dos negócios. Todos os estudos e pesquisas que avaliam a percepção da Coca-Cola entre os consumidores e a percepção de qualquer outro concorrente mostram uma vantagem enorme para a Coca. Isso não é uma coincidência.

 

DINHEIRO ? O sr. trabalharia para a Pepsi em alguma hipótese?

ISDELL ? Não, eu jamais faria isso. Não conseguiria vestir a camisa da concorrência, porque não acredito no produto deles. Seria como atravessar a fronteira para o outro lado de um jeito que não é aceitável.

 

DINHEIRO ? Quando foi a última vez que o sr. tomou uma Pepsi?

ISDELL ? A última vez que eu bebi uma Pepsi foi em 1982, durante uma reunião com minha equipe de gerentes nas Filipinas. Foi um dia em que todos vestimos camisetas com o logo da concorrência e tomamos Pepsi. Havia propagandas da Pepsi decorando a sala, o que criava um ambiente em que nós éramos a Pepsi-Cola das Filipinas tentando descobrir como atacar a Coca-Cola. Esse é um método que usei para olharmos para nossas próprias fraquezas com a visão do concorrente. É interessante, porque as pessoas se abrem e fazem críticas sobre seus próprios negócios que não fariam numa situação cotidiana. 

 

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Beneficiária do programa Bolsa Família do governo federal

 

DINHEIRO ? A Coca-Cola é uma empresa icônica e ainda hoje o valor de sua marca (US$ 74,2 bilhões, segundo o ranking BrandZ) supera o de empresas de tecnologia, como a Apple e o Google. Como a Coca consegue manter esse status depois de 

tantos anos?

ISDELL ? Bem, o fundamental é que acreditamos integralmente na marca. E essa é uma marca que basicamente espalha alegria pelo mundo. A Suprema Corte americana uma vez fez um pronunciamento dizendo que ?a Coca-Cola é algo decente produzido de forma honesta?. A integridade e os valores da companhia não mudaram em 127 anos e isso é importante. 

 

DINHEIRO ? Em 1999, quando a Coca passava por dificuldades financeiras, mais de cinco mil pessoas foram demitidas, mas o sr. diz que as demissões não foram bem executadas e elas abalaram o moral da empresa. É possível mandar tanta gente embora sem parecer um ?exercício de corte de cabeças??

ISDELL ? Acho que sim. Um exercício de cortar cabeças é errado. O que se tem que fazer é reduzir trabalho. Porque é redesenhando como se faz as coisas que se sabe qual trabalho não se necessita mais. O resultado é que as pessoas perdem seus empregos. A única maneira de fazer isso apropriadamente é reduzindo o trabalho e é quando você consegue diminuir o número de empregados sem ter um efeito negativo na forma como a empresa opera, com exceção do moral. Porque demissões em massa sempre afetam negativamente o moral. O que a Coca fez em 1999, na minha visão, não foi cortar trabalho. Tanto que a empresa teve de contratar prestadores de fora para fazer aqueles trabalhos, então o custo não sumiu. Foi uma redução efetiva de cabeças, mas não de custos de produção.

 

DINHEIRO ? O sr. diz que o ?Manifesto para o Crescimento? foi o que cimentou a revitalização da Coca-Cola a partir de 2004. Como os empresários podem adaptar essa ideia para seus negócios?

ISDELL ? Acredito que as pessoas subestimam o grau em que os funcionários que trabalham numa organização sabem o que há de errado com ela. O processo de elaboração do manifesto envolveu muitas pessoas. O ponto de partida é identificar quais são os problemas. Os funcionários eram parte desse processo de tomada de decisão. A lição que fica é: se você puder, tente envolver e engajar o maior número possível de pessoas, em vez de contratar uma consultoria externa. Terceirizar a função de repensar as estratégias da empresa seria uma forma não muito adequada de resolver os problemas.

 

DINHEIRO ? O sr. diz em seu livro que o capitalismo é a forma mais poderosa de ajuda estrangeira. Como governos e empresas podem trabalhar juntos para melhorar a vida das pessoas?

