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Times Square, 15 de setembro de 2009. No coração de Nova York, um grande painel luminoso, com a marca Lehman em letras garrafais, reproduzia as principais notícias do dia e indicava as atrações da Broadway. A poucas quadras dali, encenava-se uma tragédia. No edifício-sede do Lehman Brothers, um entra-e-sai acelerado de pessoas, carregando caixas e mais caixas de papelão, era vigiado pelos policiais e acompanhado com curiosidade pelos turistas. O que se podia assistir, a céu aberto, era um espetáculo raro: a morte do quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos. Fundado há 158 anos, um dos ícones de Wall Street desaparecia, deixando uma dívida de US$ 639 bilhões. Exfuncionários tentavam levar para casa pertences pessoais e até mesmo alguns souvenires, como o guarda-chuva verde do Lehman que é uma das marcas da paisagem nova-iorquina em dias acinzentados. No mesmo instante, um outro ícone do mercado financeiro desmoronava. Numa operação emergencial de US$ 50 bilhões, capitaneada pelo governo americano, a Merrill Lynch foi engolida pelo Bank of America para que também não quebrasse. As duas notícias, somadas, fizeram daquele 15 de setembro o pior dia para o mercado financeiro desde o 11 de setembro de 2001. O índice Dow Jones perdeu 4,4%, enquanto a Bovespa afundou 7,6%. Em meio ao pânico, a comparação era inevitável: estavam desabando as torres gêmeas das finanças globais. O economista Joseph Stiglitz, prêmio Nobel em 2001, buscou outra metáfora. “A queda de Wall Street significa para o fundamentalismo de mercado o mesmo que a queda do Muro de Berlim representou para o comunismo”, disse ele.

 

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Na última semana, também ruíram vários mitos sobre a própria natureza do capitalismo. O primeiro, o de que algumas instituições financeiras não podem quebrar, simplesmente porque são grandes demais para quebrar – “too big to fail”, como dizem os americanos. No caso do Lehman, o desfecho ficou claro ainda no fim de semana, quando o CEO do banco, Dick Fuld, não chegou a um acordo com o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Henry Paulson, sobre uma possível ajuda, nos mesmos moldes da que foi concedida em março deste ano ao JP Morgan para incorporar o Bear Stearns, outra casa bancária de Wall Street já riscada do mapa. “Não haverá mais socorro governamental”, disse Paulson. Quando o secretário do Tesouro lavou as mãos, ficou claro que o Lehman não

 

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Na última semana, também ruíram vários mitos sobre a própria natureza do capitalismo. O primeiro, o de que algumas instituições financeiras não podem quebrar, simplesmente porque são grandes demais para quebrar – “too big to fail”, como dizem os americanos.

No caso do Lehman, o desfecho ficou claro ainda no fim de semana, quando o CEO do banco, Dick Fuld, não chegou a um acordo com o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Henry Paulson, sobre uma possível ajuda, nos mesmos moldes da que foi concedida em março deste ano ao JP Morgan para incorporar o Bear Stearns, outra casa bancária de Wall Street já riscada do mapa. “Não haverá mais socorro governamental”, disse Paulson. Quando o secretário do Tesouro lavou as mãos, ficou claro que o Lehman não resistiria. Mas depois do massacre das bolsas, um Paulson consternado, que antes de assumir o Tesouro foi presidente da Goldman Sachs, teve de fazer um pronunciamento aos americanos. “Nosso sistema financeiro é sólido e resistirá”. A realidade, no entanto, era mais parecida com um filme de terror.

Na terça-feira 16, circulava a informação de que a seguradora americana AIG, a maior do mundo, tinha caixa para apenas mais um dia de vida.

Paulson foi chamado para uma nova reunião de emergência e, no início da noite, anunciou-se o impensável: os Estados Unidos, pátria do laissez- faire econômico, estavam concedendo um empréstimo de US$ 85 bilhões à AIG, lastreado nas ações da companhia. Na prática, era uma estatização, bem ao estilo Hugo Chávez. O que se dizia é que a quebra da seguradora, diferentemente do Lehman, teria impactos devastadores sobre a economia real e as finanças dos cidadãos comuns .

