20/09/2013 - 5:30
DINHEIRO ? Quais foram as principais reformas microeconômicas que o sr. conduziu no início do governo Lula?
MARCOS LISBOA ? Naquela época, detectamos uma série de ineficiências institucionais que afetava negativamente a produtividade e o crescimento econômico. O princípio básico, no caso da Lei de Falências, era estimular o processo de renegociação de dívidas, reduzindo os pedidos de falência. Mas é uma lei que ainda tem uma certa ambiguidade na forma com que o Judiciário a aplica. Há uma oportunidade de melhorá-la. Na Previdência, estimulamos a poupança de longo prazo, com o PGBL e o VGBL, e no mercado de seguros, houve desonerações fiscais e a abertura do setor de resseguros.
DINHEIRO ? O que mais o sr. destacaria?
LISBOA ? As reformas de crédito tiveram um bom sucesso. A melhoria da alienação fiduciária alavancou os empréstimos para automóveis, com juros mais baixos. A parte de execução de garantias melhorou, trouxe mais segurança para o mercado, assim como o patrimônio de afetação (cada empreendimento imobiliário tem o seu próprio patrimônio, que não se confunde com o patrimônio da incorporadora). E, claro, o crédito consignado, que rapidamente se tornaria a modalidade de crédito mais bem-sucedida, com a menor taxa de juros.
DINHEIRO ? Ainda é possível aprimorar o mercado de crédito?
LISBOA ? Sim, há um trabalho grande a ser feito, pois é muito difícil e caro para os bancos resgatarem a garantia do empréstimo. No Brasil, o custo de retomar imóveis ou carros é muito maior do que o de países desenvolvidos.
DINHEIRO ? Perdemos o tripé econômico: câmbio flutuante, meta de inflação e superávit primário?
LISBOA ? Não diria que perdemos, mas enfraquecemos esse tripé. Temos um pouco mais de leniência com a inflação, menor rigor fiscal e criamos um série de mecanismos de expansão dos gastos sem transparência. Por exemplo, estamos criando dívidas de longo prazo com juros subsidiados.
DINHEIRO ? O sr. se refere ao BNDES?
LISBOA ? Sim, o Tesouro se financia à taxa Selic (9% ao ano) e capitaliza o BNDES, que empresta a taxa inferior (a TJLP, a 5% ao ano). Isso gera, ao longo do tempo, uma pressão fiscal. Estamos antecipando receitas futuras com gastos correntes. Infelizmente, turbinar o BNDES não aumentou os investimentos. Até agora, o governo expandiu significativamente os recursos para o BNDES e outros bancos estatais, mas o que houve foi uma troca do financiamento privado pelo público.
DINHEIRO ? A questão fiscal é preocupante?
LISBOA ? Sim, cito outro exemplo. A União passou a dar aval para novas dívidas de governos estaduais. São valores significativos. Se os Estados tiverem algum problema, cai no colo da União. É uma maneira de transferir recursos para gastos correntes comprometendo o futuro. Se esses recursos estivessem virando investimento, a capacidade de gerar riqueza estaria aumentando e eles poderiam ser pagos no futuro. Infelizmente, não é isso que está acontecendo, nem no governo federal nem nos estaduais.
DINHEIRO ? Como o sr. avalia a atual agenda microeconômica?
LISBOA ? É uma agenda que em vez de reduzir as distorções as amplia. O governo escolhe vencedores, distorce os tributos, concede benefícios localizados e não adota regras homogêneas. O correto seria simplificar e garantir tratamento equânime a todos e deixar que na meritocracia do mercado os mais eficientes sobrevivessem. Assim, garantiríamos que os recursos do País estariam sendo alocados para quem é mais produtivo e gera mais renda. O governo, porém, prefere proteger os ineficientes. Proteger empresas ineficientes condena o País a ser mais pobre, pois a produtividade e a renda são menores do que poderiam ser.
Linha de montagem na Zona Franca de Manaus
DINHEIRO ? E a política de garantir um percentual de conteúdo nacional?
LISBOA ? É parte de uma velha pressão brasileira de procurar estimular a produção local. Se a proteção fosse temporária, poderia se justificar em alguns casos. Infelizmente, em grande parte das vezes, a política nem é temporária, nem o País ganha eficiência. A lei de informática foi assim, estamos na terceira rodada de construção de uma indústria naval e agora estão com vários setores com regras de conteúdo nacional. A Zona Franca de Manaus é outro exemplo. Era para ter incentivos temporários, que foram renovados várias vezes. A indústria não ganhou eficiência, não se tornou produtiva e o País paga um preço caro por uma série de subsídios. E como desmontar isso? Agora ficou difícil. Teremos de pagar mais impostos pelo resto da vida para sustentar a ineficiência da Zona Franca de Manaus. O Brasil insiste em distribuir capital e trabalho em atividades que não faz tão bem.
