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SEM COMPRADOR: A tela La fille de l’artiste à deux ans et demi avec un bateau, de 1938, foi oferecida na Sotheby’s. Ninguém quis pagar entre US$ 16 milhões e US$ 24 milhões.

 

Há três anos, no dia 3 de maio de 2006, após um leilão de arte que havia rendido US$ 180 milhões, o presidente da Christie’s América, Christopher Burge, saiu-se com uma frase que definiu bem aqueles tempos. “O mercado está enlouquecido”, disse o executivo no calor das batidas do martelo. Eram, de fato, tempos loucos. Na mesma época, a casa de leilões Sotheby’s pôs à venda o quadro Dora Maar au Chat, de Pablo Picasso, por US$ 50 milhões. Recebeu quase o dobro, alcançando US$ 95,2 milhões.

 

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O quadro Mousquetaire à la pipe (acima), de 1968, foi vendido por US$ 14,6 milhões

 

As cifras milionárias pagas por telas de grandes mestres da arte serviam de espelho para o momento da economia. Hoje não é diferente. Só que o reflexo é inversamente proporcional ao do passado. Tanto é que no início de maio, na abertura dos grandes leilões das respeitadas Christie’s e Sotheby’s, quadros de Pablo Picasso, antes considerados barbadas, chegaram a encalhar.

A tela La fille de l’artiste à deux ans et demi avec un bateau, de 1938, foi oferecida na Sotheby’s por um preço estimado entre US$ 16 milhões e US$ 24 milhões, mas ninguém se arriscou. “Os quadros antes eram vendidos por qualquer preço”, diz Soraia Cals, dona da galeria de arte que leva o seu nome. “Agora as coisas estão voltando à realidade”, explica.

 

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nova realidade: Empresas de leilões como a Christie’s (acima) e a Sotheby’s viram o faturamento cair.

 

Antes, a efervescência do mercado era alimentada por bilionários asiáticos, russos e americanos. Para essa turma, não importava que tipo de obra estava à venda, a única exigência era ter uma tela com uma assinatura de respeito. Nesse sentido, o cheiro da tinta de Picasso em um quadro funcionava como as gotas de Chanel Número 5 no corpo de Marilyn Monroe. Mas o poder de sedução começou a definhar na medida em que, de acordo com estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), o mundo perdeu US$ 4,1 trilhões nas bolsas de valores.

Os homens mais ricos da Rússia, por exemplo, tiveram 73% de suas fortunas dilaceradas no embalo da crise do subprime. Se antes Moscou possuía 110 bilionários, hoje apresenta apenas 32. Não há, portanto, mais espaço para lances insanos de compradores afoitos em ostentar milhões de dólares nas paredes por puro capricho. O leilão da Christie’s, realizado um dia depois das vendas da Sotheby’s, comprova a nova realidade do mercado de arte.

O quadro Mousquetaire à la pipe, de 1968, com valor estimado em até US$ 18 milhões, foi vendido por US$ 14,6 milhões. Já a tela Femme au chapeau, de 1971, saiu por US$ 7,75 milhões – menos do que a estimativa inicial de US$ 8 milhões. Além da falta de compradores, há um outro fator que ajuda na queda dos preços. “Muita gente que perdeu dinheiro está se desfazendo das obras de arte”, diz Eduardo Stadnik, consultor e especialista em leilões. “Com isso, sobram mais telas no mercado.” Ou seja, esse é um dos melhores momentos para quem pretende comprar obras por valores bem menores. “É um momento maravilhoso, com grandes oportunidades. Com certeza, quem comprar vai ganhar”, diz Stadnik, avaliando o mercado com racionalidade.