?Deu bolha porque ele está gordo?, disseram uns. ?Deu bolha porque ele joga pouco. Se jogasse bastante, daria calo?, replicaram outros. As piadas e os comentários foram muitos. Poucas vezes bolhas nos pés de um jogador de futebol causaram tanto furor. Mas não se tratava de pés quaisquer. Eram os pés de Ronaldo, o Fenômeno. Nem de um momento qualquer. As tais bolhas apareceram às vésperas de uma Copa do Mundo. E, para piorar, foi a própria vítima das feridas tão incômodas que apontou a vilã do episódio: ?É uma chuteira nova. Acho que veio com uma costura que não tinha?, disse Ronaldo aos microfones da Rede Globo, durante o amistoso contra a Nova Zelândia, no dia 4. Naquele momento, cerca de 20 milhões de pessoas que assistiam ao jogo viram um dos mais importantes garotos-propaganda da Nike dar um pontapé na patrocinadora ao falar mal do produto que ele deveria promover. Foi mais ou menos como se o garoto-Bombril declarasse que as panelas de sua casa estão riscadas por causa da esponja de aço. A Nike, certamente, não achou graça do episódio, nem das piadinhas e menos ainda das dezenas de páginas de jornais e revistas sobre o assunto que se seguiram, a semana toda, no mundo todo. Sobraram fotos de Ronaldo de chinelos, closes da bolha… Porém, não subestime a ginga da maior empresa de artigos esportivos do mundo para driblar essa saia ? ou chuteira ? justa. Entre as táticas de defesa, a Nike chegou a dizer que a crítica do ?cliente? ajudaria a aperfeiçoar o produto. É que as tais chuteiras, do modelo Mercurial Vapor III, são desenvolvidas em conjunto com o craque. Ele diz o que ajustar, onde alargar, etc. Mas até que ponto a imagem e a credibilidade da Nike ficam tão feridas como os pés de Ronaldo? E o que fazer para cicatrizar essas chagas?

 

Não se sabe ainda se a jogada de Ronaldo contra o patrimônio afetará as vendas da Nike, cuja marca vale US$ 10 bilhões segundo a consultoria Interbrand. Um arranhão certamente ficou ? que pode ou não cicatrizar tão rápido quanto as bolhas. Afinal, no frigir dos ovos, um consumidor deixaria de comprar uma chuteira Nike por conta do episódio? As opiniões se dividem. Alguns concorrentes acreditam que a marca Nike não sofrerá grandes abalos, mas os modelos das chuteiras usadas por Ronaldo, sim. ?Um garoto antenado que for comprar um par novo vai se lembrar das bolhas e escolher outro modelo?, diz um executivo de uma empresa rival. ?A Nike é idolatrada, surpreende a cada momento. Talvez as vendas até aumentem devido a tanta exposição das chuteiras?, rebate Edson D?Aguano, da Consultive, consultoria de moda e marcas.

 

O que coloca a Nike sob os holofotes no mundo do futebol nem sempre são as propagandas bem boladas com os craques que ela patrocina ou as camisas modernosas dos times nacionais que ela veste. As luzes também costumam vir de uma sucessão de pequenos e grandes episódios polêmicos envolvendo esses mesmos craques. Nesta temporada, foram duas lesões: as já citadas bolhas de Ronaldo e o pé quebrado do atacante Wayne Rooney, do Manchester United e da seleção inglesa. O jogador estava usando chuteiras do modelo Total 90 Supremacy, considerado leve demais pelos críticos, quando quebrou um osso do pé direito, em abril. O próprio Rooney havia lançado mundialmente as chuteiras quatro dias antes de se machucar. As sapatilhas do atacante foram apontadas como possíveis responsáveis por não ter protegido o pé do craque como outros modelos fariam. Bem antes disso (quem não se lembra?), à Nike havia sido atribuída uma parcela de culpa na derrota da Seleção Brasileira na Copa de 98. O caso gerou até uma improvável CPI dois anos depois ? que não comprovou nada. Na época, diz-se que a Nike teria obrigado a comissão técnica a escalar Ronaldo na final contra a França mesmo depois de o atacante ter sofrido uma até hoje inexplicável convulsão. Nada foi provado. Em um episódio mais grave, a gigante americana foi acusada de contratar fábricas asiáticas que usavam trabalho infantil e escravo para produzir bolas e calçados. ?A Nike já passou por crises muito graves. Ela está escaldada e não vai deixar que o caso das bolhas se torne uma crise de grandes proporções?, afirma Ricardo Voltolini, diretor da Ofício Plus, firma especializada em gestão de crise de imagem.

