A Nivea, marca da gigante alemã Beiersdorf, está no Brasil há 110 anos. Apesar de 56% da população do País se autodeclarar preta ou parda, a empresa acabou de lançar por aqui, pela primeira vez, uma linha especialmente pensada para a pele negra. Os produtos, que começaram a chegar ao mercado em julho, ganharão uma campanha publicitária a partir da segunda quinzena deste mês.

O movimento vem cinco anos após um dos grandes equívocos da empresa no que se refere à questão racial: a oferta, em quatro países da África de um produto cuja “função” era clarear a pele negra. A campanha, na época, incluía um vídeo publicitário em que uma mulher usava um hidratante e via sua pele ficar mais clara – dando a entender que, assim, ela ficava mais bonita.

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Já a linha atual, batizada de Beleza Radiante, ao contrário, foi criada para atender às necessidades específicas da pele negra, a partir de uma formulação pensada para ela. Ao Estadão, a diretora de Marketing da Nivea no Brasil, Andréa Bó, admitiu que o movimento demorou bastante para chegar. “Há um atraso de toda a indústria e da própria Nivea nesse sentido.”

A executiva conta que o desenvolvimento da nova linha, que também será distribuída em países da África, como África do Sul, Nigéria, Gana e Quênia, também teve impacto das discussões envolvendo o assassinato, em 2020, de George Floyd por um policial branco na cidade americana de Minneapolis. A empresa, então, decidiu se cercar de gente que entende do assunto para conversar com o público negro.

“A resposta foi nos cercar de agências especializadas de comunicação com esse foco na questão racial, como a Black Influence, para não cometermos erros”, diz a executiva.

Letramento racial

Com atuação voltada principalmente ao marketing de influência, a Black Influence, fundada em 2019, foi chamada a trabalhar na campanha de Beleza Radiante com outras três agências, entre elas a Leo Burnett, que atende globalmente a marca.

E, além de desenvolver a estratégia de marketing de influência, a Black Influence iniciou um trabalho educacional dentro da companhia, com foco no letramento racial – práticas voltadas a entender as manifestações cotidianas do racismo estrutural.

A ação teve início no fim de 2021, com encontros virtuais e presenciais, em que foram reunidos todos os 320 funcionários da Nivea no Brasil. Entre os palestrantes, estão personalidades, influenciadores e intelectuais negros, incluindo o publicitário Ricardo Silvestre, fundador da Black Influence.

O projeto inaugurou uma frente de trabalho dentro da Black Influence, que já estava idealizada por Silvestre desde o início do negócio. Antes de empreender, o publicitário trabalhou por quase 10 anos em agências de grande porte do mercado nacional, nas quais com frequência era o único negro.

“Muito do que a gente tem construído tem como base minha referência do mercado, que nunca foi positiva, por eu sempre ter sido uma das únicas pessoas pretas nos lugares em que trabalhei”, conta o publicitário. Para ele, esse trabalho é fundamental para trazer pessoas brancas para a luta antirracista.

Andréa Bó, da Nivea, diz que, após a linha ser apresentada internamente, parte dos 22% de funcionários negros da companhia decidiu fazer um manifesto em vídeo. “Isso nos deu muita satisfação. Pessoas que estavam direta ou indiretamente envolvidas com esse lançamento gravaram esse manifesto para o público interno. Essa reação é o que traz a nossa veracidade, ter essas pessoas completamente engajadas.”

Foco nos avanços

AD Junior, publicitário e diretor de Marketing da Trace Brasil, primeiro canal de cultura afrourbana do País, acredita que é importante ser crítico sobre as ações de empresas. Ele afirma que os negócios não devem ser “parabenizados”, mas é importante dar apoio às mudanças. Não seria produtivo, segundo ele, apenas destacar e trazer para este momento o problema ocorrido há cinco anos.

“Se a gente sempre for brigar com as marcas que se esforçam para mudar, a gente não dá força para que esse movimento de letramento racial continue, que outras agências como a Black Influence sejam chamadas a participar de campanhas”, diz AD, que também é influenciador digital e aborda o letramento racial em redes sociais como Instagram e no YouTube.

Para AD, o foco precisa estar “no fato que, após 353 anos de escravidão e 134 anos sendo ignorados, algumas poucas empresas se movimentam na direção da pauta antirracista”.

O publicitário destaca que a mudança que permitiu a discussão sobre a beleza negra em campanhas tem origem nas redes sociais, no trabalho de mulheres como Ana Paula Xongani e Gabi das Pretas. “Esse movimento de chamar influenciadores negros para falar de beleza no Brasil não é um favor das empresas, é reconhecimento, é resultado de um trabalho que ganhou força.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.