 

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SEDE DO LEHMAN Antes dasou em apagar o painel luminoso da Times Square para economizar US$ quebra de US$ 630 bilhões, o banco pen 500 mil

 

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MERRILL LYNCH Outro ícone de Wall Street foi engolido, numa venda emergencial de US$ 50 bi para o Bank of America

 

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 Foi assim, agindo no improviso e emitindo vários sinais contraditórios, que as autoridades americanas atravessaram a semana mais tensa para os mercados globais desde o crash da bolsa de Nova York, em 1929. Depois do colapso do Lehman Brothers, da Merrill Lynch e da AIG, prenunciavam- se novos terremotos. Para muitos, era o fim de Wall Street – ao menos, como coração financeiro do mundo. Dos cinco grandes bancos de investimento americanos, haviam sobrado apenas dois: a Goldman Sachs e o Morgan Stanley. E ambos vinham sendo castigados pelo mercado, com quedas de quase 60% no valor de suas ações. “Todos esses bancos estavam alavancados, cheios de ativos podres e eu acredito que só a Goldman sobreviverá como um banco independente”, disse à DINHEIRO o economista Bill Fleckenstein, que publicou neste ano um dos livros mais vendidos sobre a crise americana, chamado A Era da Ignorância no Federal Reserve. Segundo Fleckenstein, o grande responsável pelo desastre seria o ex-presidente do Fed, Alan Greenspan, por ter alimentado a maior bolha de crédito da história. E sua previsão sobre o Morgan Stanley parecia se confirmar. Na quarta-feira 17, o banco de investimento mantinha negociações para vender parte do controle ao CIC, o maior banco de fomento da China. Difícil de acreditar, mas era isso: um ícone do capitalismo americano pedia água a um banco oficial chinês. Algo tão humilhante que até o presidente Lula ironizou. “Vejo com certa tristeza que esses bancos palpiteiros, que passaram a vida inteira dizendo o que a gente deveria fazer, estejam quebrando, entrando em concordata”.

Mais do que socorrer o Morgan Stanley, caberá à China também a tarefa de resgatar a economia global. É essa a opinião do economista Jim O’Neill, da Goldman Sachs, que formulou o conceito dos BRIC’s. “Se a China conseguir sustentar uma boa demanda doméstica, o mundo não sofrerá tanto”, disse ele à DINHEIRO (leia sua entrevista ao lado). Num sinal de que pretendem seguir o conselho, as autoridades de Pequim reduziram a taxa de juros interna pela primeira vez em sete anos. Como a China e os demais países emergentes já contribuem mais para o crescimento global do que os Estados Unidos, os BRIC’s hoje são parte da solução – e não do problema. Com mercados internos fortes, eles evitariam uma recessão global. “O impacto para a economia real no Brasil poderá sim ser bastante moderado”, avalia o economista Paulo Guedes, que foi um dos primeiros a prever a implosão de Wall Street. Apesar da alta do dólar, a inflação seria contida pela queda do preço dos alimentos e do petróleo (leia reportagem sobre os impactos no País à página 46). O impacto maior ocorre nas bolsas de valores, menos pelos fundamentos das empresas brasileiras do que pela necessidade dos investidores de cobrir perdas em outros mercados. É como se os tubarões de Wall Street, que nos últimos anos desprezaram o risco e colocaram a cobiça à frente da cautela, hoje sentissem medo de tudo – inclusive de empresas sólidas como Petrobras e Vale.

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PRÓXIMA VÍTIMA? Cartaz em Wall Street alertava sobre riscos em outras grandes instituições financeiras

 

O BANCO QUE NASCEU DO ALGODÃO

O Lehman Brothers foi fundado em 1850 por três irmãos judeus vindos da Alemanha. Henry, Emanuel e Mayer a princípio montaram uma loja que, em pleno Sul do Alabama, aceitava algodão como pagamento por suas mercadorias. O produto era uma das commodities mais valiosas da época e logo os irmãos Lehman começaram a utilizar o algodão que recebiam para fazer outras negociações. Na década seguinte, Nova York se tornou o principal centro de comércio de algodão, e lá foram os Lehman abrir seu primeiro escritório. As operações com commodities balizaram o crescimento da empresa, que rapidamente se tornou ativa no auxílio à criação de empresas em Nova York. Somente um século depois, em 1975, o Lehman se tornou um banco de investimento, ao fundir-se com o banco Kuhn, Loeb & Co. De lá para cá, participou de grande parte das operações de IPO em Wall Street e, mesmo em épocas de crise, jamais apresentou um trimestre deficitário, até 2007. No Brasil, o Lehman tem um escritório chefiado por Winston Fritsch, economista que teve um papel relevante no Plano Real, e aguardava a autorização do Banco Central para se tornar banco múltiplo. Apesar da crise que assolava a central norte-americana, o escritório brasileiro afirmava que tinha planos de crescer no País, e que, só no último ano, havia feito a contratação de 40 funcionários.

 

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LEHMAN: 158 anos de história

Mas ainda que a economia real do Brasil escape do terremoto, a catástrofe americana talvez seja o ato final do progressivo descolamento entre o mundo financeiro e o mundo produtivo. Bancos de investimento estão sendo pressionados a se unir a bancos comerciais para que sejam mais regulados e também ancorem suas operações numa base real de depósitos. Até a semana passada, essas instituições vinham utilizando instrumentos financeiros sofisticados, conhecidos como derivativos, para alavancar suas posições. Muitos desses títulos, que já foram chamados de “armas de destruição em massa” por Warren Buffett, o investidor mais rico do mundo, serviram para turbinar a bolha imobiliária americana e também para inflar os lucros dos bancos de investimento.

