03/11/2000 - 8:00
Vendedores e gerentes de lojas de artigos esportivos entraram em clima de apreensão nas últimas semanas. Nada a ver com a previsão de vendas no final de ano, que aponta avanço de 10% sobre 1999. O problema é a enrascada da Nike, que está com seu nome literalmente batizando uma Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI), ao lado da CBF. Os parlamentares investigam possíveis irregularidades no contrato de patrocínio da Seleção Brasileira de futebol. Nada de irregular foi provado até agora, mas a história entrou em meio às investigações sobre o que há de mais obscuro na cartolagem do futebol e, dependendo das conclusões, pode levar consumidores a rejeitarem a marca. ?Cerca de 50% das nossas vendas de tênis são de produtos Nike. Se houver um boicote, a receita vai cair porque os clientes migrariam para produtos mais baratos?, afirma Carlos dos Santos, gerente da loja Mundial no Shopping Center Morumbi, em São Paulo. Uma medida já foi adotada pela diretoria da rede de 10 lojas, uma das três maiores do ramo em São Paulo: as encomendas mensais de 1,5 mil pares de modelos mais sofisticados da Nike, como o Air Max, foram canceladas. ?Não nos explicaram o motivo, mas é evidente que querem evitar o acúmulo de estoques. Esses tênis custam mais de R$ 300 e são comprados pelo consumidor mais informado, que acompanha atentamente o desenrolar da CPI?, ressalta Santos. Não houve até agora nenhuma redução na procura dos artigos pelos clientes, mas a Mundial se limita a transferir estoques de uma loja para outra. ?Não há compra de novos pares.?
A Nike nega qualquer queda nas encomendas. Seu diretor de marketing, Steve Hevesi, antecipou à DINHEIRO que a companhia norte-americana decidiu inclusive iniciar a produção de bolas no Brasil até dezembro, o que provaria a confiança nos negócios no País. Será a segunda base mundial desses produtos, depois do Paquistão. A qualidade de seus artigos é reconhecida pelos especialistas, e a Nike disputa com a Olympikus, do grupo Azaléia, e a Topper e Rainha, da Alpargatas, a liderança de um mercado anual de R$ 3 bilhões em artigos esportivos. A CPI, entretanto, virou uma dor-de-cabeça. O contrato de US$ 150 milhões de patrocínio exclusivo da Seleção por 10 anos, fechado em 1996, tem rendido mais prejuízos do que benefícios. De lá pra cá, a Nike foi acusada de obrigar o jogador Ronaldinho a participar da desastrosa final do Brasil com a França na Copa de 1998; descobriu-se uma cláusula estranha que proíbe a CBF de processá-la no Brasil; e ainda carrega nas costas os fracassos recentes da Seleção. Pior, impossível. Ainda mais para a maior companhia do ramo no mundo, que fatura US$ 9 bilhões ao ano e vive basicamente da imagem ? sua produção é toda terceirizada. ?Claro que o desempenho da Sseleção não nos deixa feliz, mas a CPI não assusta, pois não temos nada a esconder?, afirmou Hevesi à DINHEIRO. Ele assegura ainda que os negócios vão muito bem e a empresa terá uma expansão ?de dois dígitos? no ano. Mais não revela, enquanto os concorrentes comemoram um avanço de até 25%.
A NIKE RECUA Efeitos da CPI |
? Lojistas suspendem algumas encomendas de tênis, com receio de retaliação pelo consumidor ?Companhia reduzirá de cinco para dois o número de amistosos da seleção indicados a cada ano ?Nike admite cancelar contrato com a CBF em caso de sério prejuízo à sua imagem |
A subsidiária brasileira existe há apenas um ano e meio. Antes, a marca trabalhava com um representante. O esforço de Hevesi de avançar no mercado, onde detém cerca de 4% das vendas de tênis, somente abaixo da Olympikus, tem sido bem-sucedido. Mas sofre com a CPI. A companhia foi levada até a enviar um comunicado aos revendedores, onde garante que nada tem a esconder da comissão. Um representante da Nike no Rio, onde fica o escritório de negócios com a CBF, admite mudanças no contrato com a Confederação. Além de liberar processos em tribunais brasileiros, o número de amistosos da Seleção impostos pela companhia será reduzido de cinco para dois por ano. Só que a Nike também pode reagir a seu favor. ?O contrato com a CBF visa beneficiar nossa imagem . Se a situação da Confederação ficar insustentável, podemos romper o acordo?, afirma o executivo. Para Francisco Machado, especialista em marketing esportivo da consultoria All-e, os danos na marca são inevitáveis. ?É evidente que a imagem da companhia terá um revés. O que é injusto, pois ela fez um contrato comercial. comum no ramo dos esportes.?
O fantasma dos danos à marca ronda a Nike. Entre 1993 e 1994, seu faturamento caiu de US$ 3,9 bilhões para US$ 3,7 bilhões, devido às denúncias de que seus fornecedores de bola no Paquistão usavam mão-de-obra infantil. O caso virou capa da revista Life e a companhia reviu o processo de produção. Depois, teve de mudar o desenho das bolas enviadas ao Oriente Médio porque elas traziam um símbolo que lembrava a palavra Alá, um insulto aos muçulmanos. Agora, quando se recupera da queda de US$ 800 milhões em 1998, devido à crise asiática e à moda de calçados de couro nos Estados Unidos, o que a Nike menos deseja é mais problemas de marketing.