09/12/2009 - 8:00
A frase, dita por Nildemar Secches, revela a alma do empreendedor. Um homem metódico, paciente e que planeja cada um dos seus passos. De janeiro de 1995 até hoje, no comando da Perdigão, Secches conduziu uma das mais surpreendentes guinadas empresariais do País. A companhia, que pertencera à família Brandalise, estava sem rumo e perdida em meio a uma infinidade de conflitos societários. Secches chegou, profissionalizou a gestão e, de lá para cá, as receitas da Perdigão cresceram 28% ao ano. O retorno ao acionista, na média anualizada, foi também de 27%. Mas, durante todo esse tempo, ele trabalhou com uma espada sobre sua cabeça. Por melhores que fossem os resultados, a empresa era vista pelo mercado como um alvo. Uma ave de caça que, cedo ou tarde, seria engolida por seu maior rival, a Sadia, ou por algum concorrente de fora, como a americana Tyson Foods. Propostas e até ofertas hostis de compra foram feitas pela Perdigão. Mas 2009 foi o ano da caça. Em maio, ela incorporou a Sadia e formou a Brasil Foods, criando uma das maiores empresas de alimentos do mundo, com receitas de R$ 24 bilhões e 110 mil funcionários, o que deu a Secches o título de EMPREENDEDOR DO ANO NA INDÚSTRIA. “Era um sonho antigo que, finalmente, foi possível concretizar.”
“Em 15 anos, nada aqui dentro foi feito de improviso.”
Construir uma multinacional não aconteceu por acidente na vida de Secches. Em 1998, quando ele já estava na Perdigão havia três anos, o então ministro da Agricultura, Francisco Turra, recebeu uma missão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: a de sondar Secches para a vaga de ministro da Indústria e Comércio. “Ele foi muito elegante e objetivo ao declinar o convite”, disse Turra à DINHEIRO. “Disse que tinha um propósito de vida na Perdigão: o de criar uma das maiores empresas de alimentos do mundo.” Para alcançar o objetivo, Secches aprovou vários planos estratégicos junto aos acionistas. O primeiro, de atualização tecnológica.
O segundo, para descentralizar a produção, que era concentrada em Santa Catarina. Depois, veio um plano chamado de Buriti, a palmeira típica do Cerrado, que reforçou a atuação da companhia no Centro-Oeste, especialmente em Rio Verde, Goiás, onde a Perdigão tem hoje seu maior polo industrial. No ano passado, antes da fusão com a Sadia, a Perdigão já era uma empresa de R$ 12 bilhões, líder no abate de aves e suínos, e também na venda de leite no mercado interno, depois das aquisições da Eleva e da Batavo.
Nos moldes em que ocorreu, a formação da Brasil Foods acabou coroando a gestão de Secches. Embora Perdigão e Sadia fossem empresas de tamanhos parecidos, a relação de troca para os acionistas, no capital da nova companhia, foi de 69% para a primeira e 31% para a segunda. Uma consequência direta das perdas sofridas pela Sadia no mercado de derivativos cambiais, de R$ 2 bilhões, que aceleraram a operação.
Apesar disso, Secches não posa de vitorioso. Hoje, ele é copresidente do conselho de administração da Brasil Foods, ao lado de Luiz Fernando Furlan, egresso da Sadia. E ele garante que uma empresa não deverá se impor sobre a outra. “O que nós queremos é, em cada atividade, identificar quem possui as melhores práticas”, diz Secches. Para isso, a Brasil Foods contratou a consultoria McKinsey, que está se reunindo com equipes das duas empresas para avaliar o que cada uma faz de melhor – seja em logística, seja em produção, comércio exterior ou mesmo na gestão de recursos humanos. Secches reconhece que há uma certa apreensão na companhia, mas nega que existam planos de demissões. “O cenário que nós enxergamos para os próximos anos é de muito crescimento tanto no Brasil quanto fora”, diz ele. “E para isso vamos precisar de muito mais gente.
Consultoria da McKinsey irá identificar as melhores práticas da Sadia e da Perdigão em cada uma das áreas da companhia
Em 2010, a Brasil Foods fará um investimento de R$ 1 bilhão, volume que ainda é relativamente pequeno para o porte da companhia. No entanto, como a fusão entre Sadia e Perdigão ainda não foi aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, as duas empresas vêm sendo geridas de forma separada e só a parte financeira foi unificada. No médio prazo, Secches enxerga a companhia atuando em vários países da mesma forma que opera no Brasil – com marcas fortes, cadeias de distribuição próprias e produção local. E devem ser aproveitados planos que já vinham sendo traçados na Sadia e na Perdigão – a primeira tem um projeto de uma fábrica no Oriente Médio e a segunda estuda iniciar uma operação na Ásia. Mas os alvos definitivos ainda sairão do planejamento estratégico da Brasil Foods até 2015, que está sendo desenhado com a McKinsey.
Desde o fim do ano passado, Secches não está mais à frente do dia a dia da companhia. O sucessor escolhido para presidir a Brasil Foods foi o executivo José Antônio Fay, egresso da Batavo. Será ele o encarregado de integrar as culturas de Sadia e Perdigão.
“As duas empresas já incorporaram outras companhias e aprenderam a conviver com a diversidade”, diz Fay. Enquanto ele será cobrado pelos resultados, Secches se ocupará da estratégia. Um papel que lhe cai bem. Antes da Brasil Foods, ele já havia sido executivo do BNDES e comandou grandes corporações, como a Iochpe-Maxxion e a Weg – e foi nesta que ele encontrou seu grande inspirador, o empresário Eggon João da Silva. “Ele sempre foi um amigo e também um exemplo”, define Secches. Com Eggon, o criador da Brasil Foods aprendeu algumas lições: planejar sempre, avaliar todos os aspectos de um problema e saber a hora de se afastar. “Toda empresa necessita de renovação”, diz Secches.
No conselho, ele tem encontrado tempo para aprimorar a vida pessoal. Fanático por esportes, Secches vem conseguindo jogar tênis com frequência. E as viagens também têm sido mais comuns. Recentemente, ele, que é viúvo, foi à Rússia com a namorada. “Eu já tinha visitado o país dezenas de vezes, mas nunca tinha parado para realmente visitar a Praça Vermelha.” O fato de ter um pouco mais de tempo, no entanto, não o desvia de sua missão. “As histórias de sucesso que a Perdigão e a Sadia construíram no Brasil serão replicadas no mundo.”