14/05/2010 - 6:00
DINHEIRO ? O déficit da balança já supera US$ 13 bilhões neste ano, cerca de 40% acima do registrado no início de 2009. Quem deve se preocupar com isso, o governo ou a indústria?
PAULO SKAF ? Os dois. Isso é ruim para o País, é ruim para as empresas. As importações estão crescendo num ritmo acima das exportações porque o dólar está muito barato e os mercados lá fora estão em dificuldade. Neste ano, as importações estão crescendo na casa dos 40%. Por outro lado, as exportações avançaram cerca de 25%. O desastre da balança comercial só não será pior porque o reajuste do minério de ferro e o aumento das exportações de commodities amortecerão um rombo ainda maior.
DINHEIRO ? Dias atrás, diante da alta da inflação, alas do governo propuseram aumentar as taxas de importação. Outra ala propôs reduzir a tarifa para aumentar a concorrência e diminuir os preços. Qual a sua posição?
SKAF ? Aumentar a tarifa de importação em alguns casos específicos, tudo bem. Reduzir, nesse momento, nem pensar. Apesar de representar a indústria, nossa política é sempre a favor do País. Mas chegamos à conclusão de que estamos com o real sobrevalorizado em 15% e os países concorrentes com o câmbio desvalorizado em até 40%, como no caso da China. Assim, fica evidente que, nesse momento, nossa indústria está desprotegida em termos de tarifa de importação. O mercado interno vai muito bem. Tem sustentado o crescimento da indústria.
“Forçar a redução da jornada é um erro. A média já é de 41 horas”
Passeata das centrais sindicais pela redução da jornada de trabalho
DINHEIRO ? Em relação à China, o Brasil não pode mudar as regras do jogo no meio da partida, concorda?
SKAF ? Tomar medidas rigorosas contra a China é obrigação do governo. Eles têm práticas ilegais e desleais de comércio, independentemente de alíquotas. Reconhecer a China como uma economia de mercado foi um absurdo. Isso é uma bandeira falsa. É preciso combater questões de pirataria e de dumping com mais energia. Se for o caso, vale até aumentar as taxas de importação de setores que estejam mais expostos à concorrência da China.
DINHEIRO ? E se a China, um dos principais parceiros comerciais do Brasil, decidir fazer o mesmo e retaliar?
SKAF ? Deixar de fazer o que é certo porque pode haver algum outro interesse ou por medo de retaliação é uma incoerência total. Eu não estou dizendo que não podemos ter uma boa relação com o governo chinês. Podemos fazer parcerias, criar sinergias, pleitear apoio deles em algumas questões. Mas não podemos pagar caro por isso, castigando quem não tem nada a ver com a história. Se um parceiro comercial quer que façamos algo errado, esse parceiro não serve.
DINHEIRO ? De volta ao dólar, mexer na política de câmbio flutuante, num momento em que o País tem atraído investimentos e está crescendo, não seria pior?
SKAF ? Dá para resolver o problema dos exportadores sem mexer nas regras do câmbio flutuante. Primeiro, dando crédito mais barato aos exportadores. Segundo, devolvendo às empresas os créditos a que elas têm dinheiro. Como as exportações não podem ser tributadas, os impostos que estão embutidos no processo de produção precisam ser restituídos de forma mais rápida.
DINHEIRO ? Só a devolução dos créditos compensaria a desvalorização do dólar?
SKAF ? Mesmo que isso não seja tudo, ajudaria bastante nesse ambiente de real sobrevalorizado. Se um produto custa US$ 10, US$ 0,58 de impostos pagos nunca são recuperados. O INSS está embutido, o IPTU está embutido, além do IOF, das taxas municipais, etc. Está na lei que 17,1% desses tributos podem ser compensados, caso o destino da produção seja a exportação. Imagine só se o exportador tivesse a oportunidade de recuperar, o que é um direito dele, esses impostos. Quando fazemos um cálculo simples, chegamos à conclusão de que, se os caixas das empresas exportadoras fossem oxigenados com esse dinheiro, seria como se o dólar estivesse a R$ 2,15. É só querer fazer.
“O BC de Meirelles não se deu conta de que aumentar juros é um tiro no peito”
Henrique Meirelles, presidente do BC
DINHEIRO ? Aparentemente, a questão do câmbio preocupa mais a indústria do que o problema dos créditos tributários.
SKAF ? Uma vez estive nos Estados Unidos e me encontrei com o vice-presidente de uma grande montadora de lá, que tem unidade no Brasil. Naquele jantar, ao me cumprimentar, a primeira pergunta que ele fez foi: ?E os créditos de ICMS no Brasil??. Ou seja, eles têm milhões a receber. É um tema importante. Essa questão preocupa muito, tanto aqui quanto lá fora.