ISDELL ? O que podemos fazer é basicamente olhar para as barreiras que travam a abertura de oportunidades para que empreendedores individuais e negócios possam prosperar. A primeira vez que fui ao Brasil foi durante o governo militar, nos anos 1960, e é impressionante o progresso que o País teve ao abrir sua economia, encorajando os empresários a investir, criando empregos e tirando as pessoas da pobreza. O Bolsa Família foi parte disso também. O governo pode ter políticas para ajudar os menos privilegiados, sem deixar de abrir sua economia.

 

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Caminhão americano com refrigerantes da Pepsi

 

DINHEIRO ? O sr. teve desentendimentos com alguns executivos da Coca-Cola durante sua carreira e chegou a dizer que o ambiente na matriz em Atlanta era ?altamente tóxico?. Isso é algo exclusivo da Coca ou é comum a todas as grandes corporações?

ISDELL ? Isso é comum a todas as organizações que se possa imaginar, não só empresas. Acontece em governos e até em conselhos escolares. A questão é que, quando lidamos com seres humanos e poder, liderança, estratégia e relações interpessoais são elementos que podem fazer as coisas saírem do controle. 

 

DINHEIRO ? Como surgiu a ideia da Coca Zero? O lançamento dela foi seu maior triunfo como CEO?

ISDELL ? De um ponto de vista de marca, sim, com certeza. Na verdade, antes de ter desenvolvido o sabor de uma nova bebida diet, tínhamos um excelente nome para ela: Coca Zero. Foi a formulação do produto, que utiliza o mesmo xarope da Coca-Cola clássica com os melhores adoçantes artificiais disponíveis em cada país, que fez da Coca Zero um sucesso. 

 

DINHEIRO ? Na sua avaliação, qual foi o pior erro de marketing que a Coca-Cola já cometeu?

ISDELL ? Sem dúvida, foi lançar a New Coke (uma versão mais doce do que a original), em 1985. No fim, esse erro foi transformado em benefício, porque impulsionou as vendas da Coca tradicional, mas não era esse o objetivo. Não há dúvida de que essa história será contada durante séculos como os piores erros já cometidos pelas grandes corporações. Mas o maravilhoso nisso foi que a companhia, depois de seis semanas, percebeu que precisava mudar. Esse produto poderia ter destruído a Coca. As pessoas que estavam no comando na época tiveram a coragem necessária para recuar depois de apenas seis semanas.

 

DINHEIRO ? O sr. diz achar injusto culpar a indústria de bebidas pelo aumento da diabetes e da obesidade no mundo. Por quê?

ISDELL ? Esse é um problema multifatorial do qual os refrigerantes são apenas uma parte, e uma parte pequena. Digo isso porque temos opções. A Coca Zero é uma, a Diet Coke é outra. Oferecemos opções de zero caloria. Não é como se os refrigerantes fossem apenas bombas calóricas, eles não são. Então, quando as pessoas jogam toda a culpa na indústria de bebidas, é uma injustiça. 

 

DINHEIRO ? Os vídeos e as campanhas virais críticos a empresa que fazem sucesso nas redes sociais incomodam a Coca de alguma maneira?

ISDELL ? Sim e não. Porque há algumas campanhas que têm efeitos positivos para a Coca-Cola, nem tudo é negativo. Temos milhões de fãs no Facebook. Agora, sempre temos que nos preocupar, porque muita informação que circula por aí é imprecisa. E temos que responder adequadamente. 

 

DINHEIRO ? Por que existe tanto mito em torno da fórmula secreta da Coca-Cola?

ISDELL ? Porque é algo muito importante. Essa é provavelmente uma das fórmulas mais especiais do mundo. Portanto, ela é muito bem protegida, como deveria ser.

 

DINHEIRO ? O sr. não teve acesso a ela nem quando era CEO?

ISDELL ? Não, só as pessoas que a manipulam sabem. Não havia motivo para eu conhecê-la. Não sei a fórmula, juro, mas conheço os ingredientes.