Você pagaria R$ 450 para comer camarões vivos? Que tal formigas? Parece exótico ao extremo, mas tais excentricidades já fizeram parte do menu degustação do dinamarquês Noma, eleito na primeira semana de maio o melhor restaurante do mundo pelo terceiro ano consecutivo, pela revista britânica Restaurant. Lá, com pitadas de criatividade e ousadia, qualquer ingrediente tem seu valor, desde que seja local e não industrializado. Sob o comando do chef René Redzepi, 34 anos, o espaço gastronômico, em Copenhague, espalha sua bandeira sustentável pelos quatro cantos do planeta. Mas conviver com o renomado chef de cozinha, conhecido pelo seu temperamento difícil e por suas criações gastronômicas, pode ser tão desafiador quanto o cardápio. 

 

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Fonte de inspiração: estágio de Renata no Noma ajuda a chef paulista

a hoje buscar a perfeição.

 

Quem trabalhou com Redzepi no Noma, aberto em 2003, afirma que ele se tornou obcecado em ser o melhor do mundo. “Até mesmo o próprio René admite que o Noma era diferente antes das premiações”, diz Renata Vanzetto, 23 anos, chef do restaurante paulista Marakuthai. Segundo Renata, que estagiou no ano passado no Noma, o chef vive apenas para corresponder às expectativas dos críticos. “Ele grita, chuta o lixo, chora… É muita pressão em cima dele”, afirma a chef. É preciso levar em conta que trabalhar exclusivamente com ingredientes locais não deve ser fácil na Dinamarca. A produção de alimentos no país sofre limitação por causa do clima nórdico, extremamente frio no inverno. Enquanto alguns ingredientes, como toucinho, algas e camarões, são comuns no cardápio do Noma, outros, bem tradicionais, como arroz e azeite, ficam de fora. 

 

As exceções são os vinhos e cafés, importados de países como França e Itália. Além disso, Redzepi tem de estar em constante renovação, já que o cardápio muda com frequência. “Algumas vezes me pergunto por que ainda faço isso”, disse Redzepi ao jornal britânico The Guardian.Essa obsessão por ingredientes locais faz parte da tendência gastronômica, muito em voga nos últimos tempos, de exaltar a cultura e as particularidades de cada país. Mas, enquanto alguns adoram os inusitados pratos do Noma, outros nem tanto. “Não é uma experiência comum, você precisa ter a mente aberta ou ser muito apaixonado por gastronomia para curtir”, afirma Renata. 

 

A badalação em torno de Redzepi – que começou a estudar culinária ainda na juventude, quando não ia bem na escola – e do próprio Noma começou em 2010, na primeira vez em que ele alcançou o topo do ranking The World’s 50 Best Restaurants (os 50 melhores restaurantes do mundo), da Restaurant. Desde então, a fama do lugar só vem crescendo. Cada vez fica mais difícil acomodar as mais de quatro mil pessoas da lista de espera. São apenas 40 lugares disponíveis no rústico e elegante armazém do século 18, localizado em um cais do porto de Copenhague. Os interessados em saborear uma refeição no Noma aguardam meses e desembolsam os tais R$ 450 por pessoa pelo menu degustação (que hoje oferece flores, tutano e peixes exóticos, como o lucioperca, no lugar do camarão vivo e das formigas), e traz 20 aperitivos. 

 

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Simples, mas complexo: o discreto restaurante dinamarquês, no porto de Copenhague,

possui um dos mais exóticos menus da atualidade.

 

Excepcionalmente, durante os Jogos Olímpicos de Londres, de 28 de julho a 6 de agosto, o Noma vai funcionar no hotel de luxo londrino Claridge’s, oferecendo um menu de cinco pratos por R$ 600. No restante do ano não faltam estudantes de gastronomia e donos de restaurantes – menos célebres, é claro – que aguardam por mais de um ano para trabalhar ao lado do melhor chef do mundo, ao menos por alguns dias. O estágio de Renata no Noma, por exemplo, durou menos de um mês, o que não a impediu de querer desistir já no segundo dia. “Eram 16 horas diárias com muita bronca e gritaria”, afirma. “Tudo tem de estar sempre na mais absoluta perfeição.” A chef paulista conta que, logo nos primeiros dias, ficou com bolhas na mão por manusear refeições recém-saídas do forno. 

 

“Tive de dormir com as mãos de molho na água gelada e pensei que não ia aguentar a pressão.” Na verdade, segundo Renata, é uma espécie de Dr. Jekyll e Mr. Hyde das panelas: é bastante carinhoso e cumprimenta um por um, dos seus chefs aos lavadores de prato, durante a preparação das refeições, mas muda completamente de humor quando os clientes chegam. “Ele fica muito nervoso, joga coisas no chão, nem parece o mesmo de antes”, afirma. Mesmo assim, ela se diz fã de Redzepi. Por quê? “Ele é um gênio, muito criativo e entende tudo sobre alimentos.” Para sorte dos frequentadores de seu restaurante Marakuthai, a paulista não desistiu e completou o estágio no Noma. De volta ao Brasil, ela aproveitou a experiência para trazer novidades ao novo cardápio do restaurante, que se afasta das influências tailandesas para se inspirar cada vez mais no Brasil. 

 

Com um menu degustação de R$ 85 – bem menos salgado do que o do Noma, o restaurante, com endereços na capital paulista e em Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, agora apresenta releituras de pratos típicos brasileiros, como o escondidinho e o bobó. As receitas do Noma, inacessíveis aos estagiários – que ficam responsáveis apenas por manipular ingredientes, colhendo ou cortando alimentos quando necessário –, não serviram de inspiração para Renata, que aprendeu ainda criança a cozinhar com a avó. Já o cuidado com a apresentação dos pratos e a preocupação em escolher ingredientes locais foram as influências mais óbvias vistas na chef brasileira depois do Noma. “Eu já achava legal usar produtos típicos e o estágio só reforçou ainda mais esse pensamento”, afirma Renata.

 

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