DINHEIRO ? Por que o Brasil não conseguiu crescer acima da média de 3% ao ano, na última década? 

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS – Nós, brasileiros, deveríamos estar muito satisfeitos. Se tomarmos o Plano Real como base, temos 18 anos de crescimento continuado. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criou as condições para crescermos, e o Lula mexeu um pouco na dinâmica de crescimento, distribuindo mais. Na época do FHC, 60% da população era formada pelas classes de menor renda e hoje 60% são as classes mais altas. Nessas quase duas décadas, o Brasil teve claramente, pela primeira vez na história, um período longo de crescimento. Do ponto de vista político, chegamos a um país mais justo, e mais equilibrado do ponto de vista econômico. 

 

DINHEIRO ? Mas não estamos satisfeitos, pois nos comparamos a outros emergentes…

MENDONÇA DE BARROS ? Essa sensação de copo meio cheio, meio vazio vem de uma taxa de crescimento média, desde 1994, de 3% ou 3,2%. Se olharmos para o período de 2011 a 2020, há uma projeção de crescimento médio de 3,5%. Mas alcançando uma renda per capita bastante razoável, que já coloca o Brasil num grupo de economias realmente de classe média.

 

DINHEIRO ? Mas andamos mais devagar que outros países emergentes?

MENDONÇA DE BARROS ? Divido o mundo emergente em duas categorias. As cigarras e as formigas. As formigas são as sociedades com vida mais dura para alcançar a satisfação do cidadão. E uma das características básicas da sociedade de formiga é que não há uma cobertura social e seus membros são obrigados a poupar para sustentar sua velhice. De modo que nesses países há taxas de poupança muito altas. Na China é 40%, na Coreia, 35%. No Brasil, temos uma taxa de poupança de 17% ou 18%. Nós somos uma sociedade cigarra. O brasileiro não gosta de vida de muitos sacrifícios. O Estado garante uma cobertura social que permite uma vida um pouco mais folgada que a de outras sociedades.

 

DINHEIRO ? Isso tem a ver com as condições do Brasil, que desfruta de uma abundância de recursos naturais?

MENDONÇA DE BARROS ? Mas é claro. O chinês tem uma vida duríssima, trabalha muito mais do que a gente, o Estado poupa bastante, não tinha cobertura social até agora. E um país que poupa tem capacidade de investimento muito maior do que aqueles que não poupam. Nós não somos poupadores, somos consumidores. Há, ainda, no Brasil restrições ao crescimento que poderiam ser mudadas. Há demanda imensa para infraestrutura. O setor privado poderia fazê-lo, mas o governo não deixa, com raríssimas exceções. Haveria como aumentar investimento se o governo não permitisse que questões políticas e ideológicas tratassem com má vontade o setor privado.

 

DINHEIRO ? A presidenta Dilma não parece ter essa restrição…

MENDONÇA DE BARROS ? Ela já atravessou uma fronteira. Mas ainda há um tabu na privatização. Por que nos aeroportos tem de ficar 49% de ações com a Infraero? Não faz sentido. 

 

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Movimento de passageiros no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo.

 

DINHEIRO ? Qual é o crescimento ideal?

MENDONÇA DE BARROS ? O governo diz que precisamos crescer 5%, temos então um menu de coisas a serem feitas. Não podemos ter 35% de carga tributária. E, para reduzi-la, primeiro o governo precisa diminuir os gastos. Ele perdeu uns cinco ou seis anos em que houve crescimento de arrecadação bastante acima da inflação e gastou tudo. Quer mudar? Então temos de debater. O dilema brasileiro é esse. Fico incomodado com essa discussão, como se fosse uma decisão do governo crescer 3% ou 5%. Não é. É uma decisão que vem de uma reforma ampla. Temos de sentar e conversar com a sociedade. O Brasil não pode ter o gasto em viagem internacional que tem hoje, caso deseje crescer mais. Tudo bem, é uma decisão da sociedade ir a Miami, etc. Mas, a partir desse momento, temos de aceitar que teremos crescimento baixo. E, mesmo assim, se crescermos 3% ao ano, na década toda, vamos chegar a US$ 17 mil ou US$ 18 mil de renda per capita. Em 1994, era de US$ 3,4 mil e hoje ela é de US$ 12,6 mil.

 

DINHEIRO ? As desonerações de folha não são importantes?

MENDONÇA DE BARROS ? O governo reduz impostos de um lado e aumenta de outro. Mas temos de reduzir a carga total de impostos. Os impostos que não prejudicam o crescimento econômico permitem uma carga tributária de 24% a 25% do PIB. Dá para continuar como estamos? Dá. A presidenta dá sinais importantes, não quer mexer no superávit primário, o Tesouro sinalizando que teremos dívida versus PIB de 30% dentro de oito anos ? o que nos colocaria com nota de risco AA, num mundo sem duplo A.