Mas até que a Nike agiu bem quando se viu no olho do furacão. A sua estratégia para contornar a má repercussão das declarações de Ronaldo seguiu a cartilha: ela se manifestou rapidamente. A empresa disparou comunicados e mandou um representante à concentração da Seleção, em Königstein (Alemanha), para responder à enxurrada de perguntas da mídia. ?Foram dias difíceis, mas acho que passaram?, disse à DINHEIRO, em Munique, Ingo Ostrovski, diretor de comunicação da Nike, o homem que acompanha a Seleção. ?Nosso azar foi ter aparecido a bolha no pé do Ronaldo em dia de folga, com pouca notícia.? Ingo admite que a história foi ruim para a Nike, mas de modo algum irreversível. ?Esporte é assim?, resume. Especialistas em marketing esportivo concordam. ?Talvez o pessoal da Nike tenha se chateado internamente com o acontecido. Mas, ao associar a marca a jogadores de futebol, eles sabem dos ricos de o atleta sofrer uma contusão usando a chuteira deles?, afirmou à DINHEIRO Tom Webb, diretor da Bell Pottinger, empresa britânica que coordena patrocínios esportivos. ?A grande sacada da Nike é tentar associar a marca ao estilo de vida do jogador mais que a seu desempenho dentro de campo?, acrescenta. Além disso, em um evento do tamanho de uma Copa do Mundo, a Nike conta com mais um ponto a seu favor: o enorme volume de notícias diárias. ?Futebol é muito dinâmico?, diz Voltolini. ?As bolhas serão esquecidas.?

Em momento algum, Ronaldo reclamou com os representantes da Nike na Alemanha. Ele continuará usando a marca e sabe que, além de jogador, é garoto-propaganda da grife (com um contrato vitalício estimado em US$ 100 milhões) e, acima de tudo, acompanhou todo o processo de confecção das malfadadas chuteiras. A Nike acredita, inclusive, que pode usar o caso das bolhas a seu favor. ?Ronaldo é nosso principal cliente nesse aspecto. Qualquer crítica que ele fizer aos calçados que ele mesmo ajudou a desenvolver é bem-vinda e serve para melhorar o produto?, afirma Kátia Gianone, gerente de comunicação corporativa da Nike do Brasil. Esta é uma boa saída para uma empresa que confia quase toda a sua propaganda a indivíduos. Mas não é uma estratégia unânime no meio esportivo. A alemã Puma, por exemplo, adota outro método. ?Escolhemos patrocinar equipes africanas, que têm um exotismo e uma alegria de jogar atraentes. Não quisemos vincular nosso nome a jogadores, mas a times?, explica José Couto, diretor de marketing da Puma do Brasil. ?Assim fica mais fácil evitar problemas de imagem.?

A escolha da Nike, nesse sentido, é mais parecida com a de sua principal adversária, a Adidas. Na briga por mais espaço nos campos da Copa, dos 736 jogadores inscritos, 273 têm contrato com a Adidas e 228 com a Nike. Na Seleção Brasileira, o placar é favorável à Nike, que, além de patrocinar a Seleção como um todo, tem contratos individuais com 13 jogadores. A Adidas terá apenas quatro representantes canarinhos na Alemanha.

Quem ainda tem dúvidas se a superexposição da Nike, positiva ou negativa, compensa, basta dar uma olhada no placar. A empresa não tinha produtos de futebol até 1994, quando assinou contrato com Ronaldo. Em 1998, o faturamento dessa divisão foi de US$ 40 milhões. Oito anos e um pentacampeonato depois, a Nike espera faturar com os produtos futebolísticos nada menos que US$ 1,5 bilhão em 2006 ? se o hexa vier, a cifra deve ser ainda maior. E para quem duvida da eficácia de Ronaldo como garoto-propaganda, o atacante dá de goleada: 30% das camisas verde-amarelas da Seleção vendidas no Brasil estampam o número 9 do Fenômeno. Provavelmente, ainda é cedo para medir as conseqüências do gol contra de Ronaldo. Quem sabe surja uma luz depois do apito final da Copa.

US$ 100 milhões é o valor do contrato vitalício do Fenômeno com a marca. Só outros dois atletas têm acordo para a vida toda: Michael Jordan e Tiger Woods