RESUMO

• Novartis concluiu processo de separação da Sandoz, que era uma divisão de genéricos
• Foco agora está em medicamentos inovadores, de alta complexidade, e parceria com o setor público
• 2023 deve ser ano recorde em receita no Brasil
• País está entre os dez maiores mercados da Novartis, que tem faturamento global de US$ 40 bilhões

Pitágoras, o filósofo que ficou conhecido como o pai da Matemática, implementou o conceito de que “tudo é um número”. E trouxe para a sociedade equações das mais complexas, como o teorema batizado com seu nome, que explica a formação de um triângulo retângulo (o quadrado da hipotenusa é igual a soma dos quadrados dos catetos). Mas não é preciso ir tão longe na conta. Uma operação bem mais simples, a divisão, é de fácil compreensão: significa fragmentar algum número e chegar a partes menores.

A gigante farmacêutica suíça Novartis pretende, de certa forma, subverter essa lógica da equação. Quer mostrar que da divisão é possível alcançar uma soma. E são justamente os números que comprovam essa teoria do ‘dividir para crescer’.

A companhia concluiu, no início deste mês, o processo de separação da Sandoz, que até então era uma divisão de genéricos. Deste projeto surgiram duas gigantes do mercado farmacêutico, cada um em sua área de especialidade. A Novartis, agora, pretende ampliar sua expertise em pesquisa e inovação.

“Os mercados são distintos e as empresas estão maduras. Foi uma decisão natural, que precisava ser tomada. A empresa tem avançado para ser 100% focada em medicamentos inovadores e terá, em 2023, a melhor performance da história no País”, disse à DINHEIRO Renato Carvalho, CEO da Novartis Brasil, na primeira entrevista concedida após o processo de separação da Sandoz.

E, nessa divisão, com um foco mais definido no segmento de medicamentos inovadores, de alta complexidade, o faturamento da Novartis tende a crescer.

No ano em que completa nove décadas de Brasil, a companhia vislumbra um recorde de receita, da ordem de US$ 1 bilhão, já sem a fatia da Sandoz. O País está entre os dez maiores mercados da Novartis, que registrou globalmente faturamento de US$ 40 bilhões.


A Novartis tem investido no mundo cerca de US$ 9 bilhões em Pesquisa e Desenvolvimento. No Brasil, o volume chega a R$ 1 bilhão no ciclo de quatro anos (Crédito:Carlos José Marques)

No mercado de ações, a reação foi a melhor possível. O papel das duas companhias na SIX Swiss Exchange, sediada em Zurique, foi negociado em alta logo após o anúncio da separação.

“Se olhar como a bolsa reagiu, a gente até criou valor de um dia para o outro. O resultado da ação um dia depois do spin-off foi maior. O mercado entendeu bem que quando a gente divide a empresa, a soma das duas passa a ser maior do que era antes”, afirmou o executivo.

A perspectiva é de que a saída da Sandoz do guarda-chuva da Novartis seja absorvida em curto prazo no resultado financeiro da farmacêutica suíça.

A conta é clara: a Sandoz representava 20% do faturamento da Novartis e o planejamento é de um crescimento anual da ordem de 25% a 30%. Claro que esse não é o único fator que baliza a receita de uma companhia, mas ilustra bem o quanto o spin-off não deverá impactar nas finanças da empresa.

Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma

“Esse movimento da Novartis é muito bom, porque teremos mais investimentos no Brasil. E a indústria é focada em novas tecnologias.”
Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma

A percepção de Carvalho sobre o resultado da operação de, agora, duas companhias é compartilhada pelo mercado farmacêutico nacional. O setor também encarou com naturalidade e otimismo o spin-off da Sandoz, e a perspectiva de crescimento para a Novartis.

“A empresa passa a focar mais em seu objetivo e destina seus recursos de pesquisa e desenvolvimento de uma forma mais racional. Isso aconteceu com outras companhias e o resultado é extremamente positivo. As empresas ganham até mais valor. Realmente é dividir para somar”, disse Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma). “Esse movimento da Novartis é muito bom, porque teremos mais investimentos. E a indústria farmacêutica é muito focada em novas tecnologias.”

