Para a executiva que comanda a maior e mais antiga instituição financeira do País, é possível e necessário conjugar retorno aos acionistas e à sociedade. E ela vê numa eventual queda da taxa básica de juros o alívio necessário para dar tração a um novo momento econômico

A executiva paraibana Tarciana Medeiros, presidente do Banco do Brasil desde janeiro, iniciou sua trajetória profissional como feirante em Campina Grande (PB) e foi professora antes de se tornar funcionária concursada do Banco do Brasil, no ano 2000. Dois anos depois, passou de uma agência no interior da Bahia para seu primeiro cargo de gestão. Nos dez anos seguintes, atuou nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Entre 2013 e 2018, passou pela Superintendência Comercial do BB Seguridade. Desde 2018, depois de deixar a liderança do negócio de seguros do banco, comandou os processos de pós-venda a pessoas físicas na diretoria de empréstimos e financiamentos do BB, além de implementar ações de assistência para prorrogação de operações de créditos durante a pandemia. Um currículo à altura de seu cago. À DINHEIRO, ela falou sobre os desafios de presidir o banco e sobre como lida com sua homossexualidade no mundo corporativo.

DINHEIRO — Os números têm mostrado um ótimo desempenho financeiro do Banco do Brasil. Esse resultado também é bom para o papel social de um banco público?
Tarciana Medeiros — Somos a primeira instituição bancária do País e, ao longo de nossa história, participamos ativamente do desenvolvimento econômico e social do Brasil. Desde minha posse, em janeiro, tenho destacado que o BB continuará a ser um banco rentável e sólido, criando valor para a sociedade. Nossos resultados mostram que podemos, sim, conciliar nossa atuação comercial com atuação pública.

Qual é o papel do BB para o desenvolvimento do País?
Vou dar um exemplo: no primeiro trimestre deste ano, alcançamos R$ 21 bilhões de valor adicionado à sociedade. Ou seja, um volume que retorna aos brasileiros a partir dos nossos resultados, por meio do pagamento de dividendos, impostos e demais componentes financeiros. Crescimento de 19,7% em relação ao mesmo período ano anterior. São recursos para o desenvolvimento do País. O Banco do Brasil possui uma estratégia corporativa consistente, com visão de longo prazo.

Quais os planos para manter esse patamar?
Tenho dito que o Banco do Brasil vai dar o resultado no patamar de seu tamanho. Atuamos com olhar muito sensível para a geração de valor sustentável nas cadeias produtivas. Por exemplo, colocando a micro e a pequena empresa para fornecer para grandes companhias. Isso ajuda a criar e a manter empregos, a gerar renda, a desenvolver regiões e a levar até mesmo capacitação para as pessoas. Nesse contexto, temos atuado com a concessão de crédito com responsabilidade, inteligência e em preços adequados. Quando me pergunta quais são os planos, o que posso afirmar é que nosso objetivo é crescer, em 2023, dentro dos índices do nosso guidance (entre 8% e 12% em relação a 2022).
Como o banco pretende enfrentar o cenário de inadimplência das empresas devido às altas taxas de juros? Vejo por outro prisma. Nossa economia tem avançado com bases sólidas, que geram real otimismo. E as condições para a queda do juro estão cada vez mais presentes na economia, com a construção de novas agendas macroeconômicas que nos levam a perceber maior estabilidade na economia e espaço para essa queda da Selic de forma consistente, para termos taxas em níveis que estimulem a atividade produtiva.

E no banco, como está a inadimplência?
Mantivemos nosso nível de inadimplência em patamar adequado às nossas expectativas e abaixo do apurado pela média do sistema financeiro nacional. Nossa carteira de crédito cresceu de forma qualificada e ultrapassou a marca de R$ 1 trilhão para as pessoas físicas, empresas, para a agricultura familiar, para o agronegócio e também para governos. Apresentamos desempenho significativo em todos os segmentos e continuaremos crescendo, como indica o nosso guidance. Estamos bastante tranquilos.

Há no horizonte alguma mudança na política de dividendos aos acionistas?
Temos uma ótima relação com acionistas. Nosso payout para 2023 já está definido em 40%. Temos um plano de capital com visão prospectiva de três anos e seguiremos com atuação responsável e buscando estrutura ótima do capital, observando os requisitos mínimos regulatórios e um patamar que viabilize a expansão sustentável da carteira de crédito.

Qual é a posição do Banco do Brasil em relação às discussões sobre a regulamentação das criptomoedas e como a instituição está se preparando para possíveis mudanças nesse mercado?
O Banco do Brasil sempre estará pronto para momentos de transformação. É importante deixar claro os papéis e as responsabilidades para todos que operam na estruturação e distribuição de ativos digitais, para termos um ambiente mais seguro e organizado. Um belo exemplo é o real digital. Esse movimento rumo à economia tokenizada já é uma realidade no Brasil e no mundo. O BB é uma das 14 instituições e consórcios que fazem parte da construção do piloto.

Como enxerga a implementação do Open Banking no Brasil?
O grande ativo de qualquer negócio é a utilização eficiente dos dados e não poderia ser diferente no sistema financeiro. Somos um banco com uma forte ligação com a economia brasileira. Temos um parque tecnológico que processa em média 16 bilhões de transações financeiras por dia, o que permite obter dados dos mais diversos segmentos da nossa sociedade, consolidando nossa posição de liderança no processamento de dados no sistema financeiro.

