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O executivo Luc-Alexandre Ménard, presidente da Renault no Brasil, trabalha em um amplo e agradável escritório na sede da empresa, localizada em São José dos Pinhais, cidade vizinha a Curitiba. No centro da sala, decorada com quadros com motivos tropicais, Ménard mantém uma grande mesa quadrada com oito cadeiras de couro. Feito sob medida de acordo com sua própria concepção, o móvel serve ao mesmo tempo de escrivaninha e mesa de reuniões. ?É uma forma de incentivar o trabalho em equipe?, diz Ménard, francês de 56 anos que desembarcou no País há quatro anos. ?Aqui, eu e os executivos falamos de igual para igual.?

Nos próximos tempos, mais e mais, a mesa de Ménard passará a abrigar um número maior de colaboradores. Só que eles falarão japonês e representarão uma marca que, em tese, é concorrente da Renault, a Nissan. É que em dezembro será dada a partida naquela que será a primeira fábrica conjunta das duas empresas no mundo. Trata-se da mais arrojada iniciativa em direção à união industrial e comercial das duas parceiras, desde que a montadora francesa adquiriu 36,4% do capital da Nissan e passou a comandar o destino da companhia japonesa. De certa forma, está se tentando de novo no Brasil a criação de uma holding automobilística, nos moldes da Autolatina, que juntou a Ford e a Volkswagen.

 

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Parceria: custos divididos na produção da Frontier, da Nissan, e do Master, da Renault

Na nova unidade industrial, tudo será dividido. O investimento de US$ 220 milhões sairá em partes iguais dos cofres das companhias. Ali serão produzidos dois veículos, um de cada marca. A Renault montará o Master, utilitário monobloco com carreira de sucesso na Europa. A Nissan estreará com a Frontier, picape de cabina dupla e tração 4×4. Na linha de montagem, uma unidade de cada modelo se alternará na ordem de fabricação. A capacidade, de 40 mil unidades anuais, será dividida igualmente entre elas.

São dois veículos inteiramente diferentes entre si. Não possuem a mesma plataforma, como seria de se esperar numa união que busca redução de custos e ganhos de produtividade. Mas a concepção da fábrica segue rigorosa lógica industrial e comercial. ?As operações são semelhantes?, diz Heitor Fugikawa, gerente de montagem. Na fábrica, as carrocerias dos veículos são fabricadas em linhas independentes. A etapa seguinte, a pintura, é compartilhada pelas duas marcas ? e aí há uma economia significativa, pois trata-se da atividade mais cara no processo produtivo. A seguir, os carros são separados novamente para a montagem final. Áreas como administração e finanças atenderão ambas as marcas.

Há também um troca-troca de competências. A Nissan domina profundamente a tecnologia de tração 4×4, ao contrário da Renault, carente nesse departamento. ?Os japoneses também são eficazes no planejamento dos detalhes?, diz Carlos Magni, gerente de recursos humanos. ?Podemos aprender muito com eles sobre isso.? Em contrapartida, os franceses entram com designs mais arrojados e mais ousadia nos lançamentos de produtos. A união também contribui para preencher lacunas na linha de produtos da Renault. A empresa não oferece uma picape aos clientes. A partir do próximo ano, poderá fazê-lo com a Frontier. A marca francesa também precisava em seu cardápio de um utilitário, mercado em crescimento no Brasil. O volume de produção do Master não justificaria o investimento em uma nova fábrica. A divisão dos custos com o veículo da Nissan resolveu o problema.

Por isso, a unidade brasileira é uma espécie de laboratório industrial, comercial e gerencial da união das duas montadoras. No prédio administrativo, ainda em fase de conclusão, uma equipe de 16 engenheiros japoneses trabalha com técnicos franceses, brasileiros e argentinos, numa espécie de torre de babel do setor automotivo. O idioma oficial é o inglês. ?Mas é um inglês que os ingleses jamais entenderiam?, diverte-se Ménard.

