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“Conhecemos o Burger King. Eles respeitam as regras do jogo assim como nós”

 

 

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“Nem mesmo Néstor Kirchner recomenda a moratória para outros países”

 

 

DINHEIRO ? Qual é o impacto da chegada do Burger King ao Brasil?
SERGIO ALONSO ? O Burger King é um concorrente do McDonald?s em muitos países. Nós o conhecemos. Pessoalmente, até tenho bastante familiaridade com a empresa, porque estão há um bom tempo na Argentina e eu ocupei cargos no McDonald?s de lá. No entanto, o que mais nos preocupa é a informalidade. O Burger King joga dentro das mesmas regras do mercado. O ideal seria que todos os competidores participassem do mercado em condições iguais, pagando impostos e assinando a carteira profissional dos seus funcionários.

DINHEIRO ? A informalidade é o grande entrave?
ALONSO ? Sim, esse é um grande problema. No setor de varejo alimentício a informalidade está perto de 70% (o índice médio da economia brasileira é de 40%). A informalidade é nosso grande concorrente. O McDonald?s recolhe quase R$ 270 milhões em impostos por ano. Nossa carga tributária está acima de 30% e nós temos que concorrer com quem não paga nada.

DINHEIRO ? Qual o impacto da informalidade no negócio do McDonald?s?
ALONSO ? Arrecadaríamos substancialmente mais do que os R$ 270 milhões atuais. Há, no entanto, alguns dados interessantes. Em economias onde não há informalidade, como na Europa, um funcionário é 40% mais produtivo que numa economia informal. Isso tem um impacto gigantesco. No Brasil, falta fiscalização. A Inglaterra, uma das nações campeãs em recolhimento de impostos, tem 1,6 fiscais para cada 1000 habitantes. No Brasil, essa relação é de 0,04. A informalidade não se restringe ao recolhimento de impostos. Essas empresas também não respeitam leis trabalhistas e vigilância sanitária.

DINHEIRO ? O McDonald?s no Brasil nunca teve uma concorrência tão semelhante como o Burger King. Isso não muda o mercado para vocês?
ALONSO ? Não necessariamente. Não podemos nos esquecer que existem outras empresas estruturadas neste mercado, como Bob?s e Habib?s. Eles têm marca e cobertura nacional. De jeito nenhum, nós desrespeitamos o Burger King. Eles são competidores sérios. Mas a chegada deles não vai mudar de forma dramática o mercado, porque eles jogam as mesmas regras.

DINHEIRO ? A mudança de cardápio ocorreu simultaneamente à chegada do Burger King. Isso foi coincidência?
ALONSO ? A alteração no cardápio reflete um programa mundial. Não foi inventado no Brasil e também não foi um dos primeiros países a adotar essas mudanças. Isso porque nós nunca reagiríamos tão rapidamente para lançar o novo cardápio entre o tempo que recebemos a confirmação da chegada do Burger King e a abertura do seu primeiro restaurante. Só para se ter uma idéia, a implantação de saladas levou mais de um ano, porque é necessário desenvolver fornecedores. Aliás, fizemos um primeiro avanço nesse sentido em janeiro de 2004, com a primeira versão de novas saladas.

DINHEIRO ? A mudança no cardápio tem conexão com as críticas ao fast food que atingiram o auge com o filme ?Super Size Me?? Isso colocou em questionamento o modelo de negócios do McDonald?s?
ALONSO ? O McDonald?s não tem crise de modelo. O ano passado foi o melhor ano da história da companhia no mundo. Não acredito que uma empresa de 50 anos tenha crise de modelo e ao mesmo tempo registre grandes resultados. Em relação ao filme, vou responder com um dado. Cada um dos nossos consumidores nos visita, em média, três vezes ao mês. Um indivíduo faz 90 refeições mensais. A premissa do filme é que uma pessoa vai de três a quatro vezes ao dia no McDonald?s, sem realizar qualquer atividade física. Para mim, a história foi construída a partir de uma premissa falsa, porque se você for a qualquer restaurante três a quatro vezes por dia e ingerir 4 mil calorias, provavelmente, vai acontecer a mesma coisa. Uma maçã tem 60 calorias. Coma 4 mil calorias em maçãs e o efeito será o mesmo.

DINHEIRO ? A mudança de cardápio é reflexo desses últimos acontecimentos?
ALONSO ? Entre outras coisas, sim. O importante é que o mercado tem reagido positivamente às mudanças. Nós vendemos, por exemplo, 1 milhão de saladas em janeiro deste ano. Foi muito mais do que esperávamos. A venda média diária de saladas por restaurante em São Paulo é maior que a das lojas dos EUA. O McDonald?s atende 1,5 milhão de clientes por dia no País, que compram desde hambúrgueres até sorvetes. O Big Mac é o lanche mais vendido e perto de 11% das nossas vendas têm esse sanduíche na bandeja. No Brasil, vende-se 53 milhões de Big Macs por ano ou 147 mil diariamente.

DINHEIRO ? As vendas das lojas próximas ao Burger King caíram no Brasil?
ALONSO ? Não quero parecer arrogante, mas as vendas aumentaram. Não sei o que há por trás desse fenômeno.