 

DINHEIRO ? O empresariado se queixa da concorrência dos importados. Eles estão certos, quando se sabe que as importações cobrem o que o setor privado não consegue suprir?

MENDONÇA DE BARROS ? O setor privado não quer abrir mão de vantagens e está acostumado a ser protegido, há 200 anos. Suas lideranças não querem fazer rupturas. Daí vão-se fazendo arremedos de proteção. Veja a Argentina. Eles estão morrendo por causa dessas políticas protecionistas. 

 

DINHEIRO ? O Plano Real foi uma ruptura. Não deveríamos estar na iminência de uma nova ruptura para avançar no atual modelo?

MENDONÇA DE BARROS ? Mas, no caso do Real, a inflação precisou chegar a 40% ao mês para existir essa ruptura. Hoje nós estamos crescendo. Por que a presidenta tem 80% de aprovação? É só ir ao aeroporto agora. O brasileiro está feliz. Difícil fazer uma ruptura porque a sociedade olha sempre pelo espelho retrovisor, enquanto a liderança precisa olhar para o futuro. Como você chega para um cidadão e diz para ele: ?Você não vai mais para Miami.? Ele não quer. Precisamos entender a armadilha em que a presidenta está. Ela é mandatária quando o sentimento de bem-estar é altíssimo. 

 

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Operária chinesa em fábrica na cidade de Binzhou.

 

DINHEIRO ? Há riscos de o País não cumprir a agenda mínima de crescimento?

MENDONÇA DE BARROS ? Vai cumprir. A Europa não vai implodir e a China voltará a crescer. E, quando chegar no fim do ano, a renda do brasileiro continuará crescendo. Tudo isso leva a uma taxa de crescimento um pouco mais alta, porque a atual é baixa, mas sempre há uma compensação na sequência. 

 

DINHEIRO ? O que o Brasil precisaria fazer nestes dez anos para assegurar o momento posterior a 2020? 

MENDONÇA DE BARROS ? Me preocupa a perda de eficiência. E um item absolutamente necessário é não ter 35% de impostos. Precisa trazer para um patamar próximo de 25%. Não precisa fazer de uma vez, mas ao longo de uma década. Seria uma revolução. 

 

DINHEIRO ? Se a carga for reduzida, o setor privado responde rápido?

MENDONÇA DE BARROS ? Sim. O problema é que alguns setores estão estagnados por muito tempo. O protecionismo leva a isso. Como você pode ter um caminhão que custe duas vezes e meia a mais do que em outros países? A energia elétrica é mais cara que nos EUA. Tem que olhar essas distorções, porque, se não se der à indústria condições de competir, ela vai pedir proteção mesmo. E a presidenta, acredito, não fará mudanças estruturais nos próximos dois anos. Só o fato de não estragar a política atual já é bom. Mas o grande encontro dela com a história será no próximo mandato. Quando as coisas estiverem mais maduras, o debate já estará mais claro. 


DINHEIRO ? O sr. já dá como certo que ela terá um segundo mandato?

MENDONÇA DE BARROS ? Sim, por que não?

 

DINHEIRO ? Mas não há lideranças de oposição que possam fazer isso?

MENDONÇA DE BARROS ? Mas, se a economia crescer 4,5%, como você vai tirá-la de lá? Quando um presidente está no comando de um período de vida boa, ele é reeleito, em qualquer país do mundo. Este e o ano que vem serão os de menor crescimento do período. Acho que 2013 e 2014 serão de crescimento até acima da média. 

 

DINHEIRO ? Até o fim do ano a inadimplência será controlada, permitindo que a queda de juro chegue na ponta?

MENDONÇA DE BARROS ? Sim, vai. E ainda tem o seguinte: a massa salarial está crescendo 12% ao ano. A inflação deste mês será zero. Ou seja, a cesta média de consumo do brasileiro não vai aumentar de preço. Ele está segurando o ímpeto de comprar um pouco, mas tudo vai voltar ao normal.

 

DINHEIRO ? O emprego será afetado?

MEDONÇA DE BARROS ? Não, o Brasil ainda vai gerar um saldo líquido de um milhão de empregos neste ano. Haverá correções, como na construção civil, mas, ainda assim, a massa salarial está crescendo. Onde mais tem isso? Com tudo mais constante, a lógica é que ela seja reeleita. E se terminar 2013 crescendo 4,5%, como eu acho que vai terminar, como vai tirar a mulher de lá? Nem o Lula tira.