Mais pacientes

Ainda que o resultado financeiro seja assombroso positivamente, o presidente da Novartis bate na tecla de que a última linha do balanço não é mais importante do que garantir o acesso para cada vez mais pacientes no País.

A empresa tem como meta avançar ainda mais no setor público, que hoje representa 25% da receita da companhia. E entrar mais no setor público significa garantir mais acesso à população que não pode arcar com convênio médico.

Hoje, 75% da população brasileira, de 210 milhões, depende exclusivamente do SUS (Sistema Único de Saúde). “O sucesso para a gente é chegar em mais pacientes. Não existe outra coisa. O faturamento é consequência.”

Ainda somando Novartis e Sandoz, a expectativa é de chegar à marca de 12 milhões de pacientes atendidos no Brasil em 2023.

E para avançar em mais tratamentos e novas tecnologias, a Novartis vai ampliar os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento.

No Brasil, são alocados cerca de R$ 1 bilhão a cada ciclo de quatro anos. No mundo, a companhia tem investido pouco mais de US$ 9 bilhões.

As pesquisas têm sido realizadas em quatro áreas consideradas como foco da Novartis:
oncologia,
 cardiovascular,
neurologia,
 imunologia.

E por que essas quatro? “Porque a gente entendeu que, com o conhecimento adquirido, com o histórico de entregas ao longo dos anos, é possível fazer a diferença para a sociedade nessas áreas terapêuticas. Quando há essa estratégia clara, a gente consegue chegar aonde chegou”, afirmou Carvalho.

Terapia Gênica

Em dezembro, em um processo de discussões que havia começado em 2020, a Conitec, um órgão técnico ligado ao Ministério da Saúde, aprovou a incorporação da inovadora terapia gênica para o tratamento de Atrofia Muscular Espinhal (AME).

A doença atinge cerca de 300 pacientes por ano no Brasil — que precisam ser tratados o mais cedo possível, preferencialmente nos primeiros seis meses de vida.

De uma forma geral, terapia gênica consiste na introdução de material genético em células ou tecidos para fins terapêuticos, quando os genes são substituídos, inativados ou introduzidos nas células. Nesse caso, a dose é única.

O ineditismo não está somente na terapia desenvolvida mas também no modelo de contrato com o governo federal. Assim que estiver disponível, a nova medicação será disponibilizada pelo sistema de risco compartilhado, o que significa estabelecer métricas de resultado do medicamento nas pessoas para assegurar o pagamento integral, sem qualquer desconto. Na prática, mostra o quanto a Novartis confia na pesquisa desenvolvida.

E é preciso ter confiança mesmo, quando se observa o custo do medicamento, na ordem de R$ 5,7 milhões, seguramente um dos mais caros do País.

Mas, para Carvalho, levar em conta apenas o valor do produto é uma visão injusta e incompleta. “Qual o preço disso para uma mãe que tem um filho com essa doença e pode ter a oportunidade de um medicamento que toma uma vez na vida? Claro que a gente sabe que o valor é alto, e por isso a gente fez de tudo para que pudesse estar disponível por meio da saúde pública.”

O prazo para disponibilização é de 180 dias após a incorporação, o que, nesse caso, foi esgotado. A própria mudança de comando do governo federal é um dos fatores que explicam essa demora além do previsto e a Novartis tem atuado em Brasília para a nova terapia possa ser usada em breve em pacientes com AME no Brasil.

Futuro

Mineiro de Poços Caldas, de fala mansa, com 43 anos e há cinco à frente da companhia no Brasil, Renato Carvalho não esconde o sorriso quando questionado até onde a Novartis pode chegar em termos de avanço na medicina.

