15/08/2014 - 20:00
A Copa do Mundo rolava a todo vapor nas 12 cidades-sedes, em junho deste ano. Os fãs de futebol desfrutavam dos bons jogos transmitidos pela tevê e se reuniam com os amigos e familiares para torcer pelo Brasil. Mas, para alguns clientes da paulistana Netshoes, o maior site de comércio eletrônico especializado em artigos esportivos do mundo, o período trouxe uma surpresa a mais do que os resultados dos jogos e os lances protagonizados pelos craques em campo. A companhia enviou a cada um deles uma embalagem, não solicitada, com um visual estilizado e trazendo a inscrição “Viva o futebol como nunca”.
No interior da caixa estava uma bola oficial da Copa, fabricada pela Adidas, e uma camisa da Seleção Brasileira, com o nome ou mesmo o apelido do cliente gravado nas costas da amarelinha da Nike. Não se tratava de um presente ou um prêmio por compras passadas. Na verdade esse grupo piloto estava servindo de cobaia para uma inovadora estratégia da Netshoes, fundada em 2000 pelo paulistano de origem armênia Márcio Kumruian e que já fatura R$ 1,3 bilhão ao ano. Juntamente com os produtos vinha uma cartinha com instruções. O consumidor poderia ligar para efetivar ou descartar a compra dos itens.
Ou então aguardar um telefonema da empresa, que também perguntaria se ele gostou da experiência. A reação, para os mais entusiasmados com a surpresa, foi postar fotos e vídeos nas redes sociais do momento de abrir a caixa. Outros preferiram declinar educadamente da oferta. E, no caso mais extremo, houve quem, ao receber a ligação da empresa, disse que não tinha recebido nada e que se alguém fosse até a sua casa buscar as embalagens não teria uma recepção amistosa. “Tivemos aceitação em duplo dígito em relação aos envios”, afirma Juliano Tubino, executivo-chefe de marketing da Netshoes.
“Aplicamos muita ciência para essa iniciativa dar certo. Cometemos erros e acertos.” Tubino não revela, nem mesmo sob tortura, o índice preciso de conversão de vendas, pois, afinal, para o negócio de compras online, todos os indicadores de sucesso de táticas de marketing são tratados como segredo de estado. No balanço final, a experiência foi considerada positiva. “Passamos a conhecer ainda melhor nossos clientes e os comportamentos de diferentes públicos”, diz o executivo. “Percebemos que alguns perfis de consumidor estão muito abertos a esse tipo de iniciativa inovadora no País.”
Agora, a Netshoes estuda como continuar fazendo ofertas do tipo, conhecido como venda preditiva. Esse modelo de atuação é inédito no comércio eletrônico mundial. “A Amazon indicou que pode fazer isso, mas não começou até agora”, diz Tubino, que veio da empresa americana para a Netshoes em dezembro do ano passado. Ao adotar essa prática no Brasil, a empresa precisou levar em consideração algumas particularidades locais. Para trazer retorno do investimento, por exemplo, as vendas preditivas, no Brasil, precisarão ter um índice de conversão extremamente alto, por causa dos custos logísticos locais, que podem ser duplicados com a necessidade de ir retirar o produto na casa do cliente, em caso de recusa da oferta.
“Também temos de levar em conta a cultura desconfiada do brasileiro”, afirma o executivo de marketing. O pé atrás faz sentido. É quase impossível encontrar um correntista de banco que não tenha recebido em casa um cartão de crédito não solicitado, e geralmente indesejado. Essa prática, por sinal, foi condenada pelo Superior Tribunal de Justiça, que decidiu ser passível de pagamento de indenização ao cliente. Nos Estados Unidos, a revelação de que a Amazon poderia adotar a venda preditiva foi recebida com curiosidade pelos analistas de varejo. Mas o modelo que deve ser adotado pela empresa de Jeff Bezos tende a ser bastante diferente do desenhado pela Netshoes.
Em janeiro, foi descoberto que a companhia registrou uma patente nos Estados Unidos para “envio antecipatório”. Segundo o texto, a Amazon pretende alocar seus produtos de acordo com indícios como “buscas e compras prévias, listas de desejo, e por quanto tempo o cursor do mouse ficou em cima de um item online”. Apenas esses sinais de interesse seriam suficientes para a empresa enviar mais produtos para um determinado centro de distribuição dentre os seus 50 nos Estados Unidos. Durante o percurso do item até o centro, a Amazon aguardaria um comprador para ele. Produtos que são vendidos com mais regularidade em certas regiões serão enviados para onde têm mais chances de vendas.
Se não houver pedido nenhum, mesmo assim o produto pode ser enviado a um cliente com chances de ter mais interesse nele. A estratégia não é uma surpresa para uma empresa que persegue com obsessão a maior velocidade na distribuição dos produtos vendidos em seu site. Bezos já anunciou, por exemplo, que deseja formar uma frota de drones e que até fechou, no fim do ano passado, um acordo com o serviço postal americano para fazer entregas aos domingos. Mas para o Brasil a novidade apresentada pela Netshoes, tem uma repercussão ainda maior que nos Estados Unidos.
“Aqui, apenas três ou quatro empresas estão no estágio tecnológico capaz de fazer vendas preditivas”, diz Pedro Guasti, diretor-executivo da e-bit, e do site comparador de preços Buscapé, para quem qualquer aplicação do conceito de big data (a análise de grandes volumes de dados) ainda é experimental. “O custo tecnológico ainda é muito alto para trazer retorno.” A Netshoes, certamente, é uma das empresas do pelotão de elite da inovação digital. A venda preditiva se soma agora ao software Tamanho Ideal, que lê em 3D as dimensões internas do calçado e indica o mais adequado para cada pessoa, ao Netshoes Click, que reconhece o tênis que está no pé do cliente e indica modelos semelhantes, e até a Entrega Atleta, em que o entregador é um corredor ou ciclista.