Em que isso se torna um diferencial competitivo na estratégia de vocês?
Uma curiosidade comparativa que chama a atenção: nos mesmos 9,58 segundos em que o Usain Bolt cravou o recorde mundial dos 100 metros rasos, o Banco do Brasil processa 4 mil Pix, um recorde do sistema financeiro! Apenas no primeiro trimestre deste ano, totalizamos R$ 705 bilhões em volume de transações de Pix, 52% a mais na comparação com o primeiro trimestre de 2022. Cada uma dessas operações traz dados adicionais aos nossos modelos analíticos. Todo esse conjunto de operações e essa quantidade de movimentações financeiras fazem com que nossa captação alcance 500 milhões de dados de clientes.

E como isso vira solução para o cliente do BB?
Com isso somos capazes de oferecer mais de 110 milhões de ofertas personalizadas, em produtos e serviços. Essa magnitude de informações permite que possamos analisar em quais locais do País o consumo está mais acentuado e onde a economia brasileira apresenta maior dinamismo. Somos capazes de identificar comportamentos com maior propensão a consumir nossos produtos e analisar a capacidade de pagamento das pessoas com maior precisão. Em resumo, quem mais ganha com tudo isso é o nosso cliente, que passa a ter produtos e serviços financeiros mais aderentes ao seu perfil de consumo, gerando negócios mais sustentáveis.

Os governos de esquerda têm o perfil de tradicionalmente interferirem mais nas estatais. Como vê isso?
Essa é uma construção de imagem que não condiz com a realidade. Basta ver atitudes de governos que não são de esquerda ao longo da história do País. No mais, não vou comentar sobre política, mas o que posso dizer é sobre o que experimento enquanto primeira mulher a presidir o BB em seus 214 anos de história. E tem sido uma experiência de total autonomia de gestão.

“As condições para a queda do juro estão cada vez mais presentes e de forma consistente, para termos taxas em níveis que estimulem a atividade produtiva”

E a relação com o governo, como tem sido?
Tem sido dentro desse viés técnico, das boas práticas bancárias. Recentemente, no dia da nossa coletiva de resultados do primeiro trimestre, eu afirmei uma coisa e reafirmo aqui: o banco não atua em mudanças bruscas de rota.

Como o seu perfil de servidora de carreira, mulher, mãe, lésbica pode impactar positivamente a equipe do banco?
Ser a primeira, por si só, já traz todo um simbolismo. Sempre me questionava o porquê de não ter uma mulher como presidenta do BB. São 214 anos de história. Mas o real impacto é ainda mais profundo e vai além do aspecto simbólico da posição.

Dê um exemplo.
Antes da minha gestão, tivemos só uma vice-presidente mulher. Até o ano passado, a situação se replicava com as diretoras também. Viam-se mais mulheres nos cargos de gerência média. Só que, dali em diante, não conseguia passar. E por que não? Afinal, somos praticamente 40% do banco. Então, assim que fui nomeada, trouxe na composição do Conselho Diretor as mulheres que estavam habilitadas para aquelas funções. Pela primeira vez na história do banco temos três vice-presidentas. E já temos também novas diretoras. Esse é um primeiro impacto. Mas para perpetuarmos esses avanços, precisamos de ações estruturais que olhem para a diversidade. E já estamos fazendo isso.

E como o banco trabalha hoje a questão da diversidade e da igualdade da mulher?
A diversidade já está presente como marca desta gestão. Estamos atuando com medidas concretas que já estão fazendo da diversidade algo mais valorizado no dia a dia da organização. Por exemplo, lançamos o Programa de Diversidade, que contempla gênero, geração, LGBTQIAPN+, PCD e raça; inclusive com a construção de uma estrutura de governança dedicada ao tema. A diversidade tem a questão de gerar inclusão com o respeito às diferenças, às individualidades. Isso é importante.

Outro diferencial na estratégia do BB…
Diversidade gera resultados perenes, com mais inovação e capacidade de diálogo com nossos clientes. A força do Banco do Brasil sempre esteve na diversidade dos nossos funcionários e clientes. A diversidade faz parte do Brasil e do Banco do Brasil que queremos. E isso traz resultados sustentáveis, já que gera valor junto aos públicos de relacionamento. Ainda assim, mesmo com iniciativas importantes, reconhecemos que o tema da diversidade ainda precisa evoluir na estrutura da organização. Seguiremos avançando.

“Pela primeira vez na história do banco temos três vice-presidentas. E novas diretoras. Mas para perpetuarmosos avanços, precisamos de ações estruturais de diversidade”

O que você gostaria de deixar como legado ao fim desta trajetória?
Atuar com inteligência analítica para apoiar nossos funcionários a entregarem um banco cada vez mais personalizado para cada cliente, com soluções para suas necessidades que acarretam resultados negociais e desenvolvimento social. Que nossa atuação empresarial ajude a originar empregos e renda para os brasileiros, fomentando a economia, enquanto gera valores sustentáveis aos nossos acionistas.

Não é pouco…
Sim. E que nossa atuação de transformação da cultura da empresa com olhar para a transformação digital amplie ainda mais essa capacidade de atuação consistente pelo desenvolvimento de todas as regiões onde o BB atua. Por fim, que possamos vivenciar a diversidade na prática. Sou muito grata por tudo o que tenho vivido até aqui. E muito esperançosa.