05/11/2008 - 8:00
ALGUNS EMPRESÁRIOS surpreendem por suas tacadas ousadas no segmento industrial ou na área financeira. O alemão Ferdinand Piëch, presidente da Porsche, tem um lugar cativo nessa galeria. Afinal, de uma só vez ele conseguiu sacramentar o controle da compatriota Volkswagen e dar uma rasteira em quem tentou usar as ações dessa companhia para lucrar com manobras especulativas de short selling (venda a descoberto de um papel). Bastou o anúncio de que a Porsche pretendia ampliar a fatia de controle da Volks, de 74,1% para 75%, usando suas opções de compra de ações, para que o pânico se instalasse na Bolsa de Frankfurt (Alemanha). Os investidores ficaram com medo de não conseguir papéis para liquidar suas posições no mercado futuro e saíram comprando. Resultado: a cotação dos papéis da Volks atingiu a estratosfera (ver gráfico), batendo ? 1.005,01, na manhã da terça-feira 28. Com isso, a montadora se tornou, por alguns segundos, a empresa mais valiosa do planeta: US$ 370 bilhões – superando a americana ExxonMobil (US$ 343 bilhões). Fato curioso, já que o setor automotivo vive uma grave crise que coloca em xeque a sobrevivência de potências como a General Motors. A súbita promoção da Volks expõe o grau de irracionalidade que tomou conta dos agentes financeiros. O porta-voz da Porsche defendeu a postura da companhia e recusou as insinuações de que Piëch teria agido de má-fé. Prova disso, segundo a fonte, foi a venda de cerca de 5% das opções de ações em poder do empresário com o objetivo de ampliar a liquidez do mercado.
Polêmicas à parte, o certo é que Piëch vem construindo uma bem-sucedida estratégia de aquisição da Volks desde 2006. Pagou entre US$ 64 e US$ 190 pelos papéis da empresa que hoje são cotados em cerca de US$ 500. Além dos dividendos financeiros, o empresário assume a Volks em um de seus melhores momentos. No acumulado janeiro-setembro, o lucro operacional da montadora cresceu 28,5%, para US$ 6,3 bilhões. A manobra também garante o futuro da Porsche. A pressão de ecologistas fez com que a União Européia aumentasse as restrições de emissão de poluentes, em especial o dióxido de carbono (CO2). A partir de 2012 a frota de cada fabricante não poderá emitir mais que 120 gramas de CO2 por quilômetro. A fusão com a Volks ajuda a diluir as emissões dos bólidos esportivos, beberrões e poluidores fabricados pela Porsche. “Isso sem contar o acesso a um dos mais ricos acervos tecnológicos do planeta”, destaca um especialista do setor que pediu para não ser identificado.
Mesmo assim, o caminho percorrido por Piëch tende a ser tortuoso. Seu maior desafio é unir duas culturas quase antagônicas. Enquanto a pequena Porsche é ágil e atua com clientes endinheirados, a Volks possui um portfólio extenso e se rege por um manual corporativo sui generis. Um representante dos funcionários, por exemplo, participa da reunião do conselho que define o plano estratégico. Além disso, o Estado da Baixa Saxônia detém 20% do negócio. Quando presidiu a montadora, nos anos 1990, Piëch não conseguiu fazer as mudanças necessárias para torná-la mais flexível. A diferença é que agora ele tem 75% das ações da Volks e já mostrou que é capaz até mesmo de fazer o mercado acionário tremer.