Dezenas de bebês mortos por falta de cuidados adequados, uma “cultura de negação” e a voz das mulheres ignoradas: um novo escândalo, o segundo este ano na Inglaterra, revelou nesta quarta-feira (19) a extensão dos problemas nas maternidades britânicas.

Sete meses após um relatório chocante sobre os hospitais do oeste da Inglaterra, o dr. Bill Kirkup, juntamente com outros especialistas, divulgou suas conclusões sobre 202 casos de mães ou bebês nascidos entre 2009 e 2020 em duas grandes maternidades do leste de Kent, no sudeste da Inglaterra.

Quarenta e cinco mortes de bebês poderiam ter sido evitadas, de um total de 65, segundo o relatório.

“O que aconteceu no leste de Kent é lamentável e de partir o coração”, disse Bill Kirkup, em entrevista coletiva.

“As mortes, lesões e outros danos poderiam ter terminado de forma diferente, se os cuidados tivessem sido prestados de acordo com as normas em vigor em nível nacional”, acrescentou.

A investigação foi desencadeada após a morte, em novembro de 2017, de Harry Richford, sete dias após seu nascimento por cesariana. Uma morte causada por uma série de falhas e por negligência, de acordo com uma investigação.

De 17 casos de danos cerebrais, 12 não teriam ocorrido, se o tratamento adequado tivesse sido fornecido. Vinte e três mortes, ou lesões maternas, também poderiam ter sido evitadas, de um total de 32.

Bill Kirkup condenou uma cultura de “negação” nesses hospitais públicos. “É uma prática cruel que acaba privando as famílias da verdade”.

Um tema foi repetidamente levantado pelas vítimas, de acordo com o relatório: “a incapacidade da equipe do grupo hospitalar em considerar as mulheres quando levantaram preocupações, quando questionaram seus cuidados e quando desafiaram as decisões que foram tomadas sobre seus cuidados”.

Os especialistas constataram “falhas gritantes no trabalho da equipe” nessas maternidades, com “uma falta de confiança mútua”, “egos enormes” em alguns obstetras, “comportamento de panelinha” entre algumas parteiras.

– “Isso não pode continuar” –

Um relatório “horrível” sobre um “escândalo terrível”, tuitou Jeremy Hunt, o novo ministro das Finanças, que atuou como ministro da Saúde entre 2012 e 2018.

“A ministra da Saúde tem todo meu apoio para transformar a cultura nas maternidades”, declarou, agradecendo a Bill Kirkup por este “novo relatório”.

Trata-se da segunda investigação publicada este ano. O relatório anterior, de março, que dizia respeito a maternidades no oeste da Inglaterra, já havia levado o governo a pedir desculpas.

Ele concluía que a morte de mais de 200 bebês em 20 anos, resultado de uma recusa obstinada de cesarianas e de falta de cuidados adequados, poderia ter sido evitada.

Donna Ockenden, que liderou essa investigação, foi contratada em maio para realizar outro estudo na área de Notthingham, no centro da Inglaterra, após reclamações de várias famílias.

Em 2015, outro relatório sobre maternidades no norte da Inglaterra concluiu que uma série de falhas levou à morte de vários bebês, mortes que também poderiam ter sido evitadas.

Bill Kirkup foi o autor deste relatório em 2015. “Quando fiz este relatório (…) não imaginava que estaria aqui sete anos depois” para falar sobre o mesmo assunto, comentou, em entrevista à rede BBC. “Isso não pode continuar (…) Não podemos simplesmente fingir que é a última vez que isso acontece”.

O grupo hospitalar envolvido no relatório desta quarta-feira afirmou ter “feito progressos”, mas reconheceu que “ainda é necessário fazer mais”.

“A administração usará o relatório para continuar a progredir”, prometeu.

Ainda há muito a ser feito em toda Inglaterra. De acordo com dados publicados hoje no jornal Daily Telegraph, o número de denúncias por problemas nas maternidades aumentou 25% em dois anos. Em 2021-2022, foram 1.243 contra 1.015 no biênio 2019-2020.