A Nestlé cansou de perder mercado e decidiu arregaçar as mangas. Primeiro, agiu em silêncio, arrumando a casa: nos últimos três anos, sem nenhum alarde, fechou fábricas, demitiu cerca de mil funcionários e operou uma grande reorganização interna. Agora, quer fazer barulho. Até o final do ano, a multinacional suíça, que já foi soberana no setor de alimentos, deve investir R$ 130 milhões na modernização de fábricas e no sistema de distribuição no País. Outra bolada, cujo valor ainda mantém em sigilo, será aplicada na imagem da companhia, envelhecida e combalida pela ação de novos concorrentes. O estrago, nos últimos anos, foi grande na filial brasileira, que fatura por ano R$ 3,3 bilhões. Só no setor de leite condensado sua participação caiu à metade. De um patamar de 100% há uma década, hoje a Moça possui 48%. ?Posso adiantar que reforçaremos os segmentos em que a perda de participação é maior?, afirma à DINHEIRO Ricardo Gonçalves, presidente da empresa no País, em uma de suas raras entrevistas e a primeira em que ele trata desse período crucial na história da Nestlé. Assim, além do Leite Moça, marcas outrora líderes como biscoitos São Luiz e Nescafé receberão atenção especial.

Torpor. A dimensão da perda de mercado da Nestlé mostra bem a força da concorrência. No setor de biscoitos, segundo dados da AC Nielsen, a companhia detinha, em 1997, uma parcela superior a 19%. Nos anos seguintes, a participação caiu para os atuais 16%. Esse mercado movimenta mais de R$ 4 bilhões anuais, dos quais ela e outras quatro grandes indústrias (Danone, Nabisco, Bauducco e Parmalat) disputam 50%. O restante é dividido entre mais de 200 empresas espalhadas pelo País. ?Estamos revendo a forma de comercialização e identificando algumas lacunas na estrutura de vendas?, adianta o presidente. O setor de café solúvel é um exemplo. Embora mantenha a fatia de 75%, vai longe o tempo em que o Nescafé tinha 90% de participação. ?É um mercado problemático, pois continua representando apenas 8% do setor de café em geral?, avalia Gonçalves.

O executivo está pilotando uma revolução na subsidiária brasileira desde 1997. O processo incluiu medidas drásticas, como o fechamento de cinco das 26 fábricas. As unidades de Três Corações (MG), Nova Venécia (ES) e Calciolândia (SP) fecharam as portas. As outras duas, na capital paulista, tiveram os equipamentos transferidos para a fábrica do Rio. No total, foram demitidos aproximadamente mil funcionários. ?Não podíamos fazer mudança na base do canetaço. Elas foram graduais?, diz, tentando explicar a forma como as demissões ocorreram. Outras ações foram implementadas, virando de cabeça para baixo a estrutura da filial brasileira. Entre elas, a integração das unidades de negócios, a unificação de vendas e a reorganização da distribuição.

Gonçalves reconhece que as transformações vieram tardiamente. ?Prefiro não falar no passado, mas havia um torpor na percepção mercadológica?, afirma. Na lista de mudanças, ele deu atenção especial à revisão de preços dos produtos, principalmente os da faixa premium. Para os analistas do mercado, esse foi um grande passo no sentido de arrumar a casa da Nestlé. No passado, a diferença de preços com os concorrentes alcançava até a marca de 25%. ?Precisamos de preço competitivo e custo compatível?, afirma.

A estratégia de Gonçalves deu certo em segmentos como o de refrigerados, que movimenta no País cerca de R$ 2 bilhões. De 1998 para cá, elevou sua parcela de 23,7% para 24,3%. As boas notícias animaram os executivos da empresa a apostar no reforço da imagem institucional da companhia. Campanhas explorando temas como ?Nossa vida tem você? já estão na praça, num movimento inédito da subsidiária brasileira, que, tradicionalmente, dirigia as suas ações de marketing à divulgação de produtos. ?Queremos estimular o cliente a valorizar a marca Nestlé?, afirma o presidente.