04/09/2017 - 16:03
Da porta de casa para fora, dona Luzia Alves de Souza enxerga as promessas do progresso. A poucos quilômetros do terreno onde vive com o marido Celso Silva Guimarães, no interior de Crixás do Tocantins (TO), as terras já foram rasgadas pelos trilhos da Ferrovia Norte-Sul, a “revolução logística” que vai mudar a cara do País. Quando olha para o céu, dona Luzia vê os imensos cabos da linha de transmissão de Belo Monte, a rede amazônica que saiu do Xingu para cortar as beiras de sua chácara e seguir rumo ao Sudeste para iluminar “os grandes mercados consumidores”. Da porta de casa para dentro, porém, dona Luiza volta para o início do século 19. Sem luz.
Há cerca de dez anos, a família de agricultores aguarda a chegada da energia elétrica. Sem ânimo, a lavradora aposentada repete o que já virou uma ladainha entre as milhares de pessoas que vivem nessa parte central do Tocantins, no peito do Brasil, dando conta de que, após anos de cadastros preenchidos e espera pela luz, nada ocorreu. “O que vi por aqui foi muita gente desistir e ir embora. A vida no escuro é difícil, o senhor não faz ideia”, diz dona Luzia.
A promessa mais recente de que a energia chegará foi renovada há duas semanas, com a visita da empresa elétrica responsável pelas instalações na região. Passaram pelas ruas e casas, falaram com os moradores, mediram distâncias e foram embora. Luzia duvida.
O ritmo que as ligações do Programa Luz Para Todos passaram a ter neste ano sugere uma boa chance de nova frustração. Os cortes generalizados feito no Orçamento federal atingiram em cheio o programa social criado em 2003, com o propósito de levar luz para os rincões do País. Previa-se que R$ 1,172 bilhão seria injetado em novas ligações de luz neste ano. Só no Tocantins, uma lista de 34 municípios foi anunciada em março, com previsão de que 6 mil propriedades rurais do Estado receberiam energia. Os projetos, porém, ficaram quase que paralisados no primeiro semestre em todo o País.
Entre janeiro e maio, apurou o jornal O Estado de S. Paulo, somente R$ 75,9 milhões foram de fato investidos no programa em ações nacionais, o equivalente a apenas 6,5% do previsto para 2017. Os desembolsos aumentaram entre junho e julho, diz o Ministério de Minas e Energia, e chegaram a R$ 252 milhões. Ainda assim, trata-se de 21% do orçamento anual em sete meses de execução.
Dificuldade
Sem energia, o agricultor Márcio Rodrigo, 33 anos, tem encarado todo tipo de dificuldade para tocar uma plantação de melancia nos fundos de sua casa, na Associação Boa Sorte, uma agrovila financiada pelo Banco do Brasil dez anos atrás, nos arredores de Crixás. Um total de 34 famílias vive na área da associação: “É uma agonia. Temos uma caixa d’água já instalada, mas a bomba não pode mandar a água porque não tem energia. Dependemos dos poços artesianos. Já perdi muita plantação por falta d’água, mas a gente espera que isso mude logo.”
Entre os cidadãos crixaenses ameaçados pela falta de dinheiro do Luz Para Todos estão até mesmo famílias de políticos locais. A aposentada Jaci Guilherme da Costa, de 57 anos, diz que nunca viveu numa casa com energia, mas hoje deposita suas esperanças nas articulações do filho, Valmir Guilherme da Costa, de 27 anos, o “Valmir da Saúde”. Nas eleições de 2016 realizadas no município de 1,8 mil habitantes, Valmir foi eleito para uma cadeira da Câmara ao receber 75 votos. Apesar de carregar a “saúde” no nome, o vereador tem sido reconhecido na região pelas tentativas de trazer a eletricidade para Crixás do Tocantins.
“Passei toda minha vida morando em casa sem energia, mas tenho fé que isso vai mudar agora”, diz dona Jaci, que guarda carnes fritas em uma lata com banha de porco para não perder o alimento. “Sempre foi assim. A gente tem que conservar as coisas do jeito que puder.”
Criado em novembro de 2003 por meio de um decreto, o Luz Para Todos já atendeu 3,359 milhões de famílias – cerca de 16,1 milhões de pessoas que vivem no meio rural em todo País.
No fim de 2014, o programa foi prorrogado até dezembro de 2018. Até o mês passado, recebeu um total de R$ 23 bilhões em recursos. “Falta atender a gente”, diz o secretário de agricultura de Crixás, Eduardo Munhoz, que não sabe explicar por que as ligações de energia têm demorado tanto. “A informação do que está acontecendo a gente não tem. O jeito é esperar. Infelizmente, não conseguimos resolver com recursos próprios.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.