Economistas de todos os matizes concordam com poucas coisas. Educação é uma delas. Esse raro consenso pode ser medido. Sugiro três abordagens. Pelo PIB per capita por paridade do poder de compra (PPP) em dólar internacional: nele, segundo o Banco Mundial, estamos numa posição mais perto do fim do mundo: 91a. Esse tipo de desempenho se repete nos rankings de produtividade (a maioria faz a conta pelo PIB per capita em relação à massa de horas trabalhadas). Mesmo estando entre as 15 maiores economias do planeta, em nenhuma lista o Brasil aparece antes do 50o posto. Outro caminho de medição são as listas de lugares mais inovadores. Pelo Global Innovation Index 2022, estamos no número 54, uma cadeira atrás do Irã. O denominador comum de todos esses fiascos se chama educação.

E aqui vem nosso martírio. Porque resolver esse problema no Brasil não está na quantidade do dinheiro investido. Somente depois de adotarmos uma gestão honesta, eficiente e transparente poderemos dizer que falta grana. Por esse motivo, a decisão de Lula III de falar que o dindim da educação “não é gasto é investimento” embute três armadilhas: tirar o foco do problema; dar sinal verde às personas públicas da política nacional que vivem metendo a mão na cumbuca; deixar de pensar formatos inovadores — dos quais algumas cidades brasileiras são exemplos.

O Brasil destina acima de 6% de seu PIB à educação. Não é pouco, nem é menos que a maioria dos países. Entre os da OCDE, a média é de 5,6% do PIB. No mundo inteiro, a média cai para 4,3%. E mesmo colocando mais dinheiro no balaio, o que tiramos dele? Fatos constrangedores é a resposta. Em novembro do ano passado foram divulgados pelo Inep os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) 2021. Por mais que especialistas comemorem o fato de que não ocorreu uma catástrofe, com evasão escolar recorde e incontornável ao atravessarmos dois anos de pandemia, não podemos chamar a fotografia do exame com outro nome que não seja ‘desastre’. Todos os indicadores em matemática e língua portuguesa caíram entre o Saeb 2019 e o Saeb 2021 para alunos de todas as faixas avaliadas. Turmas do 5º ano, turmas do 9º ano (que estão concluindo o Ensino Fundamental) e turmas do 3º ano do Ensino Médio (aqueles que estão a um pé da universidade) conseguiram resultados piores do que os de dois anos antes. Em suma, emburrecemos como país.

Segundo o site Futura, da Fundação Roberto Marinho, “isso significa que os alunos do 5º ano ainda não seriam capazes de reconhecer assunto e opinião em reportagens e contos” e que esses estudantes “não seriam capazes de converter mais de uma hora inteira em minutos ou resolver problemas como adição e subtração de cédulas e moedas”. E só piora. O desempenho em alfabetização mostrou que de 2019 a 2021 houve alta de 66% entre alunos de 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever. Triste. Horroroso. Deprimente. Indecente. Criminoso. Escolha o adjetivo. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) afirma que “no Ensino Fundamental, nos dois primeiros anos o processo de alfabetização deve ser o foco da ação pedagógica, afinal, aprender a ler e escrever oferece aos estudantes algo novo e surpreendente: amplia suas possibilidades de construir conhecimentos”.

Nem vou entrar na divisão de recursos entre a educação básica, o ensino médio e a formação superior no mundo das escolas públicas. (Outro vespeiro para outro momento). Mesmo nas instituições que têm bem-vindas ações afirmativas de inclusão de alunos oriundos de estabelecimentos estaduais e municipais, cabe olhares mais atentos e perguntas mais diretas. Tipo: eles vão para carreiras Stem (Ciências, Engenharia, área Médica e Tecnologia) ou para cursos que levam a profissões de remuneração mais baixa?

E quando usamos uma régua internacional, também passamos vergonha. Pelo índice Pisa, ficamos na posição 58 entre 64 países. O problema não é a quantidade da grana. É o que se faz com ela. Jogar dinheiro na educação sem sistemas de controle eficientes e forte modelo de gestão é pedir para alimentar falcatruas. Fundeb e FNDE produziram, apenas para citar exemplos recentes, kit robótica e licitações de compra de laptops de fazer corar mafiosos. A saída envolve boa docência&muita decência. Para isso é preciso dois outros ingredientes: muita coragem política e blockchain — vai ajudar (e muito) a identificar, registrar e dar transparência à gestão pública. Por isso, antes de uma limpeza profunda nos processos e modelos atuais, chamar de gasto ou investimento não é abstração semântica ou preciosismo. Chamar de gasto ou investimento mostra a distância entre usar bem o dinheiro ou meter a mão nele.

Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.