DINHEIRO ? O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, acertou ao elevar os juros para conter a disparada da inflação?
SKAF ? A afirmação de que elevar os juros ajuda a controlar a inflação não faz o menor sentido. Não é possível alguém acreditar nisso. Se a origem da inflação estivesse num descompasso entre oferta e demanda, até se justificaria tentar esfriar a economia. Mas não é o caso. A inflação, em hipótese alguma, surgiu da alta do consumo. A indústria tem conseguido suprir com tranquilidade o aumento das vendas. O Banco Central, de Henrique Meirelles, ainda não se deu conta de que aumentar os juros no momento em que a economia está se fortalecendo é mais do que um tiro no pé, é um tiro no peito.
DINHEIRO ? Por que, então, o BC elevou a Selic?
SKAF ? Alguém provavelmente está levando vantagem com a alta da Selic. Juros altos não são inibidores de demanda. Como a taxa de juros no País é componente de custo e as empresas obrigatoriamente embutem nos produtos eventuais encarecimentos dos empréstimos, os juros maiores significam preços maiores. Ou seja, elevar os juros aumenta o custo de produção e, consequentemente, aumenta a inflação. O que era para solucionar um problema, acaba piorando-o.
DINHEIRO ? Então o sr. não concorda que o consumo está superaquecido?
SKAF ? Temos que perder o medo de crescer. Ficamos estagnados durante quase 30 anos, enquanto o mundo crescia. Agora que, até que enfim, o País dá sinais de aquecimento, as pessoas ficam contagiados por um pânico geral. A indústria vai sempre estar preparada.
DINHEIRO ? Qual a origem da inflação, senão o consumo?
SKAF ? Reforço que a pressão inflacionária não teve nada a ver com o preço na indústria. Teve a ver com o aumento do IPTU, com o transporte público, com as enchentes que oneraram os custos dos produtos agrícolas, com mensalidades escolares que subiram muito. Ou seja, questões sazonais. Não houve nem aumento de preço na indústria nem escassez de produtos.
DINHEIRO ? Muitas empresas reconheceram que foram surpreendidas.
SKAF ? A indústria investiu no ano passado e aumentou a capacidade de produção. Neste ano está investindo para ampliar ainda mais. A preocupação nossa não deve ser como fazer para segurar a demanda. Porque, se fizer isso, esses investidores que estão embalados na indústria se acovardam. Daí tira o País do ciclo virtuoso de demanda, de investimento, de geração de emprego, de mais consumo. O aumento da capacidade, que em apenas um ano cresceu 15%, é muito maior do que o aumento da demanda.
DINHEIRO ? As estatísticas industriais dizem outra coisa. Há setores, como o automotivo, que já utiliza mais de 90% da capacidade instalada.
SKAF ? Eventualmente, um setor ou outro pode ficar mais próximo da capacidade, mas de forma alguma falta produto. Aqueles setores que estão mais acelerados já estão se ajustando para garantir o abastecimento.
DINHEIRO ? Para equilibrar a balança, o governo deveria aumentar as tarifas de importação? Elas já não são altas demais?
SKAF ? No Brasil, atualmente, não existe tarifa de importação. Embora a média seja de 11%, e possa chegar a 35%, esse custo a mais aos fabricantes estrangeiros desaparece quando vemos que o real está caro demais em relação ao dólar. A equação é simples. Hoje o real está 15% mais caro do que deveria estar, em comparação às principais moedas do mundo. Se a tributação média sobre os importados é de 11%, na prática o produto importado está chegando ao consumidor sem custo adicional. Essa matemática comprova que a taxa de importação no Brasil é fictícia.
DINHEIRO ? O que dizer da proposta de redução da jornada de 44 para 40 horas semanais?
SKAF ? Não sou contra a redução da jornada de trabalho de 44 horas para 40 horas semanais. O que tenho criticado é a obrigatoriedade de reduzir. Atualmente, a carga horária média do trabalhador brasileiro é de 41 horas por semana. Então, não tem cabimento afirmar que baixar para 40 horas vai gerar dois milhões de vagas.
DINHEIRO ? O sr. é pré-candidato ao governo paulista. Qual será a sua bandeira?
SKAF ? Bom, esse tema daria outra entrevista de três páginas. De forma resumida, queremos mostrar que somos uma alternativa às velhas opções. Respeito Alckmin, mas ele já teve a chance de mostrar seu trabalho. O Mercadante tem carreira apenas no Legislativo. Somos uma terceira opção para São Paulo.