13/01/2020 - 7:30
Primeiro foi Sandra, que ia buscar o neto no colégio. Depois, ainda em dezembro de 2019, Maria, no meio da rua. Já neste ano foi a vez de Adenir, no caminho para a padaria. No dia seguinte Lisete, no quintal de casa. Em comum, todos têm mais de 60 anos e morreram por bala perdida em um mês em São Gonçalo, região metropolitana do Rio. Em três dos casos, testemunhas relatam confrontos entre policiais e bandidos.
Na Grande Rio, 41 idosos foram baleados em 2019, dos quais 24 morreram, diz a plataforma Fogo Cruzado, laboratório de dados sobre violência. Em São Gonçalo, sete das nove vítimas foram por bala perdida.
Mortes de idosos por arma de fogo surpreendem por serem mais raras. Tiros causam quase 40% das mortes de adolescentes de 15 a 19 anos e 32% das mortes de jovens de 20 a 29 anos no País. A taxa cai para 0,1% entre idosos, mais afligidos por doenças cardiovasculares, neurológicas ou câncer.
No dia 5, Lisete Pereira, de 78 anos, cochilava em casa, quando acordou com o barulho de tiros – a polícia fazia operação em um morro próximo. Foi ao quintal, onde foi atingida. Deixou três filhos, três netos e oito bisnetos. “A gente não pode viver mais na rua. Em casa, também não pode. Vamos viver onde? O Rio está entregue às baratas”, disse o irmão de Lisete, Romildo, à imprensa no enterro.
Um mês antes, Sandra Gomes, de 61 anos, percorria os 800 metros que separam sua casa da escola do neto quando se deparou com uma operação da PM. Segundo testemunhas, ela tentou se esconder da troca de disparos entre agentes e bandidos, mas foi atingida na nuca.
No dia 16, Maria dos Remédios, de 65 anos, estava na rua quando a PM foi acionada para conter roubos de uma dupla na região. Policiais perseguiram os suspeitos, que revidaram. A corporação nega ter disparado.
“Em geral, idosos saem menos de casa, se envolvem menos em conflitos e não costumam reagir a assaltos”, diz Ignacio Cano, professor da UERJ. “Isso reforça o temor do carioca de que pode ser qualquer um e vir de qualquer parte.”
Além da bala perdida, há idosos em outros tipos de homicídio em São Gonçalo. Na sexta, um homem atirou em Hélio Rangel, de 67 anos, que estava de moto no bairro Jardim Catarina, o mesmo de Maria e Sandra. O caso é apurado. Para Isabel Macdowell Couto, do Fogo Cruzado, é preciso tornar a cidade, que também lidera em mortes pela PM, “uma das prioridades” na política de segurança.
Polícia
Em nota, a PM disse que as operações “são precedidas de planejamento e de informações de inteligência, com a preocupação de preservar vidas, tanto de policiais como de moradores.” Segundo a corporação, os confrontos são “opção” dos bandidos e há uma tendência de queda nas mortes pela polícia, observada desde julho. Sobre os dados do Fogo Cruzado, disse que só comenta balanços oficiais. (Com colaboração de Fabio Grellet e Priscila Mengue)