Os projetos anunciados pelo governo federal no setor ferroviário há várias administrações — por sua complexidade e alto volume de investimentos — costumam demorar para entrar nos trilhos.

A carteira Ferrovias do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), compilada no início do atual governo, tem 39 empreendimentos entre construções, estudos de novos projetos e investimento em concessões já existentes com valor total previsto de R$ 91,3 bilhões.

O governo federal lançou, em meados de junho, o Plano Nacional de Ferrovias. O objetivo é destravar esse nó logístico com regras mais simples para expandir e modernizar a infraestrutura ferroviária do país, a fim de reduzir a dependência do transporte rodoviário e aumentar a participação do modal ferroviário na matriz de transporte.

O valor total dos investimentos foi estimado em R$ 138,6 bilhões distribuídos em 15 ativos, com expectativa de 19 mil quilômetros de extensão de trilhos. O pacote inclui aportes, repactuação de concessões existentes e soluções para gargalos regulatórios, tais como a definição de direito de passagem e agilidade para liberar licenciamentos ambientais.

A intenção do Ministério dos Transportes é atacar em várias frentes: além de passar cerca de 4.700 quilômetros de ferrovias para a iniciativa privada, por meio de seis leilões até 2027, estão previstas a construção ou conclusão de projetos existentes.

Os problemas mais citados por especialistas para que os projetos ferroviários continuem dormentes incluem desde a falta de estímulo à diversificação das cargas transportadas por via férrea à ausência de unificação de bitola dos trilhos, o que impede a integração da malha, passando pela chamada interoperabilidade – a dificuldade de um comboio de trens obter o direito de passagem por uma ferrovia sob concessão para chegar ao destino, geralmente um porto.

“Não temos nenhum exemplo de construção de ferrovia no País que tenha cumprido o cronograma previsto”, afirmou Marcus Quintella, diretor executivo da FGV Transportes, ao portal Neofeed.

O governo federal demonstra intenção de mudar essa realidade. Em recente evento promovido pela Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), o secretário nacional de Transporte Ferroviário, Leonardo Ribeiro, apresentou medidas voltadas à estruturação de projetos, fortalecimento do ambiente regulatório e ampliação dos mecanismos de financiamento, com o objetivo de ampliar a eficiência e atratividade do setor ferroviário.

Entre elas, está a implementação de um banco de projetos ferroviários em diferentes estágios de maturação, medida que considera essencial para garantir a qualidade técnica e a viabilidade econômica das futuras concessões: “Não adianta fazer projetos mal elaborados. Já vimos leilões que não avançaram na execução por falta de consistência técnica. Nosso foco é gastar tempo na fase certa para garantir que os investimentos se concretizem”.

Em outro evento recente com representantes de uma delegação da União Europeia para tratar de parcerias para o transporte de cargas e para a reestruturação do transporte de passageiros, Leonardo Ribeiro apresentou os principais projetos da Política Nacional de Ferrovias e destacou oportunidades de investimento e parcerias técnicas para fortalecer o setor.

“O setor ferroviário é estratégico para o país. Estamos avançando na modernização do marco legal, inspirados em modelos internacionais como o das shortlines (ferrovias de curta distância) que conectam ferrovias principais e aumentam a eficiência operacional”, afirmou.

Um dos projetos de shortlines em desenvolvimento no Brasil é o do grupo Cedro Participações, conglomerado de empresas das áreas de mineração, logística, agronegócios e saúde, o qual planeja investir R$ 1,5 bilhão em um ramal ferroviário de 26,47 quilômetros entre os municípios mineiros de Mateus Leme e São Joaquim de Bicas, na região de Serra Azul.

O projeto será conectado à Malha Regional Sudeste, garantindo acesso ferroviário ao Porto de Itaguaí (RJ), onde a Cedro também constrói um terminal destinado à movimentação de minério de ferro.

O Ramal Ferroviário Serra Azul, da Cedro, prevê o transporte de 24 milhões de toneladas de minério de ferro para exportação anualmente e deve retirar 5 mil carretas e caminhões por dia das estradas da região, reduzindo emissões de gás carbônico (CO2) em cerca de 40 mil toneladas anuais.

O mapeamento fundiário ainda está na fase de levantamento das propriedades que serão atingidas. No estudo do traçado da ferrovia está prevista a menor interferência possível das áreas povoadas e o aproveitamento de caminhos geográficos existentes, com o menor número de pontes, viadutos, extensão de túneis e cortes rochosos.

O início das obras do Ramal Ferroviário Serra Azul está previsto para 2027, e suas operações, em 2030. Calcula-se que um dos principais impactos do projeto seja uma redução significativa dos acidentes de trânsito na BR-381, também conhecida como “Rodovia da Morte”.

“Os EUA têm 720 ramais ferroviários. Este aqui será pioneiro, junto a um ramal para transportar celulose no Mato Grosso do Sul. A economia de transporte será de milhões, com a retirada de veículos pesados das estradas. E principalmente, muitas vidas serão poupadas na BR-381”, destaca o presidente do conselho da Cedro Participações, Lucas Kallas.

Além da redução dos acidentes, o projeto também contribuirá para a geração de empregos na região. Prevê-se a criação de 4.000 postos de trabalho, entre empregos diretos e indiretos. Haverá também um aumento na arrecadação tributária dos municípios.

Os investimentos ferroviários voltam a ganhar protagonismo no país, no momento em que se discute os gargalos logísticos e o desafio da descarbonização da economia em setores estratégicos, como é o caso da mineração, mas também no agro e até mesmo no transporte de passageiros.