06/03/2021 - 5:00
Em seu laboratório, em pleno deserto, o engenheiro egípcio Ahmed Abu al-Seoud agarra um escorpião pela cauda e aplica uma descarga elétrica para obter uma gota de seu veneno, com propriedades farmacológicas promissoras.
O “Reino do Escorpião”, sua empresa, rodeada de palmeiras e dunas, fica no oásis de Dakhla, cerca de 800 km a sudoeste do Cairo.
No prédio branco de dois andares, milhares de escorpiões são mantidos vivos em bandejas coloridas nas prateleiras.
Engenheiro mecânico de formação, Abu al-Seoud, de 44 anos, iniciou este projeto de extração de veneno de escorpião em 2018 com seu sócio, Alaa Sabaa.
“Estava navegando na internet quando descobri por acaso que o veneno de escorpião é um dos mais caros, então disse a mim mesmo: ‘Por que não aproveitar esse ambiente desértico?'”, conta o empresário.
A poderosa toxina contida no veneno do escorpião, resultado de centenas de milhões de anos de evolução natural, é assunto de muitos estudos científicos.
“As dezenas de moléculas bioativas do [veneno do] escorpião possuem propriedades farmacológicas promissoras”, de acordo com uma nota na publicação Biomedicines de maio passado.
Laboratórios estudam seus potenciais efeitos antimicrobianos, imunossupressores e anticancerígenos, entre outros, na esperança de um dia transformá-las em medicamentos.
Embora existam quatro ou cinco tipos de escorpiões no deserto egípcio, o mais difundido é o “Leiurus quinquestriatus”, cujo veneno é composto por 45 elementos, o que o torna raro e caro.
Seu veneno é vendido por cerca de US$ 7.000 o grama, de acordo com Abu al-Seoud.
O engenheiro explica que um escorpião só secreta no máximo meio miligrama de veneno a cada 20 a 30 dias. Portanto, para produzir um grama de veneno, cuja qualidade depende do grau de “pureza”, são necessários entre 3.000 e 3.500 escorpiões.
A expectativa de vida desse animal perigoso, cujas picadas podem causar febres severas ou até a morte, pode chegar a 25 anos.
Ciente do potencial, Abu espera chegar eventualmente ao mercado europeu e seus grupos farmacêuticos.
Em Dakhla, a primeira produção experimental do “Reino do Escorpião”, realizada em dezembro e janeiro após dois anos de preparação, foi de três gramas de veneno. O líquido extraído foi desidratado em um laboratório no Cairo e depois acondicionado na forma de pó.
Além dessa substância cara, a empresa extrai o veneno de abelha e vende produtos agrícolas e plantas aromáticas.
– Produto de qualidade –
Mas Abu deposita suas esperanças nos escorpiões e quer que o Egito tenha uma “boa imagem graças a um produto de qualidade, cientificamente estudado, enquadrado por lei e autorizado para exportação”.
Nahla Abdel Hamid, farmacêutica de 25 anos contratada pela empresa, garante que para “não perturbar o equilíbrio ecológico”, os moradores das aldeias vizinhas participam da caça aos aracnídeos, apenas em áreas habitadas.
Abu al-Seoud, que também participa da atividade, treina uma ou duas pessoas por aldeia e as equipa com luvas, pinças, sapatos adaptados, coletes fluorescentes e soro antiveneno.
Os “caçadores” ganham entre 1 e 1,5 libra egípcia (até 10 centavos de dólar) por escorpião capturado.
Abdel Hamid classifica-os “de acordo com a área onde foram encontrados e o tipo”.
Embora esses animais possam ficar sem comida por muito tempo, a veterinária Iman Abdel Malik prefere oferecer-lhes um “ambiente favorável”, proporcionando, até duas vezes por mês, alimentos “proteicos”, como baratas e vermes.
A empresa, um projeto autofinanciado que custou cerca de US$ 312 mil, planeja abandonar progressivamente a captura para reprodução de escorpiões.
Embora o Egito produza veneno de escorpião há anos, geralmente o faz ilegalmente ou de baixa qualidade, de acordo com o gerente do projeto.