A idéia da fábrica surgiu há mais de um ano em uma reunião em Miami. Ménard estava lá. Quando perguntaram o que Nissan e Renault fariam em conjunto no Brasil, ele sugeriu o estudo de uma fábrica comum. A nova unidade seria erguida no Complexo Industrial Ayrton Senna, em São José dos Pinhais, onde já funcionava a sede da Renault no Brasil, a fábrica de carros de passeio e uma planta de produção de motores. Dois outros fatores pesaram a favor do Brasil. Um: a presença do brasileiro Carlos Ghosn no principal posto da Nissan no mundo. Dois: o desempenho da marca Renault no Brasil. Em apenas três anos de produção local, a marca atingiu participação de 4,8% no setor brasileiro de automóveis, contra 1,8% em 1998. Em 2000, o faturamento chegou a R$ 1,7 bilhão. A parceria com a Nissan é importante para manter o vigor demonstrado até agora. Principalmente em um momento em que a situação na Argentina, mercado estratégico para a Renault, vive um dos piores
momentos nas últimas décadas (leia a entrevista de Ménard
ao lado). ?Parcerias como essa são o futuro da indústria automobilística?, diz ele.

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?PRECISAMOS DO MERCOSUL?
O presidente da Renault diz que o bloco deve ir além
de uma simples união alfandegária

DINHEIRO ? Como o sr. vê o futuro do Mercosul?
LUC-ALEXANDRE MÉNARD ?
Ele vai se recuperar. Existe uma vontade de consolidar o Mercosul e depois partir para a Alca, principalmente por parte de FHC. Não pode ser apenas uma união alfandegária, mas falta o começo de criação de instituições comuns. Nós precisamos do Mercosul e os dois países também.

DINHEIRO ? A fábrica da Argentina sofrerá uma parada em sua produção. Há planos de transferir a produção
para cá?
MÉNARD ?
Não. Nossa empresa é líder com 20% na Argentina há seis anos consecutivos e, para conservar essa posição, é necessário fabricar carros lá. O melhor seria especializar as fábricas do Brasil e da Argentina, ter flexibilidade para atender o mercado que estiver melhor. Mas para isso não pode haver barreiras e hoje elas existem.

DINHEIRO ? O sr. é a favor da unificação do IPI para carros?
MÉNARD ?
Não da forma como está sendo proposta. Cerca de 70% do mercado é de carros populares e a unificação teria um impacto mortal. Minha proposta seria considerar carro popular aqueles com motores 1.2, e não apenas 1.0 como ocorre atualmente. Como o motor 1.2 é aceito em diversas partes do mundo, o que não acontece com o 1.0, o Brasil poderia exportar esse equipamento, melhorando a balança comercial. Já levei essa sugestão
ao ministro Alcides Tápias.

DINHEIRO ? Qual foi a reação?
MÉNARD ?
Ele achou interessante e disse que vai estudá-la.

DINHEIRO ? Como será o mercado brasileiro no futuro?
MÉNARD ?
Haverá uma fragmentação do mercado, com seis montadoras disputando as primeiras colocações. Além das quatro atuais, a Peugeot e a Renault estarão no jogo. A líder não
terá mais de 23%.

DINHEIRO ? E a Renault?
MÉNARD ?
O objetivo a largo prazo é em 2010 possuir 11% do mercado. O mercado brasileiro é cheio de altos e baixos.

DINHEIRO ? Em sua avaliação, por que a Renault cresceu no Brasil?
MÉNARD ?
Acho que foi importante escolher um produto diferente, oferecer algo que não havia no mercado brasileiro e que causaria grande impacto. O que estava previsto para fabricar no Brasil era o Mégane. Mas apostamos no Scénic. A reação foi excelente. Entramos com um carro de valor que puxou a marca no mercado, nos deu visibilidade, prestígio e, nesse vácuo, lançamos o carro que o mercado exigia em termos de volume, o Clio.