“O próximo passo será trazer para o Brasil as terapias radioligantes para pacientes de câncer de próstata, que são tratamentos muito menos agressivos. É algo que pode mudar o panorama de alguns tipos de câncer. Se tudo der certo, a gente espera ter a aprovação no ano que vem”, afirmou. “Quem sabe um dia a gente não consiga, por exemplo, uma terapia gênica para tratamento de Parkinson ou Alzheimer?”

Diferentemente do que pregava Pitágoras, tudo é número, mas nem tudo é cifrão.

ENTREVISTA: Renato Carvalho, CEO da Novartis Brasil

“O objetivo da Novartis é ser medida pelo número de pacientes que atinge e ser reconhecida pela inovação e pelo acesso”

(Claudio Gatti)

Qual a estratégia da companhia a partir de agora, com o spin-off da Sandoz?
Essa é uma decisão que foi tomada globalmente e nós, como país, tivemos uma participação importante no processo decisório. O Brasil é um dos dez maiores mercados do mundo para a Novartis e é prioritário. A forma como a gente vem evoluindo como companhia deixa claro que a gente precisava ter foco para poder executar nossa estratégia. A Novartis tem avançado para ser uma empresa 100% focada em medicamentos inovadores e a Sandoz é uma das maiores do mundo em genéricos. E à medida que o foco e a velocidade são diferentes, fica muito clara e natural a decisão.

Como deve fechar o desempenho da Novartis em 2023 no Brasil?
Tem sido um ano especial. Além de efetivar a decisão do foco total em inovação, completamos 90 anos de presença no País, chegaremos à marca de US$ 1 bilhão de receita e recorde de pacientes atendidos com nossos medicamentos. No primeiro semestre a gente cresceu 35% em relação ao ano passado e deve fechar o ano com crescimento entre 25% e 30%. Estou muito feliz em presenciar esse momento da Novartis no Brasil.

E como foi chegar a esse resultado?
Este ano representa a conclusão de uma jornada. Nestes 90 anos, a Novartis passou por muitos governos, diretrizes diferentes e a empresa conhece o mercado de saúde no Brasil. Há três anos a gente colocou planejamento estratégico que a gente chamou de ‘sonho grande’. O sucesso para a gente é chegar em mais pacientes. Não existe outra coisa. O faturamento é consequência. Se fizermos bem o nosso papel, com acesso, com sistema público e com o sistema privado, com os diferentes interlocutores, a receita vai ser uma consequência.

E no contexto externo?
Há uma transição de governo e isso não pode ser ignorado, já que boa parte do nosso faturamento vem do setor público. É óbvio que o diálogo, o entendimento com o governo é importante. E tem algo que a gente pode se orgulhar na companhia que é não ter predileção para A ou B. A gente tem que fazer o que é melhor para o sistema de saúde. Nossa posição é técnica. A ciência deve prevalecer.

Isso mostra o quanto o SUS é forte?
Super-resiliente. Como brasileiro, o SUS é um dos orgulhos que tenho no nosso país. O extraordinário do SUS é trazer essa questão de ser saúde pública, universal, em um país continental. Se não fosse o SUS, desafios como o da Covid-19 seriam muito difíceis de enfrentar. Brasil é um país diverso do ponto de vista de acesso, e muito importante para as companhias. Quando algo dá certo no Brasil, significa que você aprendeu algo muito importante, porque os desafios são muito grandes. A gente teve a primeira terapia gênica no SUS. O Brasil é o único país do mundo que tem uma terapia gênica incorporada no sistema de saúde universal. Isso é algo muito relevante. Para nós, não existe sucesso sem chegar no sistema público de saúde. Se queremos chegar a cada vez mais pacientes, e 75% dos pacientes estão no sistema público de saúde, a gente precisa avançar.

Onde a Novartis espera estar quando completar 100 anos de Brasil, em 2033?
O objetivo é ser uma empresa que possa ser medida pelo número de pacientes que atinge, ser a empresa que traz inovação em saúde de forma mais veemente, e que a inovação não seja restrita aos nossos medicamentos e terapias. É importante que o Brasil inove também em acesso. Que a gente consiga, cada vez mais, ser uma fonte de inovação também na forma de acesso à população.