O futuro da indústria de petróleo e gás está nas mãos dos governos e da sociedade. São eles que vão determinar a direção a seguir para alcançar uma matriz energética limpa. Isso não significa, no entanto, que as empresas do setor correm o risco de não existirem mais. “Substituir os combustíveis fósseis por fontes renováveis exige muita tecnologia”, afirma Wim Thomas, responsável pela equipe de análise de cenários da anglo-holandesa Shell. “Grandes empresas são muito eficientes em gerenciar projetos dessa magnitude.” O executivo e sua equipe traçaram dois cenários para o futuro. Em ambos, o resultado é um mundo com menos emissão de carbono. No entanto, embora preveja que o petróleo terá um papel importante por muito tempo, o estudo reserva um papel importante para as energias alternativas. “No futuro, o carro será elétrico, o transporte público também”, afirma Thomas.

DINHEIRO – Os combustíveis fósseis continuarão a ser a grande matriz energética do mundo?
WIM THOMAS –
Isso é relativo, porque o mercado de energia vai crescer. Os combustíveis fósseis hoje representam cerca de 80% do total. As fontes renováveis, 14%. O restante é nuclear. Nossas previsões são de que os combustíveis fósseis devem cair para cerca de dois terços do total. Isso significa que as fontes renováveis precisão crescer muito.

DINHEIRO – Mas o petróleo já não é tão necessário. Hoje temos carros elétricos, por exemplo, e é possível até produzir plástico a partir da cana de açúcar…
THOMAS –
É um ponto muito interessante. Ninguém quer carros a gasolina nas grandes cidades. É um cenário muito provável. Várias cidades já possuem zonas de baixa emissão de CO2. Elon Musk, CEO da Tesla, que fabrica carros elétricos, muito bons, por sinal, é bastante eloquente em suas declarações sobre o futuro do automóvel. As baterias estão chegando a um nível de desenvolvimento muito alto. Quebrando essa barreira da armazenagem de energia, nenhuma dona de casa vai querer passar em um posto de gasolina novamente. Além disso, os painéis solares geradores de energia estão cada vez mais potentes. Se você tem um desses em sua casa e produz energia suficiente durante o dia, o que sobra pode ser utilizado no carro. No cenário “montanha”, prevemos que as pessoas vão começar a abandonar o petróleo a partir de 2030. Já no cenário “oceano”, infelizmente, no qual há uma grande pressão de preços, os combustíveis fósseis, como o petróleo, permanecerão em uso por muito tempo.

DINHEIRO – O uso do petróleo ficará concentrado nas indústrias, usinas de energia e no transporte de carga, então?
THOMAS –
Principalmente no transporte de carga. As pessoas usarão muito pouco. No futuro, o carro e o transporte público serão elétricos.

DINHEIRO – A demanda por fontes renováveis deve continuar mesmo se o preço do petróleo cair?
THOMAS –
O preço do petróleo é muito importante nessa equação. Se o preço do barril se mantiver alto, os investimentos na exploração vão crescer, mas a demanda por fontes renováveis também vai aumentar. Se o valor do barril cair, fica mais difícil para alternativas mais caras de energia, como as renováveis, competirem. Por outro lado, os investimentos na exploração diminuem. Então, dependendo do crescimento econômico, os preços voltam a subir.

DINHEIRO – Quais são esses cenários?
THOMAS –
Projetamos dois cenários prováveis para o futuro do setor de energia. O primeiro, chamamos de “montanhas” e considera um mundo mais político, no qual a estabilidade social dita as ações e as decisões e as pessoas estariam mais relutantes em relação a mudanças. É um cenário de crescimento econômico mais lento, com governos mais fortes, que tenham a confiança da população, capazes de investir em grandes projetos para compensar e reduzir as emissões de carbono. Nesse caso, os combustíveis fósseis devem continuar a ser a grande matriz energética, com destaque para o gás natural. O segundo cenário, que chamamos de “oceanos”, considera um mundo mais conectado, no qual as pessoas se organizam e os governos não têm tanta força nem a confiança do eleitorado. Dessa forma, grandes projetos ficam fora de questão. É um cenário mais verde, com as fontes renováveis dominando a matriz energética, com destaque para a energia solar. Ambos os casos levam a um mundo mais limpo. Mas o primeiro cenário, “montanhas”, é um caminho mais rápido.

DINHEIRO – Por que é mais rápido?
THOMAS –
Porque utiliza a infraestrutura existente. É possível usar novas tecnologias para reduzir a emissão de CO2, como um processo chamado de sequestro de carbono, no qual o CO2 é captado diretamente das usinas e jogado para o solo. O problema é que esse sistema ainda é muito caro. No cenário “oceanos”, há uma substituição da infraestrutura, o que, por si só, leva mais tempo.