DINHEIRO ? Foi uma boa estratégia do Burger King citar nominalmente o McDonald?s em seus comerciais como referência para chegar aos restaurantes deles?
ALONSO ? Eu não teria feito isso. Nós, do McDonald?s, sempre falamos dos nossos valores. A nossa fortaleza é os nossos valores e sempre tocamos nisso. Agora, qualquer um pode fazer o que quiser no ambiente legal.

DINHEIRO ? Com a mudança de cardápio, o McDonald?s poderá deixar de ser uma empresa de hambúrgueres?
ALONSO ? O que estamos fazendo é oferecer mais alternativas. As pessoas que consomem saladas, não compram só e sempre esse produto. Elas continuam consumido os Big Macs. Não estamos simplesmente saindo dos hambúrgueres e migrando para saladas.

DINHEIRO ? Não há um risco de descaracterização do McDonald?s com essa diversificação de cardápio?
ALONSO ? Não há esse risco, porque os consumidores não deixaram de comprar hambúrgueres para adquirir só salada. Em nosso menu clássico, o hambúrguer continua sendo campeão das vendas.

DINHEIRO ? O McDonald?s é visto como símbolo americano e qualquer manifestação anti-americana tem como alvo as lojas da rede. Como a empresa reage a isso?
ALONSO ? Honestamente, não sei se esses movimentos continuarão crescendo. O McDonald?s efetivamente é um alvo. É uma marca global e com uma particularidade – a empresa tem edifício. Isso é diferente de outros símbolos, como a Coca-cola, que não têm um local concreto, onde você possa jogar uma pedra. Por outro lado, a marca sofre um processo de inserção no mundo, porque deixou de ser uma referência americana para assumir uma postura internacional. E depois virou global. Nós temos 99,9% de funcionários brasileiros. Eu sou uma exceção por ser argentino. Todo o trabalho de desenvolvimento sempre foi feito no País. Nosso símbolo é global, mas o nosso modo de agir é 100% local.

DINHEIRO ? No último ano, a empresa perdeu dois CEOS, Jim Cantalupo e Charlie Bell. Algum projeto foi interrompido por conta disso?
ALONSO ? Não houve interrupção. O McDonald?s tem um sistema estruturado. Ele é formado por pessoas, mas antes de mais nada é um sistema. Nele, há um plano global de sucessão. Depois da morte de Cantalupo em abril de 2004, o assunto resolveu-se logo. Levou pouco mais de três horas para que Bell fosse anunciado como o novo CEO. No entanto, a decisão estratégica estava clara. Era só seguir o plano de negócios, que é feito além das pessoas.

DINHEIRO ? Qual foi o faturamento da companhia no Brasil em 2004?
ALONSO ? O faturamento foi de R$ 1,9 bilhão em 2004, 12% a mais que o de 2003. É recorde de receita. Foi muito superior, porque prevíamos inicialmente aumentar as vendas em 5%. Para este ano, acreditamos num crescimento de 7%, mas fechamos janeiro com um aumento de 18% sobre o mesmo mês do ano passado. O fato é que o nosso negócio reage acima do desempenho do PIB e só crescemos porque aprofundamos o foco operacional. E a satisfação dos nossos clientes subiu também. Mas o lucro no ano passado não foi tão grande e precisamos melhorar.

DINHEIRO ? Quais os planos para os próximos anos?
ALONSO ? Temos o tamanho que o mercado demanda. Acredito que abriremos até 5 restaurantes em 2005.

DINHEIRO ? A empresa tem conflitos com franqueados no Brasil, que inclusive foram parar na Justiça. O que foi feito para resolver esses problemas?
ALONSO ? Em 2004, fechamos um acordo com um grupo de franqueados e compramos suas lojas. Com isso, resolvemos cerca de 50% desses entraves. Adquirimos 20 unidades e os conflitos envolviam mais de 40 restaurantes. Acredito que resolveremos já em 2005. Por isso, o número de restaurantes próprios aumentou. Hoje 70% de nossa rede é própria. O fato é que não queremos ter restaurantes fechados por oito ou nove meses, como aconteceu no passado. O sistema de franquias continua com a força de sempre no Brasil. Compramos os restaurantes, porque era a única forma de resolver a questão.

DINHEIRO ? O que preocupa o McDonald’s na economia brasileira?
ALONSO ? Tenho duas preocupações e uma é conseqüência da outra. A primeira é se esse crescimento no País é sustentável. Não é realista dizer que o Brasil vai crescer 5,2% por ano durante uma década. Isso não vai acontecer nunca. Mas o País, de um modo geral, precisa de algum crescimento durante 10 anos. Isso é fundamental para que a companhia tome suas decisões. A segunda dúvida é como se dará a transferência de uma parte dessa riqueza gerada para o bolso dos brasileiros. Nós não temos dúvidas de que o McDonald?s depende do poder de compra das pessoas.

DINHEIRO ? Como argentino, qual a avaliação que o senhor faz do fim da moratória em seu país?
ALONSO ? Pelo menos, o meu país volta a uma situação de normalidade. Uma simples troca de dívida não resolve o problema. A troca da dívida foi um passo. Espero que isso não sirva como empurrão a outros países. O próprio presidente argentino, Néstor Kirchner, reconheceu a importância da renegociação, mas não aconselhou ninguém a trilhar o caminho da moratória. Até porque a Argentina viveu dias terríveis em 2002. Aconteceram mudanças sociais nas cidades, como aumento da violência. É um grande erro ver o que aconteceu na Argentina como exemplo.