 

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SOCORRO CHINÊS Morgan Stanley chegou a pedir ajuda ao CIC, maior banco de fomento da China comunista

 

Quando o preço dos imóveis começou a cair, a mágica deixou de funcionar. Ainda assim, os bônus milionários dos banqueiros de Wall Street, tidos como senhores do universo, lhes renderam jatos, mansões e iates. Nos últimos dez anos, Dick Fuld, do Lehman Brothers, recolheu US$ 500 milhões em bônus. Antes da falência do banco, ele parecia tão alheio ao problema que chegou a propor o corte da iluminação do painel luminoso do Lehman Brothers na Times Square para reduzir custos. Isso economizaria US$ 500 mil. Na semana passada, seu retrato, desenhado ao estilo da pop art americana, foi colocado diante da sede do banco para que funcionários deixassem mensagens ao ex-chefe. Mais de 25 mil executivos serão demitidos no Lehman e estima-se um total de 130 mil cortes da vagas em Wall Street. São empregos perdidos não só nos bancos, mas também nas agências de classificação de risco, que, até outro dia, consideravam bons os papéis do subprime imobiliário. O mais provável é que muitos desses financistas abram pequenas firmas de investimento e até aproveitem as oportunidades geradas pela crise.

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“O BRASIL PODE SUPERAR A CRISE”

Depois de criar o grupo dos BRIC’s, que reúne Brasil, Rússia, Índia e China, o economista Jim O’Neill, da Goldman Sachs, se tornou uma celebridade global, ao prever que os emergentes passariam a liderar o crescimento mundial. À DINHEIRO, ele falou sobre a crise.

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O’NEILL: Criador dos BRIC’s está otimista

 

Como os BRIC’s serão afetados pela crise de Wall Street?
É difícil fazer uma generalização sobre os quatro países, mas eu acredito que os BRIC’s hoje são parte da solução. Isso vale especialmente para a China, onde as autoridades estão tentando demonstrar que o crescimento não ficará abaixo de 8%.

A redução dos juros chineses já é uma resposta à crise?
Sim, o corte na taxa é positivo, sinalizando que ênfase da política econômica chinesa hoje está mais voltada para o crescimento do que para o controle da inflação. Isso é bom para a China, mas também para todos os BRIC’s. Aliás, a queda nos preços das commodities hoje abre espaço para que os emergentes, inclusive o Brasil, afrouxem a política monetária.

Então o sr. crê que os emergentes vão se descolar da crise?
Sim, e esse processo será liderado pela China. As vendas no varejo estão crescendo 15% ao ano na Ásia. Se essa demanda for mantida, os BRIC’s continuarão liderando o crescimento global.

Mas e a queda das commodities?
Isso afeta mais o Brasil e a Rússia, que são dependentes das matérias-primas. Mas esses dois países poderão provar que merecem estar no grupo dos BRIC’s, atravessando um período de fraqueza maior das commodities. Em relação ao Brasil, a solidez da política econômica me dá a sensação de que o país irá superar a crise.

O primeiro sinal de alento para o mercado financeiro veio apenas no fim da tarde da quinta-feira 19, quando se espalharam rumores de que o governo americano prepararia um pacote mais amplo para solucionar a crise. O que se dizia era que o Tesouro dos Estados Unidos compraria os títulos podres das instituições financeiras, através de uma agência oficial a ser criada, com aval do Congresso – o plano foi confirmado na sexta-feira 19, o que fez a Bovespa disparar e subir cerca de 7% no início da tarde. Uma sensação semelhante de alívio se via nos mercados dos Estados Unidos e da Europa . Mas ainda que os investidores sejam salvos temporariamente do naufrágio, a medida significaria mais um passo na socialização dos prejuízos. Até agora, a Casa Branca já assumiu passivos de mais de US$ 1 trilhão no resgate de instituições como a AIG e as companhias hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac. Com a compra de mais títulos podres, o impacto fiscal para os contribuintes americanos pode chegar a mais de US$ 2,5 trilhões. “Esse custo fiscal reduzirá o crescimento americano”, disse o economista Kenneth Rogoff, ex-FMI. No fundo, com o pacote do financista Henry Paulson, pode-se estar salvando o mercado e comprometendo ainda mais a economia. O quadro é tão surreal que o analista Nouriel Roubini passou a chamar os Estados Unidos de USSRA – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas da América. Vinte anos depois do Muro de Berlim, caiu Wall Street.