16/01/2021 - 6:48
A nova variante do coronavírus identificada em Manaus (a mesma detectada em viajantes japoneses que estiveram no Amazonas) tem maior potencial de transmissão e, segundo análises preliminares, pode já estar disseminada pela capital amazonense. É o que mostra um estudo conduzido por cientistas do Centro Brasil-Reino Unido de Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (grupo Cadde), que conta com pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP.
Na pesquisa, publicada no site virological.org e ainda sem a revisão de outros especialistas, foram sequenciados os genomas do vírus presente em 31 amostras recolhidas de pacientes infectados entre 15 e 23 de dezembro em Manaus.
Dessas, 13 (ou 42%) correspondiam à nova variante, batizada pelos pesquisadores de P1. Nas amostras de pacientes da cidade analisadas anteriormente, até novembro, essa linhagem nunca havia sido identificada, o que reforça a hipótese que ela surgiu em dezembro.
A P1 é derivada de uma das variantes predominantes no País, a B.1.1.28. É provável que ela tenha maior poder de transmissão por causa da mutação N501Y, que provoca alterações na proteína spike do vírus. “A nova linhagem contém uma composição única de mutações definidoras de linhagem, principalmente três mutações de importância biológica conhecida, como E484K, K417N/T e N501Y. Estas mutações ocorrem na proteína spike, responsável pela entrada do vírus nas células humanas e poderiam causar um aumento de transmissão”, disse Lucas Augusto Moyses Franco, pós-doutorando da Faculdade de Medicina da USP e colaborador do grupo Cadde.
A mesma mutação está presente nas variantes identificadas no Reino Unido e na África do Sul. “A gente ainda não pode afirmar o papel dessa variante na explosão de casos recente no Amazonas. Acredito que ela seja um dos fatores, junto com a temporada de vírus respiratórios, que começa em novembro, e o relaxamento das medidas de distanciamento”, afirmou Felipe Naveca, virologista e pesquisador do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia).
Uma das mutações citadas por Franco, a E484K, gera preocupação por já ter sido associada em outros estudos a um potencial de escapar de anticorpos. Isso precisa ser melhor estudado, mas, segundo especialistas, é mais provável que esse escape favoreça reinfecções, mas não atrapalhe a ação das vacinas contra a covid.
“O que pode acontecer é os anticorpos produzidos pelo paciente numa primeira infecção não darem conta de impedir uma segunda. Mas os anticorpos produzidos pela vacina são diferentes. É uma imunidade mais robusta, mais abrangente e, provavelmente, mais duradoura”, explicou a biomédica Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede Análise Covid-19. Ela diz que já estão sendo feitos estudos para verificar se vacinas já lançadas têm eficácia contra as novas variantes.
Os especialistas alertam que, embora ainda não haja confirmação, a nova linhagem pode já estar em outros Estados brasileiros e ressaltam a importância das medidas de proteção. “A variante pode ser mais transmissível, mas não é só ela a responsável pelo aumento de casos. As medidas de contenção continuam as mesmas: máscara, distanciamento, lavagem das mãos, e os governos devem restringir as flexibilizações feitas”, disse Mellanie.
Perda de controle
O colapso do sistema de saúde de Manaus e a morte de pessoas por asfixia pela falta de oxigênio foram mencionados ontem pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um chamado para que países não descuidem da prevenção à covid-19. “O que está acontecendo em Manaus é um alerta a muitos países. Não deixem que uma falsa sensação de segurança baixe a guarda de vocês. Se vocês construíram uma infraestrutura, com leitos de UTI, oxigênio, não desativem, a pandemia não acabou ainda”, afirmou a diretora-geral assistente da OMS, Mariangela Simão.
O diretor executivo da entidade, Mike Ryan, disse que a situação na cidade se deteriorou significativamente e que todo o sistema parece estar implodindo. Ele ressaltou que essa não é uma condição somente de Manaus, mas também de outros Estados, como Amapá e Rondônia. E apontou que a maior parcela de responsabilidade ainda é do relaxamento da população. Nós precisamos ser capazes de aceitar, como indivíduos, como comunidades e governos, nossa parte da responsabilidade para o vírus sair do controle”, enfatizou.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.