Recentemente, um consultor parceiro nos procurou comentando que estava assessorando um cliente na venda de 100% de uma empresa. Segundo ele, tratava-se de uma operação simples, direta, já acertada entre as partes. A dúvida era se nós, advogados especializados em fusões e aquisições (M&A), poderíamos contribuir de alguma forma naquele processo que, à primeira vista, parecia resolvido.

Situações como essa são mais comuns do que se imagina. Transações consideradas simples frequentemente escondem riscos relevantes, principalmente para o vendedor, que muitas vezes não está familiarizado com os desdobramentos jurídicos, fiscais e contratuais envolvidos em uma venda societária.

O papel do advogado de M&A não se limita à elaboração de documentos: envolve estruturar a operação com segurança, proteger os interesses do cliente e antecipar questões que podem comprometer o fechamento do negócio ou gerar prejuízos futuros. A atuação começa, geralmente, na fase de elaboração do Memorando de Entendimentos (MOU), documento preliminar, em regra não vinculante, mas que costuma servir de base para todas as tratativas seguintes. É nesse momento que se estabelecem pontos fundamentais como os critérios de valuation, os mecanismos de ajuste de preço (por capital de giro, endividamento ou outros parâmetros), a estrutura da operação, os prazos para due diligence e fechamento, e a eventual concessão de exclusividade ao comprador.

Ainda, é nessa etapa inicial que podem ser avaliadas alternativas de estruturação fiscal, visando reduzir a carga tributária sobre o ganho de capital, especialmente no caso de pessoas físicas. Muitas dessas soluções exigem reestruturações societárias anteriores à venda, o que reforça a importância de uma análise antecipada.

Com o MOU assinado, inicia-se a fase de due diligence, normalmente conduzida pelo comprador, mas que também exige atenção e atuação técnica por parte do vendedor. Os advogados ajudam os clientes na organização dos documentos a serem compartilhados, orientando sobre o que é relevante e o que, eventualmente, deve ser protegido por sigilo, com respaldo jurídico. Também realizamos uma análise prévia de contratos relevantes da empresa, pois muitos deles contêm cláusulas que podem ser impactadas pela mudança de controle societário, como vencimentos antecipados, exigência de consentimento de terceiros ou restrições à cessão de posição contratual. Isso é comum, por exemplo, em contratos de financiamento, locação, fornecimento e parcerias estratégicas.

Superadas essas etapas, passamos finalmente à redação e negociação do contrato de compra e venda, o chamado SPA (Share Purchase Agreement). Este é o documento central da operação e seu conteúdo técnico exige um olhar minucioso. Um dos pontos mais sensíveis diz respeito à cláusula de indenização, que determina em que situações o vendedor poderá ser responsabilizado por passivos anteriores à venda (como, por exemplo, contingências fiscais, trabalhistas, ambientais ou cíveis). A forma de redigir essa cláusula, os limites de valor e prazo, e a definição dos eventos que geram obrigação de indenizar são questões que podem impactar diretamente o resultado financeiro da operação.

Outro aspecto de alta relevância são as declarações e garantias prestadas pelo vendedor no contrato. Trata-se de afirmações sobre o estado da empresa (por exemplo, se há ou não processos judiciais, se os tributos estão pagos, se os contratos estão válidos, entre outras). Essas declarações, embora muitas vezes padronizadas, precisam ser ajustadas à realidade da empresa e aos riscos efetivos da operação, sob pena de se tornarem fonte de litígios pós-venda. A depender da forma de pagamento acordada entre as partes, também é comum a necessidade de estruturação de garantias contratuais. Caso o valor seja pago em parcelas, o vendedor pode exigir a constituição de garantias que assegurem o recebimento futuro. Por outro lado, o comprador pode negociar a retenção de parte do preço (holdback ou escrow) para fazer frente a eventuais indenizações decorrentes do contrato.

Além disso, o contrato costuma prever condições precedentes ao fechamento, ou seja, exigências a serem cumpridas antes da transferência definitiva da empresa, como regularizações documentais, quitação de passivos ou obtenção de autorizações específicas. A definição clara dessas condições, bem como os efeitos de sua não concretização, evita disputas e assegura previsibilidade às partes. Por fim, muitos contratos estabelecem cláusulas de ajuste de preço com base em balanço de fechamento ou indicadores financeiros auditados. A correta redação desses mecanismos é essencial para que reflitam a realidade da empresa e não sejam distorcidos por interpretações contábeis divergentes.

Como se vê, mesmo quando uma venda parece simples, direta e sem arestas, há uma série de cuidados técnicos e negociações que precisam ser conduzidos com atenção. A assessoria jurídica em M&A é, antes de tudo, uma atividade de gestão de riscos e de proteção de interesses, seja para evitar perdas financeiras, seja para assegurar que as condições acordadas sejam efetivamente cumpridas. A venda de uma empresa representa, muitas vezes, o desfecho de anos de trabalho, dedicação e construção de valor. Por isso, ela não deve ser tratada apenas como uma transação comercial, mas como um momento estratégico, que exige preparo, técnica e acompanhamento jurídico qualificado.

A experiência mostra que a venda bem-sucedida não é aquela que termina na assinatura do contrato, mas aquela em que as partes saem protegidas, com clareza de direitos e deveres, e sem litígios futuros à vista, e é isso que deve ser buscado mesmo nas operações aparentemente mais simples.

*Guilherme Roxo é sócio do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, no Rio de Janeiro