DINHEIRO ? O que o Brasil faz bem?
LISBOA ? O agronegócio é um exemplo do que o País faz bem, mas há outros nos setores industrial e de serviços. O problema é que hoje fica até difícil dizer o que a gente faz bem devido ao tamanho grau de distorção na economia. Há setores com muitos benefícios e outros sem nada.
DINHEIRO ? Qual seria a solução?
LISBOA ? Simplificar e adotar regras comuns para todos os agentes. Além disso, garantir que a concessão de benefícios e as transferências de recursos passem pelo orçamento da União. É o oposto do caminho fiscal de diversas medidas que o governo tomou nos últimos anos. Com isso, a sociedade poderia escolher quais privilégios e incentivos deseja preservar e quais deseja extinguir.
DINHEIRO ? Como destravar os investimentos em infraestrutura?
LISBOA ? É preciso acertar a governança desses investimentos, que são os mais complexos do Brasil. Quais órgãos têm alçada para decidir? Qual o papel das agências reguladoras? Como é o processo de aprovação de um investimento? Qual o critério de indenização? A legislação é muito minuciosa em aspectos pequenos que nem deveriam estar em lei e em outros é omissa. A complexidade do processo e a insegurança do que pode e do que não pode acabam tornando os investimentos em infraestrutura difíceis, morosos e inseguros. E o resultado é menos investimento e, quando ocorre, mais caro.
Obras de duplicação da BR-060, em Goiânia
DINHEIRO ? Como assim?
LISBOA ? O custo de qualquer obra no Brasil vem crescendo de forma acelerada, se comparado com o de outros países, nas últimas décadas. O mundo inteiro tem complexidade, mas no Brasil é mais complexo. O que nós sabemos é que essa dificuldade de investimento em infraestrutura explica uma parte importante da diferença do crescimento da renda do Brasil em relação a países do Leste Asiático. É só comparar rodovias, ferrovias, geração de energia, etc. Nós somos mais pobres por causa da falta de infraestrutura.
DINHEIRO ? Por que os investidores sempre querem um lucro maior no Brasil?
LISBOA ? No Brasil, o investimento em infraestrutura começa sem o investidor saber como termina. Amanhã aparece uma demanda específica ou alguma surpresa desagradável. Isso explica um prêmio de risco maior aqui. É preciso ajustar a legislação para que a sociedade tome a melhor decisão possível, de forma transparente. A complexidade dos processos é incorporada ao custo do capital do projeto. A infraestrutura é insumo para toda atividade econômica. Esse custo, portanto, é uma ineficiência para a sociedade como um todo.
DINHEIRO ? A qualidade da educação é um problema para a nossa produtividade?
LISBOA ? Sim, muito. Desde a década de 1990, o Brasil melhorou o acesso, mas não a qualidade do ensino. Estamos muito atrasados em relação aos demais países. Isso é parte relevante da diferença de renda. Precisamos melhorar a gestão da política pública no Brasil. O Brasil tem recursos para educação e saúde, mas não são compatíveis com os indicadores. O dinheiro dos royalties do petróleo, sem uma boa gestão, não adianta.
DINHEIRO ? Como melhorar a gestão dos recursos públicos?
LISBOA ? Há resistência nas escolas à avaliação de desempenho. Precisamos avaliar para premiar os melhores professores. A solução é a meritocracia. Há uma série de boas experiências municipais, como em Sobral (CE) e Foz do Iguaçu (PR). Além disso, defendo a criação de uma agência nacional independente para avaliar as políticas públicas do Brasil. Não seria um Tribunal de Contas, mas uma agência de pesquisa, que avaliaria prévia e periodicamente cada política adotada.
DINHEIRO ? Qual a sua avaliação do Bolsa Família?
LISBOA ? Na área social, foi uma agenda importante. O Bolsa Família unificou quatro programas de transferência de renda, que já existiam no governo Fernando Henrique Cardoso. O mérito foi simplificar a política social, focando os recursos nas famílias de menor renda, tendo como contrapartida a frequência escolar.
DINHEIRO ? Além de dar o peixe, o programa não deveria ensinar a pescar?
LISBOA ? Esse é um ponto importante. Porém, quando se trata de família com pais com até quatro anos de estudo, é muito difícil acabar com a dependência dela dessa renda. A melhor política que você pode fazer para essas famílias com baixa escolaridade é garantir que os filhos frequentem a escola e que a nova geração tenha uma qualidade de vida melhor no mercado de trabalho, sem depender desses programas.