DINHEIRO – Manter a infraestrutura existente não favorece a indústria do petróleo e empresas como a Shell?
THOMAS –
É verdade. O uso de hidrocarbonetos seria prolongado. Mas há benefícios para a indústria, no caso de uma mudança na infraestrutura, já que é preciso desenvolver tecnologias mais complexas. Grandes companhias, como a Shell, são muito eficientes em gerenciar projetos dessa magnitude.

DINHEIRO – A indústria do petróleo é frequentemente questionada sobre as consequências que a exploração traz para o planeta, em termos ambientais. Como a Shell se posiciona a esse respeito?
THOMAS –
Nós reconhecemos que a energia, a água e a comida estão interligadas. Há outros pontos a serem discutidos, como o aquecimento global. Estamos preocupados com isso e procuramos explorar as questões sociais e políticas que influenciam as decisões dos governos e da sociedade. Os cientistas ainda estão desenvolvendo teorias sobre o aquecimento global, então não sabemos, com certeza, quais são as consequências. Mas o fato é que estamos gerando cada vez mais CO2. Por isso, se temos a possibilidade de reduzir os riscos, especialmente para as próximas gerações, por que não fazer?

DINHEIRO – O aquecimento global já não é uma realidade?
THOMAS –
Existem três linhas de pensamento. Há quem esteja convencido de que o aquecimento global vai afetar nossas vidas, outros que não acreditam nisso e um grupo maior de pessoas que não têm certeza, mas confiam nos cientistas e políticos que abordam essa questão. A Shell está muito comprometida com as pesquisas científicas. A influência da indústria no clima é um caso real. Mas não sabemos de quanto será o aquecimento global. O que está claro é que não será menor do que dois graus, a não ser que as mudanças comecem a ser feitas hoje. Por isso, estamos preocupados e procuramos traçar cenários para o futuro.

DINHEIRO – Os cenários projetados dão um peso muito importante aos governos. Ou seja, não se trata apenas de negócios, mas também de política. Como esse processo se dará, considerando que estamos vivendo um período de instabilidade, com conflitos no Oriente Médio e no Leste Europeu?
THOMAS –
As empresas não conseguem fazer nada sozinhas, assim como os governos. Todos, incluindo ONGs e universidades, precisam se unir. Juntos, prosperaremos mais. Não estamos vivendo um momento de paz mundial, o que é preocupante. A única coisa que podemos fazer é apontar a urgência de se tomar decisões políticas, para que a indústria possa começar a trabalhar. Se uma empresa enxerga que vai precisar de subsídios por 20 anos para operar uma usina de energia eólica, por exemplo, ela pode considerar muito arriscado. Agora, se os governos criarem um mercado regido pela competição, as companhias, e também os bancos, se verão em um terreno conhecido e com segurança para investir. É preciso entender que tudo que é novo custa mais caro. No fundo, os governos se interessam por fontes renováveis, mas não se prontificam a pagar por isso. Querem energia barata. É um grande dilema. Não é fácil para um governante convencer seu eleitor a pagar mais pela energia.

DINHEIRO – Como o sr. vê esses cenários se desenvolvendo na América Latina?
THOMAS –
Muitos países sofrem do que eu chamo de maldição dos recursos naturais. Porque é fácil. Você extrai, vende, ganha dinheiro e pensa no que fazer depois. O Brasil é um bom exemplo. Metade da matriz energética do País é renovável. Há muitos recursos. A questão é o que o Brasil vai fazer. Continuar com as fontes renováveis, e exportar o petróleo, ou aumentar a participação dos combustíveis fósseis na matriz energética? De certa forma, o Brasil pode assumir uma posição de liderança mundial e mostrar que é possível fazer as duas coisas. O mundo precisa de mais energia, e ninguém tem tantos recursos quanto o Brasil.

DINHEIRO – Qual é o impacto do pré-sal para o Brasil e para a indústria de petróleo?
THOMAS –
O pré-sal representa uma mudança no jogo. A produção brasileira de petróleo e gás vai aumentar significativamente, passando de 3% do total mundial para cerca de 5%. O papel do Brasil na indústria do petróleo vai aumentar bastante, nas próximas décadas, o que é bom. O País vai ajudar no desenvolvimento da economia, especialmente nos países emergentes, cuja população em crescimento vai demandar cada vez mais energia.

DINHEIRO – Qual será a próxima fronteira para a exploração de petróleo?
THOMAS –
Primeiramente, as águas profundas. E, definitivamente, o Ártico. Mas há outra fronteira, que muita gente desconhece, que são os poços já existentes. Há atualmente uma série de tecnologias que permitem recuperar o petróleo não extraído de campos antigos por falta de equipamentos capazes de realizar a tarefa. Quando comecei minha carreira, há 30 anos, o porcentual extraído de cada campo ficava na casa dos 15% a 25%. Atualmente, a média é de 30%. Ou seja, dois terços do petróleo continuam no solo. Alguns campos já trabalham, hoje, com uma taxa de 50%.